Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
Por uma dessas sombrias coincidências, foi na Sexta-feira da Paixão que vi, no Rio de Janeiro, o filme israelense Valsa com Bashir, do cineasta Avi Folman, recentemente premiado num festival de São Paulo. É uma obra impactante, para dizer o mínimo. E diferente. Para começar, trata-se (com exceção dos minutos finais) de um filme de animação, aliás de excelente nível artístico. Mas não pensem que vocês vão ver um divertido desenho animado, ao contrário. Trata-se, rigorosamente, de um impressionante documentário, com vozes de pessoas reais, que nos dão seu depoimento sobre um dos episódios mais controversos da recente e conturbada história do Oriente Médio. A isto alude o título: o Bashir ali mencionado é Bashir Gemayel, líder político do Líbano, cujo assassinato por terroristas desencadeou uma tremenda convulsão política, culminando com o massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Shatila por partidários de Gemayel, os falangistas. Isto ocorreu à época da primeira invasão do Líbano por tropas israelenses (1982), ponto de partida para a história.
O protagonista do filme é atormentado pela lembrança – melhor dizendo, por aquilo que inexplicavelmente esqueceu – desses acontecimentos. Vai então em busca de pessoas que possam recordar com ele o passado. E seus depoimentos compõem um triste e pungente quadro do que é o conflito do Oriente Médio.
Os israelenses não executaram o massacre. Mas fica claro que muitos dos comandantes (incluindo Ariel Sharon, depois julgado em Israel e condenado por causa disso) optaram por olhar para o lado, com uma atitude do tipo “eles que se entendam”). Ora, e isso também fica claro, uma atitude mais enérgica do exército de Israel daria à situação outro rumo. O massacre cessa quando um oficial israelense – sozinho – chega ao campo e ordena que os milicianos da falange libanesa se retirem. A atitude dos israelenses, aliás, não é homogênea: muitos dos soldados e dos oficiais mostram-se inquietos e até revoltados com o que está acontecendo (aliás, notem a ironia do nome de um dos acampamentos: “sabra” é a denominação hebraica para os nascidos em Israel).
O filme é israelense. O diretor é israelense, os personagens são israelenses, o financiamento é em grande parte israelense. Isto é muito importante. A Al-Qaeda nunca faria um filme sobre seus crimes ou erros. O Hamas nunca faria um filme sobre seus crimes ou erros. São movimentos que, por autodefinição, não erram, não cometem crimes. A operação israelense em Gaza matou muitos civis, Israel foi acusado por isso, e um enorme debate surgiu no país – recentemente, em Londres, ouvi o escritor Amos Oz discordar da maneira como foi feitam a invasão. Mas a Al-Qaeda e o Hamas não se penitenciarão pela morte de civis, porque seu objetivo é exatamente esse, matar os infiéis, civis ou não, homens, mulheres, crianças. Os foguetes do Hamas só não cumprem esse desígnio porque são precários demais para tanto. Mas o objetivo é matar milhares, se possível.
O próximo dia 19 de abril assinala o aniversário do levante do gueto de Varsóvia, em que milhares de judeus foram mortos pelos nazistas. O Holocausto foi uma das bases sobre as quais nasceu o Estado de Israel. Uma base ética, portanto, que inspira filmes como Valsa com Bashir, e que contém, apesar da lição amarga (ou justamente por causa da lição amarga), uma esperança para os próprios israelenses: seu país sobreviverá porque é uma democracia que permite o debate sobre erros e crimes do passado e a indispensável correção de rumo.
Quem pensa nos artistas como pessoas temperamentais, imprevisíveis, deveria ter conhecido Xico Stockinger. Calmo, reservado, deixava, no entanto, seu talento transbordar nas extraordinárias obras que deixou, e que projetaram o Rio Grande no cenário artístico nacional e internacional. Grande Xico. Guerreiro, sim, mas guerreiro amável.
Este 14 de abril assinala o centenário de um dos eventos mais importantes da história da saúde pública mundial. Há cem anos, Carlos Chagas publicava um trabalho sobre a enfermidade que leva seu nome. Descreveu a doença, descobriu o agente causador e a maneira de transmissão: uma verdadeira façanha, e uma glória para o Brasil.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
- 06/02/2000: "A tribo dos insones"
-15/06/2003: "Um dia, um livro"
- 27/09/2008: "A doença de Machado de Assis"
-20/08/1997: "Médicos e monstros"
- 20/02/2000:"A invenção da praia"
-06/11/2007: "Ler faz bem à saúde"
-19/04/1997: "O ferrão da morte"
-30/11/1997: "Os estranhos caminhos da história"
-05/03/2000: "A gloriosa seita dos caminhantes"
- 08/11/2008: "A Bíblia como literatura"
- 21/03/1998: "Urgência: a visão do paciente e a visão do médico"
- 30/04/1998: "Uma cálida noite de outono de 48"
-16/04/2000: "A imagem viva do Brasil"
- 23/03/1997: " O analista do Brasil"
- 06/02/1999: "Em busca do esqueleto"
- 09/05/1998: "As múltiplas linguagens da literatura judaica"
- 14/05/2000: "Olha só, mamãe, sem as mãos"
- 09/04/1997: "Um grande escritor e um grande homem"
- 30/10/1999: "Medicina e arte: a visão satírica"
- 01/12/1998: "Um patriarca no deserto"
- 04/06/2000: "A porta que falava"
- 17/08/1997: "Menos mágicos, mais realistas"
-29/04/2000: "Medicina e Racismo"
-01/12/2005: "O mercador de Veneza"
-11/06/2000: "O espaço do amor"
-08/08/1998: "O tríplice Cyro Martins"
-01/07/2006: "Uma reabilitação histórica"
-08/02/2004: "Dilemas caninos"
-01/10/2000: "Retrato do artista quando jovem"
-08/03/2003: "A mulher e sua saúde"
-03/04/2007: "A nossa frágil condição humana"
-22/02/2004: "Liberou geral"
-23/06/2003: "Atualidade de Orwell"
-13/11/2004: "Brigando contra a vacina"
-13/11/2004: "Brigando contra a vacina"
-20/04/2008: "Uma lição de vida"
-09/05/2004: "Por onde andam as mães dos órfãos?"
-24/08/2003: "A história e a vida"
-09/09/2004: "Biologia e preconceito: o caso da síndroma de Down"
-09/01/2009: " A voz do profeta, as vozes da paz''
-12/06/2006: "Lembrando Clarice"
-08/11/2008: "Queixas de médicos"
-08/06/2010: "Crimes e erros"
-13/06/2004: "O maratonista cego"
-09/11/2010:" Escritores e preconceito"
-03/06/1995:" No limiar da existência"