Tabajara Ruas colocou o cinema junto à trajetória de escritor adaptando seu livro Netto Perde sua Alma no premiado filme de 2001, codirigido com Beto Souza. Vieram depois o documentário Brizola: Tempos de Luta (2008) e outros dois épicos históricos: Netto e o Domador de Cavalos (2010) e Os Senhores da Guerra (2016).
Foi a estreia de Ruas na direção que o aproximou de Murilo Rosa, ator protagonista de seu quinto longa, A Cabeça de Gumercindo Saraiva, em cartaz a partir de hoje.
– Quando Netto passou no Festival de Gramado, o Murilo veio falar comigo – lembra Ruas. – Disse que tinha gostado do filme, que gostava de montar a cavalo. Depois nos encontramos na minissérie A Casa das Sete Mulheres (2003), em que ele atuou e eu prestei consultoria no roteiro. Quando resolvi fazer Gumercindo, mandei para ele o livro, que é praticamente o roteiro.
Tabajara diz que, à época, receava que o cachê do ator da Globo fosse dificultar a parceria.
– O Leo Machado me tranquilizou dizendo: “É só falar que vai andar bastante a cavalo que ele vem de graça, já está pronto para fazer o filme” – relembra Ruas, referindo-se ao ator gaúcho
Leonardo Machado, que vive o personagem antagonista ao do brasiliense Rosa. – Não veio de graça, mas veio (risos).
Murilo Rosa esteve em Porto Alegre na semana passada, para apresentar uma sessão especial de A Cabeça de Gumercindo Saraiva. E falou a ZH sobre sua participação no projeto.
– Desde que fiquei aqui no Sul rodando A Casa das Sete Mulheres, a gente tinha muita vontade de trabalhar juntos, mas o tempo foi passando. Aí recebi o convite do Tabajara e da Ligia (Walper, produtora, montadora e casada com o diretor). Fiquei feliz porque adoro o Tabajara, admiro muito o trabalho dele e tenho carinho muito forte pelo Sul.
Trabalhar com o gênero aos moldes de um faroeste também pesou na decisão:
– É incrível. Tudo que sempre tive vontade de fazer no cinema é um pouquinho do que a gente fez nesse filme, explorar esse gênero que não tem no Brasil. Já fiz vários personagens diferentes, mas esse tipo de filme é como se eu tivesse brincando, parece que volto a ser criança. Já fiz muito personagem a cavalo. Meu pai é criador de cavalo. Eu curto, tenho facilidade.
Seu personagem na trama, major Ramiro de Oliveira, representa o olhar “estrangeiro” no conflito regional, destaca Rosa.
– Ele se vê em uma guerra que não era dele e não a entende muito bem. Mas é um excelente militar. Mesmo recebendo uma missão com a qual não concorda, bota como objetivo de vida cumpri-la. O filme se desenvolve a partir desse trajeto até Porto Alegre, e esses embates entre os personagens principais mostram o desencontro de opiniões e de ideais. É um embate com honradez. Talvez lutassem pela mesma causa em algum outro momento.
Sobre a convivência com Leonardo Machado, que morreu em setembro, recorda:
– Conhecia pouco o Leo antes da filmagem e foi um dos grandes atores que encontrei nos meus 25 anos de carreira, de uma dedicação de um profissionalismo difícil de se encontrar. Fora do set, era uma pessoa extremamente agregadora, vivia tocando violão, unindo todos através da música. Foi inacreditável o que aconteceu, fiquei chocado, todo mundo ficou. O que aconteceu é daquelas raridades que a gente não consegue compreender. Uma imagem que fica muito forte na minha cabeça é o pai dele falando: “Sempre admirei muito o meu filho, mas, na última semana, tripliquei minha admiração pela dignidade e honradez que ele teve”.