Um dos grupos de teatro mais longevos do país está se mudando para uma sede provisória. Com 46 anos de trajetória, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz se encontra lutando pela sua existência e por um espaço adequado.
A enchente de maio inundou o Centro Cultural Terreira da Tribo, localizado no bairro São Geraldo, zona norte de Porto Alegre. Administrado pelo Ói Nóis, o espaço alugado chegou a acumular 1m50cm de água, que fez flutuar instrumentos musicais, adereços cênicos, figurinos, equipamentos de som, luz e vídeo, entre outros.
Além da sede, o galpão onde os cenários eram guardados também ficou inundado com a enchente. O depósito está localizado no bairro Navegantes, também na Zona Norte. Após fazer uma triagem do que ainda poderia ser utilizado da cenografia, o grupo entregou as chaves do galpão.
Até hoje os integrantes da Tribo seguem higienizando materiais do acervo para que ainda possam ser aproveitados. Quando a reportagem visitou a sede atingida, no dia 25 de novembro, estavam sendo lavados alguns tatames pretos.
Todos os espetáculos do repertório foram, de alguma forma, atingidos. Alguns não têm condições de serem realizados neste momento. Ainda não se sabe o tamanho da perda. Estima-se que passe de R$ 1 milhão.
"Não sei de onde estamos tirando força", diz Paulo Flores
Ao mesmo tempo, a Tribo seguiu batalhando para reconstituir uma agenda mínima de trabalho. Conseguiu promover oficinas, participar de festivais e viajar para outros Estados, como Minas Gerais e Pernambuco, realizando seus espetáculos com auxílio de outros grupos de teatro — por exemplo, utilizando instrumentos musicais emprestados.
— Um grupo de teatro ter o prejuízo que tivemos… Acabou — suspira Paulo Flores, um dos fundadores da Tribo. — Não sei de onde estamos tirando força para continuar. Tem sido muito difícil. Além do trabalho braçal aqui dentro, estamos atuando bastante.
A Tribo iniciou em novembro a mudança de sede. Há dois fatores principais que motivaram a troca de endereço da Terreira da Tribo: um é o desgaste do grupo com a imobiliária; o outro é emocional.
— Ficou triste estar aqui — lamenta Tânia Farias, atuadora do Ói Nóis Aqui Traveiz. — Deparamos o tempo inteiro com tudo que a gente tinha construído e perdeu.
Terreira da Tribo foi reconhecida como Ponto de Cultura
A tribo ocupava o espaço no bairro São Geraldo desde 2009. Ali, abrigou diversas manifestações culturais, como espetáculos de teatro, shows, oficinas, ciclos de filmes, seminários, debates, performances e celebrações.
Em 2014, a Terreira foi reconhecida como Ponto de Cultura por "ser um dos principais centros de investigação cênica do país e se constituir como Escola de Teatro Popular", além de "referência nacional na aprendizagem".
A Terreira da Tribo é um centro cultural criado em 1984, tendo sua primeira sede na Cidade Baixa. O grupo mudou de endereço em 2000 para o bairro Navegantes, onde ficou até se transferir para o São Geraldo.
Mudança completa será feita até janeiro
A nova sede provisória da Terreira da Tribo estará localizada entre a Avenida da Pátria e a Avenida das Missões, no bairro Navegantes — uma área que também ficou alagada. No momento, o espaço passa por reformas e adaptações para abrigar a Tribo. A previsão é de que a mudança completa, que está sendo realizada aos poucos, ocorra até janeiro.
Com a fachada azul e cinza, a sede provisória, por enquanto, pouco remete à identidade da Tribo. Porém, os atuadores asseguram que o espaço é tudo de que o Ói Nóis precisa neste momento e tem possibilidade de pagar.
O plano de sobrevivência da Tribo inclui entregar os dois espaços locados (galpão e sede) e ir para um local para pagar um único aluguel. Calcula-se que, assim, economizem R$ 5 mil por mês.
— A nova sede provisória é um pouco menor que o endereço anterior, mas dá conta do que a gente precisa para ter uma escola popular de teatro, com salas de aulas práticas e teóricas — ressalta Paulo. — Haverá espaço para uma biblioteca, que futuramente será aberta ao público. Pretendemos constituir um espaço para a cena, mesmo que no primeiro momento seja para trabalhos que não tenham uma ocupação espacial maior, com pouca estrutura de cenografia.
Quando a reportagem visitou a nova sede da Terreira, constatou que algumas estruturas de cenários já estavam alojadas no local. Porém, o espaço ainda receberia o dobro de materiais da antiga sede.
— No momento, o espaço servirá para nos estruturarmos minimamente. Mas uma proposta de teatro de vivência do Ói Nois, que usa um galpão inteiro, não será possível fazer. Por isso, consideramos este um local provisório — pontua Tânia.
Sonho de uma sede definitiva segue vivo
Paralelamente às mudanças, higienizações e demais atividades, o Ói Nóis ainda sonha com sua sede definitiva. Em 2008, a prefeitura cedeu à Tribo o terreno da Rua João Alfredo, 709, no bairro Cidade Baixa, por meio de um Termo de Permissão de Uso (TPU). Contudo, as obras se arrastaram durante anos por problemas burocráticos e financeiros.
Há dois anos, ficou definido que a Terreira trocaria de endereço para a Travessa Carmem, 95, no bairro Floresta. Os artistas receberam um novo TPU da prefeitura. A reforma do espaço ficou a cargo da Tribo.
O local fica ao lado de um ecoponto do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). No terreno, só há ruínas de duas casas e, nos fundos, um galpão deteriorado.
O grupo terá que refazer tudo do zero. O projeto para a sede definitiva da Tribo prevê espaço para exposição, aulas, caixa cênica, camarim e café, entre outras atribuições.
Entretanto, houve a necessidade de um aditamento, pois, por exigência do DMLU, a Terreira precisaria de mais metragem do terreno para poder fazer um corredor para a entrada de serviço, até para poder ter o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) aprovado depois. Somente em setembro último foi publicado esse aditamento.
— Estamos fazendo todo o trâmite há dois anos. Já podíamos estar lá, mas tudo tem sido muito moroso — queixa-se Tânia. — Não conseguimos nem ter previsão (de mudança).
Conforme Juliana Britto, uma das arquitetas do escritório Mãos Arquitetura, que é responsável pelo projeto da sede na Travessa, falta apenas encaminhar o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus).
— O projeto está em andamento para ser aprovado. Assim que obtiver a aprovação, poderemos executar — afirma.
Diálogo aberto com o Ministério da Cultura
Ao mesmo tempo, a Tribo abriu diálogo com o Ministério da Cultura (MinC), por meio da Fundação Nacional de Artes (Funarte), para a cedência de um espaço permanente da União. Representantes do MinC visitaram a Terreira em junho e outubro e viram que a sede estava bastante precarizada.
Em nota, o ministério confirma que, no momento, há duas frentes de atuação buscando novos espaços.
"Uma entre o escritório regional do MinC no RS e a Secretaria de Patrimônio da União, verificando locais públicos que possam contribuir para esse restabelecimento", diz o comunicado.
"Em paralelo, o MinC e a Funarte se articularam para auxiliar o coletivo teatral a encontrar uma nova sede, para continuidade de suas atividades, como fruição cultural, iniciação, formação e qualificação técnica nas artes cênicas", completa a pasta.
Para a Tribo, há um entendimento de que o ideal seria um espaço que já tenha uma construção, para que a obra não precise ser feita do zero. Enquanto isso, o grupo segue buscando recursos para viabilizar a futura obra, seja onde for. No site oficial do grupo, já há campanhas de arrecadação de fundos em andamento.
— Temos que estar em todas as frentes, pois não se sabe o que pode dar certo. Se o projeto for aprovado pela prefeitura, vamos começar as obras logo em seguida. Ao mesmo tempo, temos que continuar nosso trabalho no espaço alugado, sem esperar que se resolva — pondera Paulo.
Museu do Ói Nóis está nos planos para o futuro
Ao longo das décadas, a Tribo buscou promover um teatro de ruptura e invenção, procurando desenvolver oficinas teatrais de iniciação, pesquisa de linguagem e treinamento de atores, incluindo elaboração e montagem de espetáculos. Um museu com acervo e contando a história do Ói Nóis está nos planos para o futuro.
O grupo, criado em 1978, costuma se apresentar em espaços que não sejam necessariamente as salas convencionais de espetáculos, com plateia fixa. Para a Tribo, o teatro de rua assume um papel fundamental na democratização da arte.
Tânia sublinha que o Ói Nóis promove um convite à imaginação:
— A única possibilidade de mudar alguma coisa é quando a gente consegue imaginar. O teatro faz isso e é extremamente revolucionário. O estado das coisas muda quando a gente imagina. A capacidade de imaginar é uma arma. O Ói Nóis tem cumprido esse papel fundamental. E resistindo.