Murilo Benício estreia na direção com uma adaptação de Nelson Rodrigues que entrelaça cinema e teatro, em cartaz a partir desta quinta-feira (6) no CineBancários, em Porto Alegre (sessões às 15h e às 19h15m).
O Beijo no Asfalto, mesmo título da peça de 1961, alterna cenas ficcionais, ou seja, o filme propriamente dito, com momentos documentais, em que os atores leem e comentam espontaneamente o texto em torno de uma mesa, orientados pelo diretor teatral Amir Haddad. Há uma engenhosa continuidade entre os dois eixos. Conforme a trama avança, as cenas da leitura diminuem, dando protagonismo à história.
– É uma homenagem ao ofício do ator, estendendo-se à arte em geral. Pensei em como mostrar um bastidor que não virasse documentário e em que, ao mesmo tempo, o público pudesse entender o processo do ator – conta Benício.
Fernandona no elenco
Abordando temas como notícias falsas, corrupção das instituições e moralismo, O Beijo no Asfalto está mais atual do que nunca. Na trama, que Nelson escreveu a pedido de Fernanda Montenegro, Arandir (Lázaro Ramos) é visto beijando na boca um homem que acaba de ser atropelado em plena Praça da Bandeira, no Rio.
É a oportunidade para o repórter sensacionalista Amado Ribeiro (Otávio Müller) esquentar a história para vender jornal e para o delegado Cunha (Augusto Madeira) limpar seu nome com um caso de expressão midiática, ambos envolvendo os familiares de Arandir e do morto em uma teia de mentiras e intimidações para tentar provar que eram amantes.
Com seu rosto estampado na capa do jornal Última Hora e acossado pela polícia, Arandir tenta desesperadamente convencer os outros de sua versão: beijou como ato de piedade para atender o último pedido de um moribundo desconhecido.
A história não cola com o sogro, Aprígio (Stênio Garcia), que nunca o chama pelo nome, nem com os colegas de trabalho, mas sua maior decepção é com a esposa, Selminha (Débora Falabella), que também começa a se ver envolta em dúvidas. Dália (Luiza Tiso), a irmã menor dela, secretamente apaixonada por Arandir, vê então uma oportunidade para entrar em cena. Para Benício, o protagonista é um ser humano "quase inexistente":
– Representa quase o ideal de ser humano. Vejo nele um cara íntegro, doce, muito generoso, uma pessoa sem maldade.
Fernanda Montenegro, que atuou como Selminha na primeira montagem da peça, em 1961, participa do filme no papel da fofoqueira Dona Matilde. Na leitura de mesa, a atriz conta histórias memoráveis, como a do repórter do Última Hora, que realmente existiu: "Esse Amado Ribeiro assistia aos nossos ensaios e gritava que era pior do que está aí".