![Cesar Lopes / PMPA Cesar Lopes / PMPA](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/24551624.jpg?w=700)
Às margens do Guaíba, celebrando ao mesmo tempo a Revolução Farroupilha e a revitalização da orla em Porto Alegre, uma ópera rock mistura guitarras e instrumentos tradicionalistas, como o bombo leguero e a gaita, para contar a história do levante em um espetáculo grandioso.
Ver a cena acima realizada é um sonho antigo do presidente da Câmara de Vereadores, Valter Nagelstein (MDB), que lançou, na semana passada, edital público para torná-lo realidade. São R$ 350 mil destinados ao espetáculo Revolução Farroupilha, uma História de Sangue e Metal — adaptação da obra Revolução Farroupilha (Mecenas Editora, 2015), lançada pelo escritor Luiz Coronel e pelo ilustrador Danúbio Gonçalves, que conta a história dos farrapos em versos. As inscrições se encerram em 20 de agosto, e os vencedores do edital serão publicados em 6 e 18 de setembro — prazo estabelecido para recursos entre o resultado preliminar e o final. O projeto contempla três apresentações na orla do Guaíba, junto à Usina do Gasômetro, e 10 sessões em escolas da rede pública municipal.
Os R$ 350 mil, segundo o vereador, já estavam previstos no orçamento da Câmara para investimento em cultura. Não eram utilizados há dois anos, ocasião em que o Legislativo montou um estande na Feira do Livro. Anualmente, a Câmara viabiliza a Mostra de Artes Cênicas e Música do Teatro Glênio Peres nas dependências do Legislativo, mas com valores bem mais modestos. Cada apresentação custa entre R$ 8 mil e R$ 13,5 mil. Mesmo com bom aporte financeiro, produtores culturais consultados por GaúchaZH consideraram apertado o tempo para executar o projeto:
— Do ponto de vista técnico, o maior problema é mesmo o prazo. Ficaria absurdo fazer uma ópera rock com menos de 15 pessoas, ainda mais ao ar livre. Não acho um valor alto para bancar ensaios e apresentações, além de técnicos, mas é praticamente impossível uma empresa ter o resultado na segunda semana de setembro e, nesse momento encomendar a música, a concepção, fazer a seleção de elenco, todos os figurinos, ensaios e ter um bom trabalho para apresentar em novembro — opina a produtora Dedé Ribeiro, da Liga Produção Cultural.
Zé Victor Castiel, ator e sócio Mezanino Produções Artísticas, classifica o projeto como "pouco factível". Aponta, por exemplo, para o prazo apertado até mesmo para entraves como a obtenção de um Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI). Deixando claro que enxerga com simpatia a iniciativa da Câmara de apostar na cultura, Zé Victor preferiria um investimento mais diversificado:
— Poderiam ser adaptações dessa obra do Luiz Coronel e de outras quatro para o teatro. Com R$ 70 mil, tu fazes uma baita montagem e, depois, um ciclo de 50 apresentações pela rede pública e outros espaços — sugere.
Castiel cita os valores do Porto Verão Alegre. Nos anos em que bancou integralmente uma das apresentações do evento com patrocínios privados, montagens como Romeu e Julieta custaram cerca de R$ 40 mil.
— Um investimento como esse, de R$ 350 mil, acho que está mais perto de um espetáculo como o Natal Luz do que de uma apresentação teatral. Somente indo para esta linha para viabilizá-lo — opina o artista.
Cenógrafo e diretor de teatro, o secretário municipal de Cultura, Luciano Alabarse, acredita que o prazo "é absolutamente factível". Garante, inclusive, já ter recebido ligações de diretores interessados na montagem.
— O Valter tinha uma grande vontade de homenagear a Revolução Farroupilha em um musical. A secretaria de Cultura entrou nessa parceria com a expertise, sem mérito e nem demérito. Opinando pessoalmente, te digo que um presidente de Câmara com preocupações culturais merece todo o meu respeito. Quanto ao prazo, nós vamos dar suporte legal. O grupo que quiser concorrer deve se preocupar é com a concepção artística — declara o secretário.
No meio cultural, outro questionamento é sobre o investimento de um recurso para a cultura até então desconhecido em um projeto escolhido pelo presidente da Câmara. Ao analisar o texto, produtores chamam a atenção, por exemplo, que o recurso para quem contestar o vencedor do edital é feito diretamente ao presidente do Legislativo, sem passar pela Secretaria de Cultura ou pela comissão de seleção, algo incomum. Recém empossado presidente do Conselho Municipal de Cultural, Luciano Fernandes contemporiza.
— Prefiro não opinar sobre o projeto em si porque falo pelo conselho e ele, inclusive, terá representação na comissão que selecionará os concorrentes ao edital. Mas o que observo de fora são cabeças de produtores. Pessoas que gostam de ver coisas realizadas, tanto o presidente da Câmara quanto o secretário de Cultura. Isso não é necessariamente ruim, mas não podemos perder de vista a gestão de recursos públicos. Quanto mais democrático for o uso desses recursos, melhor — declara Fernandes.
Nagelstein não nega que o projeto da ópera rock é uma iniciativa pessoal, algo que deseja deixar como legado de sua gestão na Câmara, que se encerra em janeiro de 2019. Tanto que, ao utilizar o "nós" para falar da origem do projeto, em seguida se corrige:
— Quando falo nós, quero dizer eu, Valter.
O vereador argumenta ter consultado a Procuradoria-Geral do Município, que não viu irregularidade em razão do tema da apresentação e da credibilidade do autor, Luiz Coronel. A obra do escritor, já escrita em verso, encontrou a ideia do vereador de uma ópera farroupilha. O presidente da Câmara acredita que o projeto, embora seja uma vontade sua, será democratizado quando compartilhado com a cidade:
— Eu queria estar com isso pronto para apresentar no dia 20 de setembro. Por todas as dificuldades que encontrei desde janeiro, não foi possível. Se não conseguirmos fazer a contento, vou deixar o recurso alocado e tudo pronto. Não tenho essa vaidade de que o projeto seja meu, ele é para a cidade. Quero encantar crianças, movimentar o trade cultural da cidade com algo grandioso — declara o vereador, que vê incoerência em criticar o projeto e a penúria de investimentos públicos em cultura. E completa: — Não vou me entregar à burocracia. O burocrata é um "não" de gravata.