Se você perguntar aos profissionais das artes cênicas se 2018 foi um ano bom, a resposta será provavelmente "não". Afinal, nesta temporada, a crise de financiamento à cultura se aprofundou e os artistas viraram alvo de uma tática de grupos interessados em desviar o foco dos verdadeiros problemas políticos.
Também foi um ano de grandes perdas no Rio Grande do Sul: Eva Sopher em fevereiro, o dramaturgo Ivo Bender em junho e o ator Leonardo Machado em setembro.
Mas, para além da tempestade, o ano de 2018 foi de projetos conjuntos entre grupos, de uma inédita articulação da cena da dramaturgia e de continuidade de coletivos, festivais e projetos. Além, claro, das visitas ilustres da atriz Fernanda Montenegro e do diretor José Celso Martinez Corrêa. Tudo isso fez desta uma temporada para ser lembrada.
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O São Pedro depois de Eva
Logo no início do ano, o Rio Grande do Sul chorou a partida de Eva Sopher, a guardiã do Theatro São Pedro e figura admirada pelos gaúchos, que morreu no dia 7 de fevereiro, aos 94 anos. A despedida da mulher que comandou a reconstrução da casa, em 1984, e a obra do Multipalco foi um momento de comoção na cultura gaúcha.
Coube ao professor e crítico teatral Antonio Hohlfeldt a tarefa de levar adiante o legado de Dona Eva. Biógrafo dela, Hohlfedt assumiu a direção do teatro com o discurso de conclusão da obra do Multipalco, iniciada em 2003. Em novembro, foi anunciado um novo patrocínio para o Teatro Oficina, um dos principais equipamentos do complexo cultural.
Como Dona Eva desejaria, este 2018 foi de celebração pelos 160 anos do Theatro São Pedro, que apresentou uma programação com Christiane Torloni (em Master Class), Denise Fraga (A Visita da Velha Senhora) e, no último fim de semana, Eliane Giardini e Antonio Gonzalez (Peça do Casamento).
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Fernanda Montenegro entre nós
Recebendo nos últimos tempos merecidas homenagens por sua trajetória como uma das maiores atrizes brasileiras, Fernanda Montenegro, 89 anos, esteve em Porto Alegre em outubro para uma agenda dupla na PUCRS: autografou o livro Fernanda Montenegro – Itinerário Fotobiográfico (Edições Sesc São Paulo) e apresentou, no dia seguinte, a leitura Nelson Rodrigues por Ele Mesmo, frente a um Salão de Atos lotado. Após a leitura de textos do dramaturgo e cronista, de quem a atriz é fã, ela recebeu o Mérito Cultural PUCRS, condecoração a personalidades da área, tendo sido aplaudida calorosamente (foto acima).
Em entrevista a Zero Hora na ocasião, Fernanda se mostrou desalentada com a falta de incentivo à cultura: "O que é um país sem cultura? É uma fronteira. Não tem caráter".
No final do ano, entrou em cartaz nos cinemas a adaptação de O Beijo no Asfalto dirigida por Murilo Benício, com participação especial de atriz. A peça tem um significado especial porque foi escrita por Nelson respondendo a um pedido dela, que também atuou na primeira e histórica montagem teatral, em 1961.
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Zé Celso volta após 10 anos
O mais provocador encenador do moderno teatro brasileiro retornou a Porto Alegre com um espetáculo depois de 10 anos – o último havia sido Os Bandidos, na Usina do Gasômetro. José Celso Martinez Corrêa trouxe ao Teatro do Sesi a remontagem de O Rei da Vela, 50 anos após a versão original e devidamente atualizada com referências à política de hoje.
Mas o principal não mudou muito. Painel irreverente, dramático e trágico – tudo ao mesmo tempo – da sociedade brasileira e suas contradições, O Rei da Vela contou com Marcelo Drummond no papel do protagonista, um magnata capitalista sem coração. Além de assinar a direção, Zé Celso, 81 anos, viveu a senhorinha reacionária Dona Poloca.
O timing da vinda do Teatro Oficina a Porto Alegre, dias antes do segundo turno das eleições, conferiu um senso de urgência às manifestações de Zé Celso (leia entrevista). Em um encontro com o público no Teatro Renascença (foto acima), ele defendeu a necessidade de uma frente progressista contra o conservadorismo no Brasil, o que repetiu após as sessões no Sesi.
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Ivo e Léo saem de cena
Um criou extensa obra; outro teve a trajetória prematuramente interrompida.
Dramaturgo fundamental do teatro moderno no Rio Grande do Sul, Ivo Bender deixou a cena no dia 25 de junho, aos 82 anos. Autor de 36 peças, notabilizou-se por obras marcadas pelo fantástico. Uma de suas mais sofisticadas criações foi a Trilogia Perversa (1988), em que situou episódios da tragédia grega em meio à imigração alemã no Estado.
Bender dedicou seus últimos tempos à narrativa curta, tendo lançado duas antologias: Contos (L&PM), de 2010, e Quebrantos e Sortilégios (Terceiro Selo), de 2015. Trabalhava em uma terceira, Rosa Noturna, que saiu postumamente, no final de agosto, pela editora Movimento.
Já o ator Leonardo Machado, um dos grandes talentos do palco, do cinema e da televisão, morreu no dia 28 de setembro, aos 42 anos. Era um antigo parceiro da Cia. Rústica, da diretora Patrícia Fagundes, equipe com a qual havia estrelado a peça Fala do Silêncio em 2017, contextualizando uma peça de Harold Pinter no tempo recente.
A montagem havia marcado o retorno do ator ao teatro depois de nove anos dedicados principalmente ao cinema. Participou de filmes como A Cabeça de Gumercindo Saraiva, de Tabajara Ruas, e do ainda inédito Legalidade, de Zeca Brito, em que interpreta o papel de Leonel Brizola.
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A polêmica da "ópera-rock"
Há tempos o meio cultural gaúcho não testemunhava uma polêmica como a do edital da Câmara dos Vereadores que ofereceu R$ 350 mil para a montagem de uma "ópera-rock" sobre a Revolução Farroupilha. Profissionais criticaram, entre outros aspectos, a destinação da soma vultosa para um único projeto em um momento de escassez de patrocínios. O projeto vencedor, com direção-geral de Clóvis Rocha, uniu teatro, dança, circo e música em um espetáculo multimídia (leia resenha). Foram três sessões em um palco montado na Orla Moacyr Scliar. Um novo edital para montagem sobre tema histórico deve ser lançado em 2019.
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Celebrar, apesar de tudo
Ninguém disse que as coisas estão fáceis, mas diversos grupos gaúchos brindaram o público com programações especiais celebrando sua longevidade: 40 anos do Ói Nóis Aqui Traveiz, 30 da Cia. Stravaganza, 15 do Teatrofídico e do Neelic, e 10 do GRUPOJOGO, do Grupo Cerco e do Levanta Favela, para citar alguns. Em meio à crise de financiamento da cultura, os coletivos decidiram se unir em projetos conjuntos. O Novembro das Artes levou espetáculos e debates ao Centro Municipal de Cultura, as Quartas Dramáticas promoveram leituras no Estúdio Stravaganza, e a oficina de teatro Usina Plural reuniu as companhias da KZA TereZinha (foto acima).
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A força dos festivais
Em tempos de crise, os festivais de artes cênicas demonstraram resiliência. O Porto Verão Alegre oportunizou a estreia da montagem gaúcha Pequeno Trabalho para Velhos Palhaços (leia resenha); o Festival Palco Giratório destacou o Teatro da Vertigem (SP), de volta à Capital após sete anos; e o Porto Alegre Em Cena teve entre suas atrações Grande Sertão: Veredas (foto acima). Isso sem falar nos espetáculos gaúchos que estrearam nos projetos Ponto de Teatro, do Instituto Ling, e Transit, do Instituto Goethe.
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Primavera da dramaturgia
Durante muito tempo, a dramaturgia gaúcha pareceu estar desarticulada, mas o ano de 2018 foi de movimentação. O Coletivo As DramaturgA (foto acima) e o Grupo de Estudos em Dramaturgia reúnem autores para trocar ideias. Peças das dramaturgas do coletivo e de Altair Martins foram lançadas pela EdiPUCRS. E o Departamento de Arte Dramática da UFRGS terá, a partir de 2019, uma habilitação em dramaturgia para os bacharelandos em Teatro.
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O salto da Cia. Municipal
Foi uma temporada e tanto para a Cia. Municipal de Dança. O grupo estreou, em 2018, três espetáculos, nos quais demonstrou variedade de linguagens: Caverna, coreografado pelo carioca radicado em Bruxelas Rafael Gomes; Brazil Beijo (foto acima), da israelense Orly Portal; e Pedra Verde-Muiraquitã, estreado no último fim de semana, criado por Gustavo Silva. Além disso, o grupo dançou a Suíte Pulcinella, de Stravinsky, com a Orquestra do São Pedro, coreografada por Alexandre Rittmann.
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Eva Schul, passado e futuro
Ela formou boa parte dos bailarinos de dança contemporânea no Estado e neste ano lançou o projeto Carne Digital, que vai documentar seus mais de 50 anos de atividade. Em busca de financiamento para ir ao ar, a plataforma coordenada pela professora Mônica Dantas com apoio da UFRGS contará com vídeos, fotos, textos e outros itens de carreira de Eva Schul (foto acima). Um dos destaques será a digitalização dos gestos de suas aulas com a tecnologia de captura de movimentos. Também em 2018 Eva estreou com a Ânima Cia. de Dança o espetáculo Fisiologia do Desespero, que voltará a cartaz no segundo semestre do ano que vem.