Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
Eu pedi o filé da casa, ele disse que comeria apenas uma salada. Perguntei se estava doente, ele disse que não: apenas não comia carne.
- Não sabia que você é vegetariano.
- Eu não era. Fiquei.
- Motivos religiosos, alguma coisa assim?
- Não. Foi o boi.
E como eu estranhasse, explicou:
- Pois é, o boi. Mas deixa eu contar como ele apareceu em minha vida. Eu gostava muito de carne, como você. Picanha, filé, costela, traçava tudo, pedia mais. Um carnívoro, em suma. Um dia, estou sozinho num restaurante – você sabe que me separei – e muito entretido numa costela gorda, quando de repente levanto os olhos e dou de cara com o boi. Sentado na cadeira à minha frente.
- Um boi?
- Um boi. A princípio, pensei que estava delirando, que tinha bebido demais. Mas não, o boi estava ali. Sentado, assim como se fosse o Minotauro. Conhece o Minotauro, aquele monstro mitológico, com cabeça de touro e corpo humano? Pois é. Só que este era um boi completo. E estava sentado.
- Fazendo o quê?
- Nada. Só me olhando, e olhando o meu prato. E eu sabia o que ele queria dizer: “Esta costela que você está devorando era de uma comadre minha. Coitada.”
- E você?
- Bem, para apaziguá-lo, resolvi pedir comida. Pedi salada, pedi massa, pedi pão, pedi sobremesa. Ele comia de tudo. Comia como um boi. Mas sem tirar os olhos do meu prato. Uma coisa muito embaraçosa.
- E daí?
- Daí que a cada restaurante que eu ia, ele estava lá. E nem sequer podia pedir ao gerente para retirá-lo. Ninguém o via, só eu. E o boi ali, com aquele olhar acusador.
- Foi por isso que você resolveu se tornar vegetariano...
- Não. – Ele, indignado. – Não foi por isso. Foi pela sacanagem. Você vê, o boi comia, comia, comia – e nunca se ofereceu para rachar a conta! Era demais. Sentimento de culpa é uma coisa, exploração é outra. Parei de comer carne, ele desapareceu. E vegetariano continuarei.
Sorriu, melancólico.
- Até o dia em que um pé de alface sente à minha frente e me olhe com ar acusador.
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