Escritor consagrado, o uruguaianense Tabajara Ruas lançou-se como diretor de cinema reverenciando temas e mestres que lhe são caros. Na combinação da história e da mitologia do Rio Grande do Sul com grandiosidade iconográfica de realizadores como John Ford e Sergio Leone, Ruas trilha um caminho que poucos arriscam seguir no cinema nacional. Em cartaz a partir de hoje, A Cabeça de Gumercindo Saraiva é a nova incursão do autor gaúcho pelo longa-metragem de dimensão épica.
Em clima de faroeste, com grande elenco e locações que percorreram São Miguel das Missões, Cambará do Sul, Canela, São Francisco de Paula, Gravataí e Porto Alegre, o filme não adapta o livro-reportagem homônimo que Ruas escreveu com o jornalista Elmar Bones, publicado em 1997 – mas sim o romance Gumercindo, de 2015, no qual o diretor e roteirista incorporou elementos de ficção ao recorte de um episódio emblemático da história do Rio Grande.
A trama se passa ao final da Revolução Federalista (1893–1895), quando o capitão Francisco Saraiva (Leonardo Machado), líder de um piquete de insurgentes maragatos, cruza o Estado trocando tiros com as forças legalistas comandadas pelo major paulista Ramiro de Oliveira (Murilo Rosa), o lado chimango da escaramuça. O clã Saraiva está em fúria. Quer recuperar a cabeça do patriarca, o caudilho Gumercindo, cortada após sua sepultura ser profanada e a caminho de Porto Alegre para ser entregue como troféu ao governador Júlio de Castilhos. Entre mortos e feridos a cada encontro dos inimigos, a selvageria daquela guerra é realçada pela prática da degola, execução sumária e simbólica da mensagem de terror ao adversário.
– Trata-se de um fato histórico que tem registros não tão rigorosos. Por isso incorporei alguns elementos ficcionais. As pesquisas que fizemos para o primeiro livro não deram respostas sobre o que foi feito da cabeça do Gumercindo. Existem pelo menos quatro versões sobre seu destino. Trata-se de um mito gaúcho, e cada um encara esse mito como lhe for mais conveniente. Aí tem uma boa história, que é a que eu quis contar – diz Ruas.
A Cabeça de Gumercindo Saraiva chega ao circuito comercial exato um ano após o início das filmagens, rapidez incomum na janela de exibição do cinema brasileiro – mas a estreia em apenas uma sala da Capital ilustra a dificuldade do filme nacional para encontrar espaço no circuito exibido. O orçamento foi relativamente pequeno para uma produção do gênero, cerca de R$ 3 milhões, segundo o diretor, via recursos do edital Prodecine do Fundo Setorial do Audiovisual:
– Foi o primeiro longa que comecei tendo todo o orçamento na mão. Conseguimos filmar em cinco semanas graças a um planejamento muito rigoroso, que se seguiu na finalização. Quem vê o filme pode achar que custou mais de R$ 10 milhões.
A Cabeça de Gumercindo Saraiva foi um dos últimos trabalhos do ator Leonardo Machado, que morreu em 28 de setembro, aos 42 anos, em decorrência de um câncer:
– Sabíamos que ele estava doente, mas ficamos na expectativa de que daria tudo certo com o tratamento. Mas conseguimos mostrar o filme pronto para o Leo, em sessão para a equipe, uma semana antes de ele ser hospitalizado. Foi prazeroso trabalhar com ele. Encarou chuva e frio, acordava às cinco da manhã sempre animado. Era uma liderança no set.
Ruas já disse gostar de fazer filmes de época “por força das circunstâncias” e pelo “desafio estético” de recriar tempos ancestrais. Seu próximo longa, o sexto, porém, pode trazer uma novidade. Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez, inspirado em seu romance homônimo, terá roteiro e direção dele e de Ligia Walper, sua mulher e sócia na produtora Walper Ruas. As filmagens estão previstas para 2019, em Uruguaiana, onde se passa a trama de um garoto que, na década de 1950, vê a cidade entrar em polvorosa com o retorno de um tio contrabandista vindo da Argentina:
– Pode não parecer, mas um filme nos anos 1950 é mais complicado de fazer do que um no século 19. Tem detalhes mais perceptíveis ao espectador. Estou até pensando em uma encenação contemporânea, pois nada muda na história. Estive há pouco em Uruguaiana. Os locais seguem os mesmos, tudo está onde deveria estar.
A Cabeça de Gumercindo Saraiva
De Tabajara Ruas
Drama histórico, Brasil, 2018, 94min, 12 anos. Estreia nesta quinta (25) na sala 1 do Cinemark BarraShopping, às 19h.