Em cartaz a partir desta quinta-feira (6), Rasga Coração é a mais recente empreitada no cinema do porto-alegrense Jorge Furtado, 59 anos. Além do longa, o gaúcho tem um de seus projetos como roteirista, Sob Pressão, seriado que critica a precariedade da saúde pública no Brasil, com duas novas temporadas confirmadas pela Globo.
Em entrevista a GZH, Furtado fala, entre outros temas, sobre as discussões que seu novo filme lança, o papel da mídia no Brasil e suas expectativas para a área cultural no governo de Jair Bolsonaro.
O personagem Luca (Chay Suede) luta por seus direitos em Rasga Coração, tem apoio do pai, mas toma atitudes radicais. Seu filme parece mostrar que a democracia, às vezes, até pode não funcionar mas é sempre a melhor solução. Foi essa sua intenção?
A democracia tem muitos problemas, mas é a única solução possível. É como diz a frase de Winston Churchill: “A democracia é a pior de todas as formas de governo, excetuando-se as demais”. As demandas das gerações se renovam, a próxima geração vai ter outros problemas. O Vianninha (autor da peça que inspirou o filme) mostra oito personagens, e todos têm razão. O filme preserva isto, de ser tolerante e aceitar, tentar entender o ponto de vista do outro, o que me parece útil neste momento de intolerância, em que as pessoas não se conversam.
Em relação às manifestações de 2013, os jovens estão mais conformistas em 2018?
Quando fizemos Mercado de Notícias (documentário de 2014 em que Furtado colocou em debate o trabalho e a influência da imprensa na democracia brasileira), os jovens diziam: “Vamos lá, a juventude vai partir para outra coisa!”. Aos poucos, esse movimento foi se misturando com movimentos de direita e, de repente, ficou um negócio estranho, e eles pararam de ir. A direita tomou conta deste espaço. É a mesma coisa que aconteceu nas eleições com o “Ele Não” e as mulheres. Muita gente se perguntou se foi bom ou ruim para o Bolsonaro, mas não importa. As mulheres protestaram por coisas reais, e tinham razão. Talvez tenha faltado liderança. Foi uma coisa meio ingênua, é possível. Faltou também uma compreensão dos partidos políticos tradicionais em entender o que estava acontecendo. E acho que a esquerda, de alguma maneira, se acomodou em uma estrutura de poder, perdeu um pouco o pulso do país.
Como você vê o papel da mídia tradicional daqui para frente, dada a força mostrada pelas fake news?
No fim do século passado, quando começou a internet, muita gente dizia que não se precisava mais de jornalismo. Eu me mantenho no campo oposto. Agora é que precisa. Se todo mundo está fazendo (jornalismo), preciso do profissional. Alguém que checou e que, se errou, volta e diz que se enganou. Correntes, WhatsApp e memes reforçam minha impressão de que, sem um jornalismo de qualidade, feito por profissionais, em qualquer formato, estamos ferrados. A oposição no Brasil, a partir de 2005, passou a ser a imprensa. Agora, houve uma mudança radical, com um presidente (eleito) que fala mal da imprensa o tempo inteiro, que diz que a mídia toda está contra ele. Neste momento, é fundamental que a imprensa toda se posicione. O que vai separar o Brasil de uma ditadura é a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão dela. O que nos protege de um autoritário é a liberdade de expressão. Enquanto tivermos liberdade de expressão não estaremos numa ditadura. A ditadura pressupõe a censura.
A imprensa tem de ser oposição?
Oposição no sentido de dizer não, não é verdade. Checar, ver o outro lado da coisa. Não pode ser oposição política. A imprensa não deve almejar o poder. Não é que ela precisa ser neutra – e normalmente não é. Ela tem que ser clara e transparente.
O seriado Sob Pressão critica o sistema público de saúde. Quais serão os temas das próximas temporadas?
Você passa uma tarde em um hospital e sai de lá com 20 histórias. Normalmente, os médicos estão trabalhando como sempre, mas os pacientes estão vivendo o pior dia de suas vidas. Nessa segunda temporada, falamos da corrupção. Sempre digo que entendo um cara que assalta um banco, mas e aquele que rouba o Hospital do Câncer Infantil, que frauda oxigênio hospitalar, que rouba remédios e vende ambulância superfaturada? Essas pessoas são assassinos seriais. Na terceira temporada, posso adiantar que faremos crítica a um tipo de médico que vai lá, bate ponto e depois vai para o consultório particular dele.
Em relação ao cinema nacional, quais são as suas perspectivas?
O cinema brasileiro está vivendo um momento muito interessante de quantidade, com mais de 200 filmes por ano, e de diversidade também. Quem diz que não gosta é porque não conhece. Sobre o futuro, estou bem pessimista, porque vem um governo de inclinação fascista. As pessoas têm medo dessa palavra, mas na verdade é o que é. O fascismo é contra o saber, a ciência, sabedoria, cultura. Em princípio ele é contra, sempre foi. Então, é muito provável que, nessa nova ordem que está chegando aí, a escola e a cultura e a arte sejam as primeiras vítimas. A escola já está sendo, e a cultura deve ser também, porque é um certo elogio da burrice. É um certo orgulho da ignorância: as pessoas não apenas são ignorantes, elas têm orgulho de ser ignorantes. A minha expectativa é muito ruim. É claro que espero, do fundo do coração, estar errado.