O vereador Valter Nagelstein redigia seu discurso de posse como presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre quando recebeu GaúchaZH na sala da bancada do PMDB na manhã desta quarta-feira (3).
De traje informal depois de voltar do Litoral de moto, em uma conversa de 40 minutos o peemedebista deu o tom do que devem ser os próximos 12 meses do parlamento sob sua liderança, com a promessa de "desencastelar" os vereadores e ampliar a discussão sobre projetos polêmicos, como a correção da tabela do IPTU, que deve ser objeto de uma série de audiências públicas no primeiro semestre. A posse ocorre nesta tarde.
Veja os principais trechos da entrevista:
Como o senhor avalia a relação do governo Marchezan com a Câmara?
Acredito que tem de ser revisitada. 2017 é um ano de soma zero. Temos uma profunda crise financeira na cidade, uma profunda crise moral no país e um jogo de soma zero no placar "governo versus Câmara de Vereadores". Se é importante — e é importante dentro do sistema republicano o equilíbrio dos poderes —, também é importante para que um governo avance conseguir estabelecer sinergia entre poderes. É preciso que isso seja identificado, diagnosticado e corrigido para que a cidade possa avançar.
O primeiro ano do Executivo foi marcado por atritos com os vereadores.
Foi uma coisa incompreensível, porque o prefeito assumiu, em tese, com uma Câmara que lhe era amplamente favorável. Podemos dizer que, ideologicamente, de oposição ao prefeito, só tinha seis vereadores. O restante, com algum tipo de identificação. E, paradoxalmente, tivemos toda essa dificuldade.
Como o senhor pretende atuar para melhorar essa relação?
Muito depende do governo essa história. Acredito que os vereadores são os agentes políticos mais legítimos para, junto com o prefeito, construírem a realidade da cidade. Quem quiser construir isso fazendo uma via de mão única e querendo impor aos vereadores uma posição, sem a possibilidade de diálogo e modulação, vai bater com a cabeça na parede. Não é isso que eu desejo.
Em 2017 o senhor se posicionou de forma crítica a vários projetos do governo, votando contra o IPTU e propostas que afetavam benefícios dos servidores. Alguns desses assuntos devem voltar à Câmara em 2018. De que forma atuará em relação às pautas polêmicas?
Tenho três posições nesse processo: a posição como presidente, que eu preciso respaldar o parlamento, garantir a autonomia e a independência do parlamento. A segunda é de tentar estabelecer sinergia com o Executivo. E a terceira é uma questão pessoal minha, mas essa fica no segundo plano, que são as minhas convicções. Sobre os servidores, acho que o serviço público não pode ser simplesmente demonizado. Acho que o servidor público precisa fazer parte da solução, não é em si o problema. Criaram-se falsas verdades, como o reajuste automático. É mentira. O servidor não tem reajuste, ele tem reposição da inflação. Isso foi espalhado, e tem uma parcela da sociedade na qual encontro eco das minhas posições políticas que acredita nisso. O Executivo tentou criar essa ideia aqui. Foi um dos primeiros desgastes que houve conosco. Na segunda questão, das passagens (de ônibus), tínhamos dois problemas: o das gratuidades — que era um problema — e um suposto problema, que era a passagem integrada. Em vez de enfrentar a questão das gratuidades em primeiro lugar, se fez o caminho mais fácil, que era acabar com a segunda passagem. Em qualquer lugar do mundo, existe sistema integrado de transporte. Tinha que se encontrar uma solução. Em terceiro lugar, tem a questão do IPTU, que eu pretendo construir com os vereadores uma comissão especial para discutir o projeto. E fazer, no mínimo até julho, audiências públicas nos bairros, convidando a Secretaria da Fazenda para realizar as devidas simulações para que as pessoas possam ver como vai ficar.
Como deve ser a sua atuação? Estão previstas mudanças estruturais?
Preciso fazer a revisão do Plano Diretor no ano que vem, e também vou criar uma comissão especial para isso. E tem a questão dos serviços da cidade, que estão agonizantes. Pretendo levar mais a Câmara para a rua. Tenho ferramentas aqui, importantíssimas, que são subutilizadas, de interação do parlamento com a sociedade. Tenho uma TV Câmara, que estamos analisando a forma de melhor explorar, temos ferramentas de internet e a Rádio Câmara. Pretendo dar mais voz à cidade através desses instrumentos.
De que forma?
Através de visitas dos vereadores a questões específicas, problemas da cidade, de modo que as pessoas sintam mais a presença do parlamento na vida do cidadão. Tem visitas planejadas que vou começar a executar a partir de sexta-feira. Hoje (quarta-feira), depois da posse, vou convidar os vereadores que quiserem a visitar o Viaduto Otávio Rocha. Mais para a frente, vamos a casas de bombas, praças e parques, obras da Copa, Arroio Dilúvio, buracos de rua, a todos esses débitos que a cidade tem para com a sua cidadania.
No ano passado, o senhor protagonizou uma discussão com a vereadora Karen Santos (suplente do PSOL) porque ela vestia camiseta na tribuna. Pretende promover alguma alteração no regimento para mudar o dresscode das parlamentares?
Vou ter essa discussão. É uma coisa que precisa ser esclarecida. Estou de camiseta. Estava de moto, não tem problema nenhum. Mas acho que se existe uma regra posta, devemos obedecer. Estou numa sala com vocês que posso estar de camiseta. Mas não vou assumir a Câmara hoje à tarde nem ir para a tribuna fazer um discurso se não estiver com a roupa regimental. Isso para mim não é uma futilidade, é uma questão de etiqueta, que quer dizer pequena ética. Na verdade, a imprensa que deu mais destaque para isso. Não houve grande discussão. Houve da parte deles. Eu fiz uma observação de que aquela não era a roupa adequada e que não ia deixar ela ir à tribuna sem a roupa que o regimento determina. Não posso chegar com uma prancha de surfe e subir na tribuna, enfim. Isso, para mim, é uma coisa menor.
Como a Câmara pode atuar ativamente pelo bem de uma cidade que a prefeitura reconhece como abandonada?
Tem de haver uma compreensão do que é o papel dos vereadores, que muitas vezes as pessoas não têm. Temos o dever de fiscalizar e de aprovar ou não aprovar, mas não é nossa tarefa executar. Acho que a Câmara participou bastante em 2017 da vida da cidade, mas sofre, muitas vezes, desse encastelamento. Isso que eu estou propondo, de levar o parlamento para a rua, é uma forma de as pessoas saberem o que está acontecendo aqui dentro, que muitas vezes não sabem. Acho que muito mais do que isso não tem o que a Câmara fazer.
2017 foi marcado pela busca de saídas via sistema Judiciário para questões polêmicas, como o IPTU, anulação de sessões... Como vê as intervenções judiciais na atual legislatura?
É parte do sistema republicano. Se a todo cidadão é lícito procurar o Judiciário, também é lícito que um vereador ou uma bancada procure o Judiciário. Acho, por outro lado, que o Judiciário tem de ter muito cuidado em saber o que é sua atribuição e o que é invasão de competência do Legislativo. Por exemplo, no ano passado, a Vara da Fazenda Pública anulou (suspendeu efeitos) a sessão extraordinária que fizemos aqui, com todas as formalidades atendidas, com uma decisão liminar de uma juíza que não ouviu a Câmara antes de tomar sua decisão. Foi uma invasão absurda das competências do Legislativo.
O senhor poderá assumir a prefeitura em alguns momentos. Vai seguir as diretrizes (do prefeito) ou pretende deixar alguma marca?
O prefeito é o prefeito, foi eleito para isso e tem legitimidade. Eu, se assumir a prefeitura, vai ser por força de um comando constitucional, mas não pretendo fazer nada que fira a ética. Acho que desrespeitar a primazia do prefeito no comando do Executivo é ferir a ética. Simplesmente vou estar ali para que poder não fique sem chefe, cumprindo uma determinação legal, mas não cometeria nenhum desatino.
O comportamento assertivo do prefeito tem dificultado a discussão de pautas importantes. O senhor protagonizou algumas discussões e presidiu uma das sessões mais tumultuadas da câmara em 2017. Essa postura não pode prejudicar a busca por consensos?
Acho que não. Fui presidente do PMDB por três anos e não tive nenhum problema de convivência. Liderei todos os meus companheiros nesse período. Fui secretário da cidade e consertei os meus servidores para que sempre a gente tivesse os melhores resultados possíveis. E fui eleito, pela ampla maioria da Casa, presidente. Quem tivesse problemas de gênio indomável certamente não teria o currículo que tenho. Presidi uma sessão (sobre aumento da contribuição previdenciária dos servidores) que acho que foi o momento mais difícil da Câmara no ano passado e foi reconhecida por todos a minha serenidade.
Também houve um caso de agressão a um servidor (da prefeitura)...
Essa foi uma questão que envolveu duas pessoas, dois homens. Uma questão restrita a nós dois.
Foi um caso isolado?
Tenho certeza disso, e tenho certeza de que adveio do desrespeito. Ele me chamou de ladrão, ofendeu a minha ética, minha história, minha dignidade, usou as redes sociais para isso. Tenho 15 anos de vida pública e não tem um "ai" que possam falar ao meu respeito, então não quero ser enxovalhado nesse varal onde toda a roupa suja do Brasil está exposta. Não aceito, não aceitei e não vou aceitar. Mas isso foi uma questão pontual, específica.
Com toda a experiência acumulada, teria feito algo de diferente?
A única coisa que sinto é que, às vezes, minha postura convicta com relação a temas que estudo, aproprio e conheço possa ser confundida com soberba ou autoritarismo. Mas nunca tive dificuldade de reconhecer quando estava errado nem tenho problemas para ouvir conselhos de outras pessoas. Acho que estou construindo uma trajetória política de que não me envergonho, então não sinto necessidade de mudar.
Como pretende ser lembrado?
Um dos grandes desafios que tenho comigo mesmo é fazer com que as pessoas enxerguem mais o resultado das minhas gestões do que essas questões menores que vem a plano, como essa questão do temperamento. Isso é um nada perto do que eu já fiz como homem público. O que sei é que eu vou continuar trabalhando por Porto Alegre. Se estivesse ao meu alcance, ia ser uma outra cidade: mais desenvolvida, sem ranço ideológico, com monumentos limpos, iluminados, com a história preservada, com transporte hidroviário, com mais segurança. O que eu vi é que Porto Alegre veio se degradando nos últimos 30 anos. Cidades que estavam atrás de nós passaram voando. E Porto Alegre indo para um caminho de pobreza digna, uma soberba gaúcha que não nos ajuda a encontrar um caminho.