Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
O que fez Arthur Sulzberger, o todo-poderoso editor do New York Times depois de um almoço privado com o então presidente Ronald Reagan, o vice George Bush e o secretário de Estado George Schultz? Algo que à primeira vista pode parecer surpreendente. Correu para o telefone e ligou para sua idosa genitora:
- Mamãe, você não adivinha com quem almocei hoje.
Sulzberger, que comandava o mais respeitado jornal do mundo, não era uma exceção. Ele simplesmente imitava o garoto que, andando de bicicleta, grita, orgulhoso:
- Olha só, mamãe, sem as mãos.
Essa necessidade de aprovação materna surge na infância e não nos abandonará pelo resto da vida. Mesmo depois de nossas mães terem falecido, continuaremos, em nosso íntimo, a dizer "olha só, mamãe, sem as mãos". No fundo, estamos buscando aprovação. Sobre esse propósito tenho uma tese: todo escritor é, basicamente, o menino que está mostrando à mãe, e ao pai, suas historinhas, esperando deles a palavra elogiosa sem a qual egos frágeis não sobrevivem. Que muitos desses textos se transformem em obras-primas é outra história. O começo é sempre "olha só, mamãe, sem as mãos".
Agora: as mães são cúmplices dessa conspiração afetiva. A mãe do Sulzberger ouviu a notícia, fez o comentário esperado ("filho, isso é maravilhoso") e depois saiu-se com a pergunta normal numa mãe judia, mas não só nela:
- E o que é que eles queriam com você?
Para a boa sra. Sulzberger, não era o presidente dos Estados Unidos que estava fazendo um favor ao Arthur. Era o seu filho que concedia, com grande magnanimidade, a honra da presença numa mesa com Reagan, Bush e Schultz. Entre parênteses, tinha alguma razão: os políticos passam, um grande jornal fica. Mas a sra. Sulzberger não estava fazendo uma análise desse tipo. Estava falando como mãe.
Neste Dia das Mães, os filhos retribuirão a confiança ilimitada, essa confiança que só tem paralelo naquela que Maria depositou em Jesus. Presentes de todos os tipos serão oferecidos. Agora, se você não é editor do New York Times e não pode telefonar dizendo "mamãe, você não adivinha com quem almocei hoje", trate de arranjar uma bicicleta e praticar bastante: você terá de chegar pedalando e dizendo "olha, mamãe, sem as mãos". Ou então escreva uma crônica a respeito. Mesmo muito longe, sua mãe estará lendo, com lágrimas nos olhos, dizendo baixinho:
- Meu filho é o melhor do mundo.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
- 06/02/2000: "A tribo dos insones"
-15/06/2003: "Um dia, um livro"
- 27/09/2008: "A doença de Machado de Assis"
-20/08/1997: "Médicos e monstros"
- 20/02/2000:"A invenção da praia"
-06/11/2007: "Ler faz bem à saúde"
-19/04/1997: "O ferrão da morte"
-30/11/1997: "Os estranhos caminhos da história"
-05/03/2000: "A gloriosa seita dos caminhantes"
- 08/11/2008: "A Bíblia como literatura"
- 21/03/1998: "Urgência: a visão do paciente e a visão do médico"
- 30/04/1998: "Uma cálida noite de outono de 48"
-16/04/2000: "A imagem viva do Brasil"
- 23/03/1997: " O analista do Brasil"
- 06/02/1999: "Em busca do esqueleto"
- 09/05/1998: "As múltiplas linguagens da literatura judaica"