Disponível na Netflix até 9 de julho, Verão de 92 (Sommeren' 92) reúne três produtos tipo exportação da Dinamarca: o cinema (o país é o atual vencedor do Oscar de melhor filme internacional, com Druk: Mais uma Rodada), o futebol e Hans Christian Andersen. Ou quatro, se contarmos a cerveja consumida não só pelos torcedores, mas também pelos jogadores nesta obra vibrante, divertida e emocionante que reconstitui a conquista da seleção escandinava na Eurocopa de 1992. Trata-se, portanto, de uma boa dobradinha a ser feita com quem está acompanhando os derradeiros duelos da competição europeia na sua edição de 2021 — a decisão está marcada para o dia 11 de julho. Com 22 dos 26 jogadores convocados atuando em clubes da Alemanha, da Espanha, da França, da Inglaterra e da Itália, os dinamarqueses — que na partida de estreia foram traumatizados pela parada cardíaca sofrida por um de seus destaques, o meia Christian Eriksen — derrotaram a República Tcheca por 2 a 1 neste sábado (3) e avançaram às semifinais.
Verão de 92 foi dirigido e coescrito por Kaspar Barfoed, autor do thriller de espionagem Códigos de Defesa (2013), com John Cusack e Malin Akerman. Ele tinha 20 anos quando a Dinamarca alcançou sua maior glória no futebol, o título na Eurocopa disputada em 1992 na Suécia. Três anos depois, na Arábia Saudita, a equipe também ergueria a Copa Rei Fahd, antigo nome da Copa das Confederações, batendo a Argentina por 2 a 0 na final.
Nos dois torneios, o treinador era Richard Møller Nielsen, que morreu, aos 76 anos, em 2014. Lançado em 2015, o filme se mostrou uma homenagem a Møller Nielsen, o protagonista da história. Ele é interpretado por Ulrich Thomsen, ator de um título seminal do movimento Dogma 95 — Festa de Família (1998), de Thomas Vinterberg, com quem voltaria a colaborar em A Comunidade (2016) — e de três obras assinadas por Susanne Bier: Irmãos (2004), Em um Mundo Melhor (2010), ganhadora do Oscar internacional, e Segunda Chance (2014).
A trajetória do comandante e da sua seleção personificam a referência a Hans Christian Andersen (1805-1875), escritor celebrizado por seus contos de fadas. A Dinamarca entrou como um Patinho Feio na Eurocopa, desacreditada tanto pela imprensa de seu país quanto pela própria comissão técnica.
Convém contextualizar: na Copa do Mundo de 1986, a Dinamarca, estreante na competição, encantara torcedores e jornalistas com um estilo de jogo bastante dinâmico, que lhe valeu os apelidos de Dinamáquina e Dinamite Dinamarquesa. Na primeira fase, derrotou três campeões mundiais: Inglaterra (1 a 0), Uruguai (6 a 1) e Alemanha (2 a 0). Nas oitavas de final, porém, acabou goleada pela Espanha por 5 a 1.
O filme começa em 1990. O time já não tem mais o atacante Elkjaer, que, com quatro gols marcados, fora eleito o terceiro melhor jogador da Copa de 1986. O revolucionário treinador alemão Sepp Piontek também já havia deixado o cargo. A federação de futebol do país queria outro estrangeiro, mas acabou tendo de se contentar com Møller Nielsen, que era assistente do seu antecessor.
O início de seu ciclo não é nada promissor: em desacordo com a estratégica de jogo empregada, os dois craques nacionais, os irmãos Brian Laudrup (encarnado por Cyron Melville) e Michael Laudrup (Niclas Vessel Kølpin), renunciam à seleção em meio às eliminatórias para a Eurocopa. A equipe termina desclassificada, atrás da Iugoslávia. Às vésperas da Euro 1992, no entanto, a guerra civil no país dos Bálcãs faz a Organização das Nações Unidas (ONU) impor sanções esportivas: os iugoslavos deixam a concentração na Suécia e são substituídos pelos dinamarqueses, que estavam em férias.
Como o final da história é feliz, Verão de 92 puxa para a comédia — vide os puxões de orelha dados em Møller Nielsen por seu assistente, Kaj Johansen, sempre com um cachimbo na boca e interpretado pelo veterano Henning Jensen (ator dirigido por Lars Von Trier em Europa, de 1991). Mas este é um filme dinamarquês, então, dramas e dilemas também fazem parte do pacote. Um deles é o do meio-campista Vilfort, vivido por Mikkel Boe Følsgaard, ganhador do Urso de Prata no Festival de Berlim por O Amante da Rainha (2012) e um dos protagonistas da série The Rain (2018-2020). (Vale destacar a caracterização física: o ator ficou muito parecido com o jogador, assim como Gustav Dyekjær Giese, que faz o goleiro Peter Schmeichel — que é pai do atual arqueiro da seleção, Kasper Schmeichel.) Durante a Eurocopa, o personagem tem de lidar com uma dificílima questão familiar.
Os fãs de futebol — esporte ainda pouco e nem sempre bem representado nas telas — também não devem se desapontar. Por um lado, o diretor Kaspar Barfoed procura mostrar como funciona a cabeça de um treinador, embora acabe focando mais no emocional, no motivacional, do que em aspectos táticos. Por outro, a edição de imagens marca um belo gol ao mesclar, com competência e empolgação, as cenas que os atores filmaram com lances reais das partidas da seleção dinamarquesa.