Fernanda Montenegro acaba de lançar uma fotobiografia em edição luxuosa e trabalha em um livro de memórias com a jornalista Marta Góes. A partir disso, alguém poderia pensar que uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos está com os olhos voltados ao passado. É uma meia-verdade, pois Fernanda está com outro pé bastante fincado no presente — e preocupada com o futuro do Brasil.
A artista de 88 anos (completará 89 em 16 de outubro), que em 2011 apresentou o solo Viver Sem Tempos Mortos, homenageando a filósofa Simone de Beauvoir, retorna aos palcos de Porto Alegre com a leitura Nelson Rodrigues por Ele Mesmo, que será apresentada terça-feira (2), às 20h, no Salão de Atos da PUCRS. Depois, receberá o Mérito Cultural PUCRS, uma condecoração a personalidades que se destacam na área.
Fernanda terá uma agenda intensa na universidade: segunda-feira (1º), às 19h, ela lança o livro Fernanda Montenegro – Itinerário Fotobiográfico (Edições Sesc São Paulo, 500 páginas, R$ 160), com fotos, documentos e depoimentos que registram seus quase 75 anos de carreira. Foram mais de cinco anos de trabalho para a atriz, que organizou o volume e incluiu uma página em homenagem a Eva Sopher, a ex-presidente do Theatro São Pedro, morta em fevereiro. As senhas para os autógrafos, limitadas, serão distribuídas a partir do meio-dia.
Assistido por mais de 10 mil pessoas em diferentes cantos do Brasil, Nelson Rodrigues por Ele Mesmo é uma adaptação do livro homônimo organizado por Sonia Rodrigues, filha de Nelson. O título reúne entrevistas em que o dramaturgo, narrador e cronista destila suas máximas e opiniões.
Admiração mútua
Fernanda dedicou diversos trabalhos à obra do maior dramaturgo moderno brasileiro. Em 1961, estreou a peça O Beijo no Asfalto, com direção de Fernando Torres (1927-2008), que foi marido da atriz e com quem teve dois filhos (o diretor Cláudio Torres e a atriz Fernanda Torres).
Em depoimento reproduzido na fotobiografia, Nelson registrou: “Fernanda Montenegro passou oito meses telefonando para mim para eu escrever uma peça. (...) Eu subi no meu próprio conceito quando entreguei à Fernanda O Beijo no Asfalto”. Quatro anos depois, veio a adaptação cinematográfica de A Falecida, dirigida por Leon Hirszman. No próximo 6 de dezembro, fechando um ciclo, entra em cartaz o filme
O Beijo no Asfalto, estreia de Murilo Benício na direção.
— O texto dele (de Nelson) tem sempre uma inquietação de caráter celular, humano. E hoje em dia, não estou inventando isso, ele é o autor mais estudado nos cursos de teatro e, em muitos lugares desse nosso país, ele está sendo representado (nos palcos) — disse Fernanda na entrevista a Zero Hora que foi publicada na íntegra neste fim de semana.
As perspectivas para a cultura no Brasil, por outro lado, são motivos de preocupação para ela:
— É que houve um desmonte geral na cultura desse país. Mas não é de agora, não. E não é só no teatro. É no circo, nas sinfônicas, grupos de dança, balé, enfim. Toda e qualquer arte nesse país foi destituída da transcendência.
Em setembro, a atriz recebeu uma emocionante homenagem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Foi chamada ao palco pelo ator Vinícius de Oliveira, que havia contracenado com ela quando criança no longa Central do Brasil (1998), de Walter Salles, que valeu a Fernanda a indicação ao Oscar. Depois, subiram ao palco da cerimônia do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro os diretores Cacá Diegues e Zelito Viana e o produtor Luiz Carlos Barreto, este ajoelhando-se diante dela.