Eventos climáticos extremos observados em todo o mundo nos últimos meses podem, em parte, ser creditados à influência do El Niño. O fenômeno, porém, não é capaz de causar sozinho episódios como a chuva atípica no Rio Grande do Sul e a estiagem no norte do Brasil. O cenário global é principalmente resultado das mudanças climáticas causadas pela ação humana, dizem estudiosos.
Ou seja: o El Niño, somado às alterações no clima da Terra, ajuda a explicar o fato de 2023 ser um ano marcado por desastres naturais. O fenômeno preocupa especialistas, pois deve seguir ao menos até março de 2024, período em que tem possibilidade de ser classificado como um “super El Niño”.
Francisco Eliseu Aquino, professor de climatologia do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que não é correto atribuir ao El Niño — o aquecimento anormal do Oceano Pacífico equatorial — a responsabilidade integral por períodos de chuva abundante, com as que causaram 50 mortes no Estado em setembro.
— O clima mudou, por isso observamos todos os tipos de eventos extremos mais intensos e frequentes em ambos os hemisférios. Como o planeta está mais quente, o aumento da precipitação não ocorre ao longo de vários dias: é intenso em poucos dias ou em poucas horas. A mudança climática favorece eventos extremos e o El Niño os alavanca — diz Aquino.
A explicação do professor da UFRGS também engloba o La Niña, um fenômeno com características opostas ao El Niño, ou seja, de esfriamento do Oceano Pacífico equatorial.
— Desde 1960 vimos que os El Niño e os La Niña mantiveram a frequência, mas aumentaram intensidades e efeitos. É uma combinação nada interessante, porque a mudança climática mais essas variabilidades naturais se combinam para ter eventos extremos — pontua.
A alteração no clima é global, diz Aquino, mas também encontra indicativos no Estado. Segundo ele, a análise de dados de longo prazo das estações meteorológicas em municípios gaúchos indica que o presente não segue o padrão observado décadas atrás.
— O clima do Rio Grande do Sul tem as estações mais quentes, chove mais nas estações de transição (primavera e outono). Essa chuva é concentrada em tempestades com raios, granizo e vendaval. Nas análises, vemos que o clima do Rio Grande do Sul é outro: não tem nada a ver com o clima dos meus pais nem dos meus avós — acrescenta.
Calor é a "chave" da explicação
Venisse Schossler, doutora em Geociências e pesquisadora do Centro Polar e Climático da UFRGS, diz que a mudança no clima global pode ser verificada com a análise do aumento de gás carbônico (CO2) na atmosfera, causado pela ação humana. Ela explica que o CO2 e outros gases de efeito estufa possuem “grande capacidade de guardar calor”. Por isso, para a estudiosa, o composto é a “chave” para a compreensão do motivo de o planeta estar mais quente. Venisse explica o processo com uma analogia:
A mudança climática favorece eventos extremos e o El Niño os alavanca.
ELISEU AQUINO
Professor de climatologia UFRGS
— Se uma receita manda cozinhar em fogo brando, mas você aumenta o fornecimento de energia (as chamas), naturalmente o processo vai ser acelerado, o cozimento será mais rápido ou pode até passar do ponto. No momento em que mais calor é colocado na atmosfera e no oceano, pela mudança climática, estamos fazendo com que um evento aconteça com maior frequência e intensidade, porque colocamos um elemento que não havia ali, que é o excedente de calor.
Nesse contexto, o El Niño e o La Niña podem ser o “estopim” para eventos extremos, que originam desastres naturais, diz Venisse.
— No momento em que o oceano e a atmosfera estão mais aquecidos, com certeza esses fenômenos também serão modificados e intensificados — detalha ela.
El Niño forte é tendência
O El Niño tem ciclos irregulares: pode ocorrer em intervalos que variam de dois a sete anos. Ele é classificado conforme o aquecimento verificado no Oceano Pacífico: é fraco quando a temperatura da água aumenta entre 0,5ºC e 0,9ºC, moderado entre 1ºC e 1,5ºC e forte acima de 1,5ºC. Quando fica acima de 2ºC — o que ocorreu pela última vez entre 2015 e 2016 —, alguns especialistas o chamam de super El Niño.
Em setembro, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (ou National Oceanic and Atmospheric Administration, NOAA, em inglês) informou que a chance de ocorrer um El Niño forte em 2023/2024 aumentou para 71%. Em agosto, segundo a NOAA, as temperaturas da superfície do mar estiveram 1°C acima da média em todo o Oceano Pacífico equatorial.
— O comportamento atual das condições atmosféricas e oceânicas do Pacífico nos levam a crer que teremos um novo El Niño forte — diz Douglas Lindemann, meteorologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Segundo a previsão da NOAA, o fenômeno deverá seguir pelo menos até março de 2024, entre o fim do verão e início do outono, e atingir o pico no verão no Hemisfério Sul.
— Essas regiões (já afetadas pelo El Niño, como o RS) devem continuar sofrendo com excessos ou déficits de chuva — acrescenta.