Uma boa reflexão a ser feita ainda em 2018 é debater os rumos da massa de jovens que foi às ruas do Brasil em 2013. Os protestos naquele ano, que se espalharam em todo o país a partir do aumento no preço da passagem de ônibus e que ganharam outras pautas com o passar das semanas, atingiram seu ápice em 20 de junho, quando cerca de um milhão de pessoas ocuparam espaços públicos em mais de cem cidades brasileiras.
Em tempos de incerteza em relação ao futuro do Brasil e dessa geração de 2013, Rasga Coração chega aos cinemas nesta quinta-feira (6) para debater a questão. O novo longa-metragem do cineasta gaúcho Jorge Furtado coloca duas gerações para discutir frente a frente, adaptando no roteiro a peça teatral homônima que o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha (1936 – 1974), escreveu entre 1972 e 1974. Na verdade, são três gerações em cena, como explica Furtado:
– O filme fala sobre a geração que chegou à vida adulta a partir de 2013. A geração dos pais desses jovens tinha a sensação de que, na política, ganhou todas. Lutou por democracia, Lei da Anistia, Diretas Já, Constituinte... e ganhou as disputas. Agora, parece que houve um retrocesso. É preciso começar tudo de novo. O filme fala desse confronto, de uma geração que lutou pela democracia e pela liberdade, e dos seus filhos, que têm outro discurso e acreditam que o que os pais fizeram não foi suficiente.
Para autor, humanismo estava acima da ideologia
Essa sensação de incompatibilidade com o mundo atual é centralizada em Luca, personagem vivido por Chay Suede. Ao final do Ensino Médio, o jovem lidera a discussão na escola sobre liberdade e gênero – sua namorada é impedida de entrar no colégio por usar roupas curtas demais e “se vestir como homem”. O garoto, então, pinta as unhas e anda de saia. Além disso, quer largar o sonho de cursar Medicina para “lutar pelo mundo”. Com o debate aquecido, os estudantes se unem em protestos contra a direção da escola.
Ao mesmo tempo, o pai de Luca, Manguari Pistolão, papel de Marco Ricca, que foi atuante na militância estudantil durante boa parte da juventude, chegou a 2013 com uma vida regrada e convencional. Trabalha como funcionário público e vê sua rotina controlada por horários. Em casa, a relação entre pai e filho esquenta quando Luca passa a liderar a luta na instituição de ensino. É o momento em que Pistolão revisita o período em que enfrentou a ditadura militar – e os conflitos que teve com seu próprio pai.
Em meio a flashbacks, Rasga Coração, ambientado no bairro carioca de Copacabana, promove uma discussão sobre o que motiva as pessoas a continuarem em suas revoluções – e sobre o que desmotiva cada um.
– Vianninha fala do desgaste do discurso da esquerda, aquilo já não funciona. O filho não se convence do que o pai está dizendo, o próprio pai está um pouco em crise com tudo, ao refletir se a política em sua própria vida está resolvendo ou não.
No embate entre os pontos de vista de pai e filho, o filme reflete sobre a importância do diálogo e da tentativa de ir, de fato, ao encontro das ideias do outro, para entendê-las e respeitá-las.
– A grande lição da peça é que o humanismo está acima da ideologia dele (Vianninha). É importante sair da bolha e tentar entender o ponto de vista do outro para poder conversar – pontua Jorge Furtado.
Para o espectador, a sensação ao final da exibição de Rasga Coração é de que a história está longe de terminar. Pensamento compartilhado pelo cineasta:
– Parece que, como é uma peça cíclica, de um confronto de gerações, ela parece eterna. Daqui a 30 anos, talvez dê para filmar de novo.