Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
A história me foi contada por um conhecido, que, compreensivelmente, não me autoriza a divulgar o nome. Só a inicial, L. A coisa foi assim:
Como muitas pessoas, L arrisca boa parte de seu dinheiro na Bolsa. E o faz atormentado pelas incertezas do mercado de ações, que sobe e desce com uma rapidez vertiginosa. L gostaria de ter alguma indicação, algum sinal sobre como proceder nessa terra de ninguém. Assinava publicações, falava com consultores, mas não estava satisfeito. Pelo jeito, a insegurança, nessa área, é geral.
E aí começou a prestar atenção na porta da casa. A porta rangia, o que acontece com muitas portas. Mas era um rangido particular, composto de muitos sons. Sons que formavam palavras. Melhor dizendo, ele achou que formavam palavras. De qualquer modo, aquilo o deixou impressionadíssimo. As palavras eram basicamente duas: "compra" e "vende". "Compra", em geral coincidia com a abertura da porta, mas nem sempre - o que, no seu entender, era ainda mais significativo. Não se tratava simplesmente de uma porta rangendo. Era uma mensagem vinda sabe-se lá de que instância extraterrestre.
E ele começou a proceder de acordo com essa mensagem. Comprava e vendia ações em obediência à porta. Deu certo: em pouco tempo, tinha ganho muito dinheiro. Enquanto os investidores se desesperavam, ele exultava. E não revelava seu segredo a ninguém.
Até que um dia o oráculo silenciou. E silenciou por uma razão muito simples: o filho que, ao contrário do pai, detestava o rangido da porta, colocou óleo nas dobradiças. A partir daí, a porta não mais falou. E L teve que deixar o mercado de ações.
Agora, está em busca de outro guia. Tem prestado muita atenção na porta do carro. É um carro antigo, e a porta está rangendo. L prevê que, em breve, estará ganhando muito dinheiro. Por via das dúvidas, deu sumiço na latinha de óleo.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
- 06/02/2000: "A tribo dos insones"
-15/06/2003: "Um dia, um livro"
- 27/09/2008: "A doença de Machado de Assis"
-20/08/1997: "Médicos e monstros"
- 20/02/2000:"A invenção da praia"
-06/11/2007: "Ler faz bem à saúde"
-19/04/1997: "O ferrão da morte"
-30/11/1997: "Os estranhos caminhos da história"
-05/03/2000: "A gloriosa seita dos caminhantes"
- 08/11/2008: "A Bíblia como literatura"
- 21/03/1998: "Urgência: a visão do paciente e a visão do médico"
- 30/04/1998: "Uma cálida noite de outono de 48"
-16/04/2000: "A imagem viva do Brasil"
- 23/03/1997: " O analista do Brasil"
- 06/02/1999: "Em busca do esqueleto"
- 09/05/1998: "As múltiplas linguagens da literatura judaica"
- 14/05/2000: "Olha só, mamãe, sem as mãos"
- 09/04/1997: "Um grande escritor e um grande homem"
- 30/10/1999: "Medicina e arte: a visão satírica"
- 01/12/1998: "Um patriarca no deserto"
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