O debate sobre os motivos das sucessivas surpresas com o PIB já vinha ocorrendo há algum tempo quando o IBGE anunciou, na terça-feira (5), a terceira sucessiva. O novo resultado inesperado arrancou do presidente do Banco Central (BC) uma frase que circulava na cabeça de muita gente: "Nós, os economistas, erramos muito".
O comentário mirava especialmente as projeções de crescimento econômico, mas foi além. Até porque há outros fenômenos econômicos ainda sem explicação, como afirmou à coluna há poucos dias o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida.
Ao comentar a forte queda da inflação sem qualquer impacto relevante na estatística do desemprego - a expectativa era de que aumentasse, mas diminuiu -, Mansueto admitiu:
— Ninguém esperava isso, ninguém sabe explicar.
É bom lembrar que o chamado "consenso do mercado" - a projeção da maioria dos cerca de cem economistas ouvidos pelo BC para o boletim Focus - começou o ano projetando crescimento de 0,78%. Seria um ano difícil, tanto no Exterior quanto no mercado doméstico, inclusive porque o juro ficou elevado por muito tempo.
Não era um cenário improvável e, mesmo assim, a bolsa entrou em dezembro com apetite para quebrar seu recorde de pontuação: na terça, fechou em 126,9 mil pontos, perto da máxima histórica de 130.776 de 7 de junho de 2021. E o dólar no final do ano voltou a ser estimado em patamar abaixo de R$ 5 no boletim Focus da última segunda-feira (4).
Nas últimas semanas, a projeção para o PIB do ano no Focus havia recuado de 2,92% para 2,84%. Depois do resultado do PIB, deve avançar outra vez rumo aos 3%, porque só nos três primeiros trimestres o país acumula alta de 3,1% no PIB. Caso o quarto trimestre repita a estagnação do terceiro e não tenha sequer a variação simbólica de 0,1% positivo - ou seja, se for zero - o país terá crescido 3,1% no ano. Para descer aos 2,84% do "consenso", precisaria ter sinal negativo ao redor de 0,25%.
Boa parte do "mistério do PIB" vem do fato de que o setor primário é muito mal monitorado pelo mercado no Brasil, como a coluna já observou ainda no primeiro "susto benigno", o do pibão de 1,8% (foi divulgado 1,9%, depois revisado pelo IBGE, o que é usual) no primeiro trimestre. A coluna ainda processa uma frase ouvida nos balanços & perspectivas das entidades empresariais de que "o agro distorceu o PIB". Ora, o agro é parte essencial da geração de riquezas no país, certo?
E há vários outros mistérios, como o apontado por Mansueto - queda de inflação sem aumento do desemprego. Uma variante dessa equação, que não intriga só o mercado, mas até o Ministério da Economia, é a manutenção da atividade do setor de serviços mesmo com forte redução de preços. Em boletim publicado na semana passada, técnicos da pasta desenvolveram a hipótese de mudança estrutural originada na pandemia que embute, entre outros fatores, maior digitalização, e teria ajudado a conter os reajustes de preços.
Outra corrente, integrada por Campos Neto, atribui parte das surpresas às reformas estruturais já realizadas, como a trabalhista e a previdenciária, além da autonomia do BC.
— O efeito coletivo de todas as reformas que foram feitas tem valor positivo, o Brasil foi o único que fez reforma na pandemia (a autonomia do BC). As reformas fizeram com que o crescimento estrutural tenha subido um pouquinho. Os erros de previsão estão associados aos efeitos coletivos dessas reformas — afirmou o presidente do BC.