Escrita em 1933, a peça O Rei da Vela demorou mais de 30 anos para ser montada. Em 1967, a cultura fervilhava no Brasil com o Teatro Oficina, a Tropicália e o Cinema Novo. Mas era também uma época de endurecimento da ditadura militar que sufocava o país – no ano seguinte, seria decretado o famigerado Ato Institucional nº 5.
Era, portanto, um momento pertinente para encenar o texto de Oswald de Andrade (1890-1954) que, pelas mãos do diretor José Celso Martinez Corrêa, tornou-se um dos espetáculos mais importantes da história do teatro brasileiro. Ambientado na ressaca da crise financeira de 1929, O Rei da Vela tem como protagonista Abelardo 1º, um fabricante de velas endividado que também é agiota e tem métodos perversos para tratar seus credores.
Mas a sinopse pode soar reducionista. A grande sacada é que desfilam por esta “tragicomediorgya”, na expressão de Zé Celso, personagens característicos da sociedade brasileira, reconhecíveis ainda hoje, como o capitalista sem coração, o militante de esquerda e a senhora que defende a tradição, a família e a propriedade.
RETORNO À CAPITAL 10 ANOS DEPOIS
Foi por causa dessa ressonância com a atualidade que o diretor remontou o espetáculo no ano passado, 50 anos depois da estreia, repetindo o sucesso e a repercussão. É esta nova versão que desembarca em Porto Alegre para apenas duas sessões que prometem ser históricas, neste sábado (20) e domingo (21), no Teatro do Sesi, como uma espécie de “epílogo” do Porto Alegre Em Cena, festival que ocorreu em setembro.
A remontagem celebrou os 80 anos de Zé Celso e do ator Renato Borghi (integrante da versão de 1967), que nas sessões em Porto Alegre será substituído por Marcelo Drummond, membro do Teatro Oficina desde os anos 1980. Como Abelardo 1º, Drummond encabeça um elenco que também contará com Zé Celso, Tulio Starling, Sylvia Prado, Camila Mota, Joana Medeiros, Roderick Himeros, Ricardo Bittencourt, Vera Barreto Leite, Daniele Rosa, Tony Reis e Cyro Morais. A direção de arte é de Hélio Eichbauer, morto em julho, aos 76 anos, também responsável pela cenografia da primeira montagem.
Na arte efêmera que é o teatro, nem sempre as novas gerações têm o privilégio de assistir a uma obra representativa como essa. Para quem topar o desafio, recomenda-se preparar o espírito para uma função de 4h10min, incluindo dois intervalos de 20 minutos.
Faz 10 anos que o público porto-alegrense assistiu pela última vez a uma produção do Teatro Oficina: a ópera Os Bandidos, na Usina do Gasômetro, dentro do Porto Alegre Em Cena. Hoje aos 81 anos, dos quais 60 na companhia, Zé Celso desembarcou na quarta-feira e logo se dirigiu para uma conversa aberta no Teatro Renascença, ocasião em que falou sobre a nova montagem, lamentou o momento político do país e cantou com o público, que a certa altura foi convidado por ele para sentar no palco ao seu redor.
— No sábado e no domingo, O Rei da Vela será um acontecimento cosmopolítico. Não acredito só na política, acredito na cosmopolítica – declarou, explicando que leu o termo no livro Marx Selvagem, de Jean Tible, pesquisador da relação entre o capitalismo e a luta dos povos indígenas.
Em tom de pesar, a fala de Zé Celso foi marcada por críticas a Jair Bolsonaro e pela defesa da democracia:
— Temos que fazer brotar a primavera brasileira!
> O REI DA VELA – Sábado, às 19h, e domingo, às 18h, no Teatro do Sesi (Av. Assis Brasil, 8.787). Ingressos a R$ 30 (mezanino) e R$ 80 (plateia alta e plateia baixa), à venda pelo site uhuu.com (com taxa) e na bilheteria do Sesi, uma hora antes de cada sessão. Duração: 4h10min (incluindo dois intervalos de 20 minutos). Classificação etária: 14 anos.