Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
Um grande escritor não precisa ser necessariamente uma grande pessoa. Ao contrário: freqüentemente grandes escritores não passam de patifes. O nazista Céline, o traficante de armas Rimbaud, o ladrão Genet, são alguns exemplos. Mais: para alguns escritores safadeza é parte inevitável (ou desejável) do ofício. Faulkner dizia que, se os grandes ficcionistas pudessem, sacrificariam até as mães em troca em troca da perfeição literária. E acrescentava: " Um belo texto vale qualquer número de velhinhas imoladas."
José Saramago, com quem tenho convivido breve, mas intensamente, é um grande escritor - e um grande ser humano, um homem generoso, capaz de abraçar com entusiasmo a causa da justiça e de abraçar com afeto as pessoas. Isto todo o mundo sabe, mas gostaria de dar aqui um depoimento pessoal que servirá de modesto exemplo.
Há uns anos fui convidado pela TV Cultura, de São Paulo, para um debate via satélite com José Saramago, num programa destinado a promover intercâmbio cultural entre Portugal e o Brasil. No dia marcado, um domingo, apresentei-me no estúdio da emissora. A produtora cumprimentou-me e perguntou-se pelo livro. Espantei-me: que livro? Fiquei então sabendo que deveria ter trazido um livro meu para mostrar no programa, o que era indispensável. Só que ninguém tinha me avisado. E conseguir um livro naquele momento era absolutamente impossível.
Do outro lado do Atlântico que tantas vezes serviu de cenário para sua literatura, sentado no estúdio da tevê portuguesa, José Saramago ouviu a discussão. "Mas eu tenho um livro do Scliar", disse. De fato: ele havia levado para a gravação a edição portuguesa de "O Centauro no Jardim". O que nós, no Brasil, não fizéramos, ele providenciara. Movido pela simples consideração. Pela simples generosidade.
Não lembro mais o programa. Mas lembro da gentileza de Saramago. Um grande escritor que é um grande homem.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
- 06/02/2000: "A tribo dos insones"
-15/06/2003: "Um dia, um livro"
- 27/09/2008: "A doença de Machado de Assis"
-20/08/1997: "Médicos e monstros"
- 20/02/2000:"A invenção da praia"
-06/11/2007: "Ler faz bem à saúde"
-19/04/1997: "O ferrão da morte"
-30/11/1997: "Os estranhos caminhos da história"
-05/03/2000: "A gloriosa seita dos caminhantes"
- 08/11/2008: "A Bíblia como literatura"
- 21/03/1998: "Urgência: a visão do paciente e a visão do médico"
- 30/04/1998: "Uma cálida noite de outono de 48"
-16/04/2000: "A imagem viva do Brasil"
- 23/03/1997: " O analista do Brasil"
- 06/02/1999: "Em busca do esqueleto"
- 09/05/1998: "As múltiplas linguagens da literatura judaica"
- 14/05/2000: "Olha só, mamãe, sem as mãos"