Embora não tenha sido surpreendente - a coluna vem se concentrando em detalhar o cenário de corte de incentivos, o plano B do Piratini - a retirada do projeto de aumento de ICMS merece reflexão.
O que levou a essa situação de impasse foi uma sucessão de erros de estratégia do governador Eduardo Leite, temperada com equívocos de interpretação das partes relacionadas.
1. Sucessivos anúncios de investimentos estaduais: em 2021, antes do ano eleitoral, o governo do Estado colocou na vitrine planos ousados sob o guarda-chuva Avança RS, que vão de pavimentação de estradas a aportes nas áreas de saúde, educação, ação social, segurança e cultura. Na época, o governador anunciava que os recursos viriam dos cortes de gastos feitos na estrutura administrativa e dos recursos extraordinários da privatização. O pacote de investimentos reforçou a percepção de que as finanças do Estado estavam em melhor situação do que de fato estão.
2. Reação discreta ao corte de ICMS determinado no ano passado pelo governo federal: ao determinar redução de alíquota para baixar o preço dos combustíveis e, assim, retirar obstáculos no seu caminho à reeleição - hoje, sabe-se que em vão - o então presidente Jair Bolsonaro simplesmente garfeou os Estados. Tomou decisão federal de reduzir arrecadação estadual, o que é inconstitucional. Mas com exceção de protestos mais concentrados na Secretaria da Fazenda, guardiã dos cofres gaúchos, houve reação discreta do Piratini, também envolvido com eleição e o risco de ter, nos próximos quatro anos, uma relação desgastada com o Planalto.
3. As promessas de campanha: durante a disputa eleitoral, Leite foi constantemente indagado sobre a intenção de recompor a arrecadação - até porque alguns Estados já tratavam de arrumar a casa depois da garfeada federal - e sempre foi terminativo: não elevaria impostos. Essa postura permitiu que, agora, fosse cobrado com contundência ao propor aumento na alíquota, mesmo que o resultado (19,5%) ficasse ainda muito abaixo do que já foram as máximas do Estado no passado recente (35%).
4. O foco na justificativa da reforma tributária: a assessoria do governador sustenta que a perda de arrecadação por garfeada federal sempre esteve nas justificativas para a proposta de aumento de alíquota modal de 17% para 19,5%. Mas o que ganhou maior destaque foi o argumento de que era uma iniciativa para preservar a fatia do Estado na divisão do bolo tributário à frente. Com a retirada do mecanismo que definia a repartição com base na arrecadação entre 2024 e 2028, perdeu o argumento que baseava, inclusive, uma peça publicitária contestada pela oposição e, finalmente, retirada. O texto aprovado da reforma tributária não define o período-base para o cálculo da divisão, o que mantém a incerteza.
5. Excesso de confiança na racionalidade econômica: Leite sempre ponderou que tinha um plano B - o corte de incentivos -, mas que o aumento contido da alíquota modal afetaria apenas um quarto dos produtos e, portanto, teria menos impacto econômico. Entre os maiores adversários dessa empreitada estão as entidades empresariais que, ao escolher vocabulário, reagiram mais emocional do que racionalmente. Cobraram, inclusive, que o ajuste fosse feito pelo corte de gastos. Para esses grupos, incentivos fiscais não são vistos como custo tributário sustentado por contribuintes que o governo poder cortar, mas como instrumento de sobrevivência. A alternativa, agora, será exatamente um corte de custo - tributário.