Por enquanto, só dá para ver nos cinemas, a partir desta quinta-feira (17) — deve chegar ao streaming no dia 29 de junho, quando estreia no Brasil a plataforma HBO Max. Também convém avisar que são duas horas e 21 minutos de duração, incluindo uma divertida cena pós-créditos. Mas o fato é que Em um Bairro de Nova York (In the Heights) traz a explosão de cores, sons e alegria de que estamos precisando nestes tempos cinzentos, monocórdicos e pesados impostos pela pandemia.
Trata-se da versão de um musical homônimo concebido por Lin-Manuel Miranda, que fez as músicas e as letras, e Quiara Alegría Hudes, que escreveu a história. O espetáculo estreou em 2005 e cumpriu temporada de 2008 a 2011 na Broadway — a avenida nova-iorquina que concentra os principais teatros da cidade. Foi indicado a 13 prêmios Tony (o mais importante da área nos Estados Unidos) e venceu em quatro categorias: melhor musical, trilha sonora, coreografia (Andy Blankenbuehler) e orquestração (Alex Lacamoire e Bill Sherman). O sucesso despertou o interesse por montagens em outros países, como Reino Unido, Alemanha, Espanha, Japão, Austrália e Brasil (em 2014, em São Paulo, com o nome de Nas Alturas).
Para chegar ao cinema, bastava só mais um passinho de dança. Afinal, adaptar musicais da Broadway é uma tradição muito bem recompensada em Hollywood: Amor, Sublime Amor (1961) ganhou 10 Oscar, Cabaret (1972) recebeu oito, assim como Minha Bela Dama (1964); para A Noviça Rebelde (1965), Oliver! (1968) e Chicago (2002), foram cinco estatuetas. No século 21, o número de conquistas diminuiu, mas não a frequência dos filmes nascidos nos palcos de Nova York na premiação da Academia. Entre os mais recentes, estão Os Miseráveis (2012), com oito indicações e três troféus, Dreamgirls (2006), que concorreu a oito Oscar e faturou dois, Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007), que disputou três e levou um, e Caminhos da Floresta (2014), que apenas brigou em três categorias.
Pesaram também o nome de Lin-Manuel Miranda e o contexto de crescimento da população latino-americana ou hispânica nos Estados Unidos — nas bilheterias, por exemplo, ela é responsável por 17% dos ingressos comprados. Descendente de porto-riquenhos, com um avô mexicano, o nova-iorquino Miranda, 41 anos, é o autor e o protagonista de outro musical da Broadway: o ainda mais bem-sucedido Hamilton (2015), que arrecadou US$ 650 milhões, faturou 11 prêmios Tony, tornou-se o segundo disco mais vendido no ranking da revista Billboard e virou, em 2020, um telefilme do Disney+.
Nas duas obras, Miranda joga luz sobre a diversidade étnica nos Estados Unidos e usa o rap e o hip-hop para narrar uma enérgica história sobre o sonho americano. "Como um bastardo, órfão, filho de uma vadia, escocês, criado na miséria, em uma ilha do Caribe esquecida pela Providência, cresceu para se tornar um herói e um estudioso?", questiona o vice-presidente Aaron Burr na abertura do espetáculo sobre o primeiro Secretário do Tesouro do país, Alexander Hamilton (1755-1804). Todos os personagens eram homens brancos, mas são interpretados por latinos, negros e descendentes de asiáticos.
Em um Bairro de Nova York acrescenta salsa e merengue aos ritmos musicais para celebrar a cultura latino-americana, sem deixar de tocar em temas como preconceito, subemprego, gentrificação, processo de legalização e outras agruras da vida dos imigrantes nos EUA. Na comparação com a versão filmada de Hamilton, tem um trunfo imbatível: foi pensado para o cinema. Portanto, pode contar com cenários virtualmente infinitos nos quais espalha dezenas e dezenas de dançarinos — vide o número na piscina pública. E as coreografias ficam ainda mais empolgantes e fascinantes graças aos recursos da direção de fotografia, da edição das cenas e até dos efeitos visuais e das técnicas de ilusão cinematográfica — há um momento literalmente mágico em que um casal começa a dançar sobre a parede e as janelas de um edifício.
A história se passa em Washington Heights, bairro de Nova York onde a maioria dos moradores vieram ou são filhos de imigrantes da República Dominicana, no Caribe. Curiosamente, a direção ficou a cargo de Jon M. Chu, californiano de mãe taiwanesa e pai chinês, realizador da comédia romântica sobre a comunidade estadunidense-asiática Podres de Ricos (2018), que fez US$ 238 milhões nas bilheterias e concorreu ao Globo de Ouro. Mas o elenco principal é praticamente todo latino ou caribenho: Anthony Ramos (egresso de Hamilton e pronto para o estrelato), 29 anos, descendente de porto-riquenhos, assim como o adolescente Gregory Díaz IV, as jovens Melissa Barrera, atriz mexicana, e Leslie Grace, cantora que é filha de dominicanos, e os sessentões Jimmy Smits (o senador Bail Organa da franquia Star Wars), filho de um surinamês e uma porto-riquenha, e Olga Merediz, cubana que reprisa seu papel da Broadway. A exceção é Corey Hawkins, 32, o Dr. Dre do filme Straight Outta Compton: A História do N.W.A. (2015) e protagonista da série 24 Horas: O Legado (2016-2017). (Ele também é o único negro entre os principais personagens, o que motivou críticas quanto à representatividade afro-latina.)
Ramos interpreta nosso anfitrião, o dominicano Usnavi (a explicação para seu nome é, ao mesmo tempo, engraçada e significativa). Dono de um mercadinho tocado com o auxílio de seu primo Sonny (Gregory Díaz IV), ele tem dois sonhos: conquistar o coração da esfuziante Vanessa (Melissa Barrera), uma manicure que luta para virar estilista, e voltar para a República Dominicana de sua infância dourada, onde retomaria o negócio de seu falecido pai, um bar na beira da praia. O cotidiano do bairro, que já está aquecido por um verão de 40ºC, fica agitado com a chegada de Nina Rosario (Leslie Grace), a filha pródiga de um empresário local (Jimmy Smits), aquela que conseguiu entrar na faculdade — no caso, Stanford, na Califórnia, no outro lado dos EUA — e aquela que desperta a paixão de Benny (Corey Hawkins), dedicado empregado do Sr. Rosario. Todos os personagens vivem à sombra gostosa da Abuela Claudia (Olga Merediz), uma mulher que fez dos vizinhos os filhos que não teve. E também circula entre eles um vendedor de piragua (uma raspadinha de gelo saborizado) encarnado por Lin-Manuel Miranda.
Pegando os motes acima, o filme é refrescante, acolhedor e apaixonante desde os primeiros instantes. As músicas e as coreografias aproveitam elementos do cenário — a tampa de um bueiro na rua, as unhas das clientes em um salão de beleza. As letras apresentam rimas rápidas e surpreendentes, misturando os idiomas inglês e espanhol (tipo: "To killing the mood! / Salud!"). As atuações são magnetizantes, em especial as de Ramos, Hawkins e Olga. A vibração nos convida a assistir a Em um Bairro de Nova York uma segunda vez, domando — ou não! — uma vontade enorme de poder cantar a plenos pulmões e dançar até ficar com o corpo suado como o do dedicado elenco que vemos em cena. Anote aí: eis um forte candidato ao Oscar 2022.