Fechado o primeiro semestre, é hora de listar os melhores filmes de 2021 até agora.
A regra é clara: só foram elegíveis títulos exibidos pela primeira vez no Brasil — seja no circuito de cinema, seja nas plataformas de streaming, seja em festivais como o Fantaspoa — a partir de 1º de janeiro e até 30 de junho. Por isso, acabaram em uma espécie de limbo obras excelentes que estrearam nos últimos meses de 2020 mas que eu fui conhecer apenas em 2021 — como o documentário Professor Polvo, premiado com o Oscar, e o drama Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre, lamentavelmente ignorado pela Academia de Hollywood nas indicações.
Desta vez, resolvi mudar a forma de apresentar a seleção, separando mais ou menos por gênero, com um ranking dos cinco melhores ao final. Com exceção dos destaques do Fantaspoa, todos os títulos estão disponíveis para ver em casa. Clique nos links se quiser saber mais.
As animações
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021)
Na trama dirigida por Mike Rianda e coassinada por Jeff Rowe, os Mitchells são uma família que lembra muito, inclusive fisicamente, os heróis de Os Incríveis, mas sem superpoderes. Eles precisam salvar o mundo, que virou refém de um celular com inteligência artificial. Tem aventura, drama, crítica social e, claro, muito humor, tanto para os baixinhos quanto para os grandinhos (graças a uma série de referências, como as citações musicais de Kill Bill, do Tarantino). (Netflix)
Luca (2021)
O 24º filme de animação da Pixar mantém o alto nível das produções do estúdio que faz parte da Disney, mas muda bastante o tom. Em Luca, o diretor italiano Enrico Casarosa deixa de lado temas como a morte, o luto, o esquecimento e a obsolescência. O desenho animado é uma aventura sobre aquele momento entre a infância e a adolescência que estamos tentando descobrir que o mundo é maior do que a gente conhece. A história se passa na Itália, durante um verão, e tem como protagonista um monstro marinho, o Luca do título, que, a convite de um amigo, Alberto, resolve curtir a vida entre os humanos. É tudo muito divertido, mas eles precisam cuidar para não revelarem sua real identidade, e isso permite que Luca, o filme, seja visto como uma alegoria sobre a condição de grupos que costumam ser excluídos, oprimidos, desprezados, humilhados ou até agredidos pela sociedade, como minorias étnicas e religiosas, imigrantes, refugiados e a população LGBTQIA+. (Disney+)
Wolfwalkers (2020)
Só havia um rival para Soul no Oscar: esta animação de Tomm Moore e Ross Stewart produzida à moda antiga, em 2D, e focada no folclore da Irlanda. Conta a história de Robyn Goodfellowe, uma garota aprendiz de caçadora que quer ajudar seu pai, incumbido pelo temível Protetor de exterminar a última matilha de lobos. Mas tudo muda quando ela faz amizade com uma menina de espírito livre de uma tribo misteriosa, que dizem que ter a habilidade de se transformar em lobos à noite. Com visual fascinante e belas músicas, o filme lança um apelo pela preservação da identidade cultural e da natureza. (Apple TV)
Os filmes de terror
Saint Maud (2019)
Uma jovem enfermeira acredita falar com Deus, se flagela nas horas vagas e encara como missão religiosa cuidar de uma coreógrafa com câncer. Estreante em longas, a diretora e roteirista inglesa Rose Glass não tem pudores para lançar mão da violência gráfica quando necessária neste filme que acerta em tudo — da duração enxuta à nervosa trilha sonora. (Apple TV, Google Play e YouTube)
Host (2020)
O filme de terror do britânico Rob Savage capta, literalmente, o espírito de seu tempo: durante a pandemia, um grupo de amigas resolve apimentar suas reuniões via Zoom com uma sessão espírita virtual. (Netflix)
As comédias
Cabras da Peste (2021)
Pense em franquias como Um Tira da Pesada, Máquina Mortífera ou A Hora do Rush. Tem de todas um tanto nesta paródia brasileira. Os tiras de temperamentos opostos reunidos pelo diretor Vitor Brandt são o cearense Bruceuílis Nonato (Edmilson Filho) e o paulistano Trindade (Matheus Nachtergaele). O sequestro da cabra Celestina é a deixa para o primeiro viajar da minúscula e fictícia Guaramobim para São Paulo. (Netflix)
Duas Tias Loucas de Férias (2021)
Indicadas ao Oscar de melhor roteiro original por Missão Madrinha de Casamento (2011), Kristen Wiig e Annie Mumolo reúnem-se novamente no script de Barb and Star Go to Vista Del Mar. Sob direção de Josh Greenbaum, Kristen e Annie interpretam duas amigas que deixam sua cidade no Meio-Oeste pela primeira vez e se envolvem em uma trama de crime e romance na Flórida. Entrou na lista do site IndieWire de melhores filmes do ano até agora. (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
Os documentários
Agente Duplo (2020)
Neste documentário indicado ao Oscar que começa em tom de comédia, vira um policial e termina como drama, a diretora chilena Maite Alberdi observa as desventuras de um vovô de 80 e poucos anos contratado para ser espião em um lar para idosos, onde depara com vítimas não de maus-tratos, mas do abandono familiar. (Globoplay)
A Artista e o Ladrão (2021)
Premiado no Festival de Sundance e semifinalista do Oscar 2021, o filme do diretor norueguês Benjamin Ree é um documentário que, de tão improvável, parece ficção. O filme conta a história de aproximação entre uma jovem artista tcheca radicada em Oslo, Barbora Kysilkova, e um viciado em drogas, Karl-Bertil Nordland, que roubou uma das telas mais valiosas da pintora. (Apple TV, Now, Google Play, YouTube e Vivo Play)
Uma Canção para Latasha (2019)
Indicado ao Oscar, o documentário em curta-metragem de Sophia Nahli Allison reconstitui de forma poética a vida de uma adolescente negra assassinada pela dona de um mercadinho em Los Angeles, em 1991. (Netflix)
Os dramas sobre racismo
Judas e o Messias Negro (2021)
Como o título indica, o diretor estadunidense Shaka King retrata uma traição: no final dos anos 1960, William O'Neal (Lakeith Stanfield), um ladrão de carros, é coagido pelo FBI para se infiltrar nos Panteras Negras e se tornar um informante sobre as ações do líder do partido em Chicago, Fred Hampton (Daniel Kaluuya, ganhador do Oscar de ator coadjuvante). (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
Uma Noite em Miami (2021)
A atriz e agora diretora Regina King imagina o que aconteceu e foi falado no encontro, em 1964, de quatro ícones do movimento negro nos Estados Unidos: Malcolm X, Cassius Clay (às vésperas de se converter ao islamismo e mudar o nome para Muhammad Ali), Sam Cooke e Jim Brown. (Amazon Prime Video)
Dois Estranhos (2020)
Vencedor do Oscar de melhor curta-metragem de ficção, o filme de Travon Free e Martin Desmond Roe, é um Feitiço do Tempo inspirado em casos como os de George Floyd, Breonna Taylor e Eric Garner. Depois da conquista, os diretores foram acusados de plagiar o curta Groundhog Day for a Black Man (2016), de Cynthia Kao. (Netflix)
Os oscarizados
Bela Vingança (2020)
O título nacional não tem a sutileza nem o duplo sentido do original, Promising Young Woman. A jovem promissora pode ser tanto Nina Fisher (de quem saberemos aos poucos) quanto Cassandra, a protagonista interpretada com gana por Carey Mulligan.
Por outro lado, Bela Vingança escancara desde a abertura que este é, sim, um filme de vingança: Cassie finge estar bêbada, desnorteada e desamparada em bares para atrair homens que, por sua vez, fingem não compactuar com a cultura do estupro. O primeiro longa dirigido pela atriz britânica Emerald Fennell ganhou o Oscar de roteiro original. Merecia mais por sua mistura de visual colorido e tema sombrio, muito bem resumida na cortante versão instrumental de uma canção pop de Britney Spears, Toxic, aqui executada apenas ao violino, à viola e ao violoncelo. (Apple TV)
Meu Pai (2020)
Na companhia do inglês Christopher Hampton, o diretor francês Florian Zeller ganhou o Oscar de roteiro adaptado por transformar uma peça de teatro em uma experiência que só um filme é capaz de oferecer. Mergulhamos na mente do octogenário protagonista desafiado pela degeneração da memória. O Oscar de melhor ator também fez justiça ao brilhante e comovente desempenho de Anthony Hopkins. (Apple TV, Now e YouTube)
Nomadland (2020)
Do Leão de Ouro no Festival de Veneza ao Oscar, a triunfante trajetória de Nomadland faz jus à história contada por Chloé Zhao. Chinesa radicada nos EUA, a cineasta aborda um tema absolutamente contemporâneo e bastante caro aos estadunidenses: o impacto da recessão na vida das pessoas comuns. Com um olhar sensível tanto para com os personagens quanto para com as paisagens, acompanha o cotidiano de uma mulher (Frances McDormand, Oscar de melhor atriz) que, após o colapso econômico de uma cidade industrial, precisa morar dentro de uma van e passa a conviver com nômades de verdade. (em cartaz no cine Guion)
Druk: Mais uma Rodada (2020)
O dinamarquês Thomas Vinterberg não é moralista nem faz apologia da bebida nesta comédia dramática vencedora do Oscar de filme internacional. Mostra as consequências positivas e também as negativas na vida dos personagens — quatro professores de colégio que passam a beber desde o começo do dia para comprovar uma tese de que nascemos com déficit de álcool no organismo. E entrega ao público um final paradoxal e antológico. (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
A turma do Fantaspoa
A 17ª edição do Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, exibiu pelo menos oito filmes que você deveria ver. Infelizmente, todos ainda aguardam data de lançamento ou mesmo distribuidora no Brasil. Fique de olho na programação das salas de cinema e no catálogo das plataformas de streaming à procura dos seguintes títulos:
- A Cabeleireira (EUA), de Jill Gevarzigian
- A Dark, Dark Man (Cazaquistão), de Adilkhan Yerzhanov
- Dois Minutos Além do Infinito (Japão), de Junta Yamaguchi
- Jumbo (Bélgica), de Zoé Wittock
- O Grande Salto (Irã), de Karim Lakzadeh
- História do Oculto (Argentina), de Cristian Ponce
- Rabo de Cavalo (Índia), de Manoj Leonel Jason e Shyam Sunder
- A Risada (Canadá), de Martin Laroche
Os "primos" de "Parasita"
First Cow: A Primeira Vaca da América (2020)
Diretor do oscarizado Parasita (2019), o sul-coreano Bong Joon-Ho confessou ter sentido inveja deste faroeste às avessas realizado por Kelly Reichardt: no Oregon de 1820, um cozinheiro e um imigrante chinês tentam sobreviver e, se possível, prosperar à sombra de um inglês rico. (Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
O Tigre Branco (2021)
O estadunidense de família iraniana Ramin Bahrani fez "o Parasita de 2021": o filme se passa na Ásia (no caso, a Índia), retrata o abismo profundo entre os ricos e os pobres e traz um personagem ambíguo agarrando uma rara chance de ascensão com todos os dentes. (Netflix)
O brasileiro de Hollywood
Passageiro Acidental (2021)
Se você curte filmes que nos jogam contra a parede e perguntam "o que você faria?", não deixe de ver esta ficção científica dirigida pelo brasileiro Joe Penna. Toni Collette, Daniel Dae Kim e Anna Kendrick são três astronautas que descobrem um intruso em meio a uma viagem de dois anos rumo a Marte. Trata-se de um problema muito sério: não há oxigênio para quatro pessoas a bordo. (Netflix)
O tesouro escondido
O Refúgio (2020)
O canadense Sean Durkin dirige o inglês Jude Law e a estadunidense Carrie Coon nesta mistura chique de drama e suspense sobre uma família que se muda dos Estados Unidos para a Inglaterra, na década de 1980, por conta da ambição financeira do marido, um empreendedor carismático. O Refúgio pergunta: o que acontece com uma vida calcada em mentiras e aparências quando a verdade começa a vir à tona? (Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
O soco no estômago
Quo Vadis, Aida? (2020)
No filme que representou a Bósnia e Herzegovina no Oscar, uma tradutora da ONU tenta salvar o marido e os dois jovens filhos do Massacre de Srebrenica, perpetrado por tropas sérvias em julho de 1995. A cineasta Jasmila Zbanic defende a verdade como única forma de lidar com guerras, ditaduras, regimes de apartheid oficiais ou não oficiais, perseguições políticas, étnicas, religiosas etc. e faz um alerta: nunca podemos fechar os olhos para os traumas do passado. (Apple TV, Now, Vivo Play, Google Play e YouTube)
A injeção de alegria
Em um Bairro de Nova York (2021)
Versão de um musical da Broadway concebido por Lin-Manuel Miranda (o mesmo de Hamilton) e Quiara Alegría Hudes, o filme de Jon M. Chu é uma vibrante celebração da cultura dos latino-americanos em Nova York. É muito gostoso passar quase duas horas e meia na companhia de personagens como o dominicano Usnavi, a manicure Vanessa e a Abuela Claudia. (em cartaz nos cinemas, deve estrear no HBO Max no final de julho)
O inclassificável
Bo Burnham: Inside (2021)
É um filme? É um especial de comédia? É um musical? É um monólogo? É um registro documental sobre a vida durante a pandemia? Inside é — parafraseando uma das canções do próprio comediante estadunidense — um pouco de tudo o tempo todo. Bo Burnham escreveu, dirigiu, estrelou e editou em casa os desconcertantes 90 minutos dessa mistura brilhante de zoação, lamento, crítica social e crise existencial. (Netflix)
Os 5 melhores
- Bela Vingança
- Quo Vadis, Aida?
- Meu Pai
- First Cow
- A Artista e o Ladrão
- Menção honrosa: Bo Burnham: Inside