A coluna já havia registrado que os economistas erraram quase tudo em 2023, que começou com projeção de crescimento do PIB em 0,78% e terminou com 2,92%, para citar apenas as previsões do boletim Focus do Banco Central - feito a partir de consultas a uma centena de fontes -, porque o próprio BC prevê 3%.
Mas as surpresas no período foram muito além de equívocos nas estimativas e, infelizmente, nem todas foram positivas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a violência das tempestades e de seus efeitos foram inesperados até para quem acompanha com atenção as consequências das mudanças climáticas. Por outro lado, até a jornalista que assina esta coluna - que antecipou o movimento - se espantou com o interesse de grandes petroleiras em explorar petróleo na costa gaúcha. A coluna tentou compilar os episódios mais inesperados do ano, mas já sabe que algum importante vai faltar, de tão
A maior de todas
Se houve "A" surpresa do ano, foi a do desempenho do PIB. E não foi apenas a decolagem das estimativas, como já citado. No ano em que o juro real (descontada a inflação) esteve no topo histórico, havia expectativa de que a atividade econômica fosse fraca. Como não cansa de lembrar o Comitê de Política Monetária (Copom), a Selic está em "nível contracionista", ou seja, destinado mesmo a desacelerar. E, no entanto, ocorreu o oposto, já que a agropecuária tem direito a taxas subsidiadas com programas públicos de financiamento e ainda não é suficientemente monitorada pelo mercado.
O ministro resiliente
Quando começou a ficar claro que Fernando Haddad seria ministro da Fazenda, o mercado fez muxoxo. Com um discurso diferente da chamada "ala política" do governo, que segue achando que "gasto é vida", ganhou respeito e confiança - ao menos de quem raciocina com honestidade intelectual, não com ideologia. Neste final de ano, o economista Roberto Luis Troster, que se define como liberal, deu nota 8 a Haddad e repetiu o que a coluna havia ouvido de um operador da Faria Lima: o atual ministro é melhor do que seu antecessor, Paulo Guedes. No final de um ano difícil, também se soube que Haddad chegou a pensar que não chegaria a 2024 na cadeira. A coluna suspeita que uma foto acima - destacada na época - mostra esse momento.
Dragão anestesiado
O último informe sobre a inflação oficial, o IPCA em sua versão de meados do mês, ficou ligeiramente acima das expectativas. Mas 2023 deve ser o ano em que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não precisará escrever a cartinha em que explica porque a meta estourou, como havia feito em 2021 e 2022. Há certo suspense, porque o IPCA-15 fechou em 4,72% - uma "folga" de apenas 0,03 ponto percentual. Se o IPCA cheio, que será conhecido só em 2024, passar do teto da meta, que é de 4,75%, volta a cartinha.
As trocas na Petrobras
Não houve apenas troca de gestão, simbolizada pelo presidente Jean Paul Prates. A estatal também mudança na política de preços e de distribuição de dividendos, ambas recebidas com surpreendente boa vontade no mercado. As ações da companhia acumularam alta de 62,48% em 2023, com recorde nominal de preço. Isso, mesmo com ruídos gerados pela mesma gestão, com a flexibilização dos critérios de governança, que gerou suspeitas de retomada da interferência política. Mesmo assim, Prates termina o ano cercado de especulações sobre sua manutenção no cargo, tanto por vontade própria - poderia concorrer à prefeitura de Natal (RN), onde fez carreira política - quanto por especulações de que não teria "abrasileirado os preços" tanto quanto gostaria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Brasil na Opep
Haviam sido feito outros convites, mas o governo Lula decidiu enfim aceitar ser parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Detalhe: às vésperas da COP28, ainda que realizada no coração do universo petroleiro, em Dubai. A formalização deve ocorrer em janeiro de 2024, segundo o governo como "observador", situação dos países não submetidos à obediência das cotas de produção impostas pelo cartel dominados pelos árabes. O Brasil acabou ganhando o "antiprêmio" Fóssil do Dia na cúpula do clima em decorrência da antifaçanha.
O mistério do emprego
No último dia útil de 2023, saiu o dado que quase superou o PIB em surpresa entre os economistas: o desemprego caiu para 7,5% em novembro, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Queda de desemprego e queda de inflação, dizem os manuais, não costumam ocorrer ao mesmo tempo. Há várias teses para tentar explicar esse desempenho, mas os mais intelectualmente honestos admitem: "Ninguém esperava isso, ninguém sabe explicar", disse à coluna o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida.
Enfim, a reforma tributária
Foram quase 40 anos de espera, mas uma parte da reforma tributária foi aprovada. Não é pouca coisa. O resultado da primeira etapa, a da mudança nos impostos sobre o consumo, não é o ideal, mas projeta economia de R$ 28 bilhões, que poderão ser destinados a atividades produtivas, em vez de ser gastos em burocracia. E o presidente Lula tem ao menos meia reforma no currículo. Para alcançar os antecessores - Michel Temer, que fez a trabalhista, e Jair Bolsonaro, a previdenciária - ainda deve a segunda metade, prevista para começar 90 dias depois da promulgação.
Recordes na bolsa
Se no início de 2023 alguém dissesse que a bolsa de valores no Brasil encerraria o ano com alta acumulada de 22,28%, a maior desde 2019, com 134.185 pontos, seria chamado de maluco. Mas foi o que ocorreu. Ajudaram o início do ciclo de baixa do juro - que começou em 13,75% e terminou em 11,75% - a reforma tributária, a melhora de avaliação sobre o ministro da Economia, mas sobretudo, à perspectiva de outro ciclo de baixa, nos Estados Unidos. Foi a partir do comunicado do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), que o Ibovespa bateu sucessivos recordes nominais.
A violência climática
No Rio Grande do Sul, tempestades capazes de matar dezenas de pessoas. No Sudeste, ondas de calor que provocaram recordes de consumo de energia e provocaram preocupações sobre como será este verão. Apesar dos reiterados alertas dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), as consequências vieram antes do esperado. Um El Niño, outrora quase inocente, agora assume uma forma quase maligna. Como disse em entrevista à coluna o australiano John Nairn, consultor sênior em calor extremo da Organização Meteorológica Mundial (OMM), se as mudanças se aceleram, é preciso apressar as respostas.
Petróleo na costa do RS
A jornalista que assina esta coluna já confessou três vezes, a essa altura, sua própria surpresa com o resultado do leilão de áreas de exploração de petróleo na costa do Rio Grande do Sul, mesmo que, muito antes, tenha relatado interesse crescente. É que se imaginava um número inédito de blocos arrematados - mas não tão grande - e algumas empresas mais interessadas - mas não tão grandes. É um tanto espantoso que essa disposição ocorra justo agora, que o planeta está comprometido com a transição energética. Mas tudo indica que, sim, desta vez haverá exploração "séria", para a qual é preciso adotar os devidos cuidados ambientais.
A tesoura de Leite
Ao anunciar que precisava de R$ 4 bilhões a mais de arrecadação para equilibrar as contas e um plano para elevar a alíquota modal do ICMS, o governador Eduardo Leite surpreendeu a todos. Não só porque havia prometido não aumentar impostos durante a campanha, mas também porque, meses antes, a preocupação com as contas públicas gaúchas havia saído do radar. Mais inesperado ainda foi o "plano B", o corte de incentivos definido por decreto. E a cereja no bolo foi a reação contrária, na Assembleia, tanto do PT, partido que passou as últimas décadas pregando a redução de benefícios fiscais, quanto do PL, que se intitula liberal e, em tese, prega corte de gastos públicos. Sempre é bom lembrar: benefícios fiscais são gasto tributário.