Agora que benefícios fiscais foram cortados por decreto, três dias antes da possível apreciação da proposta de aumento da alíquota modal de ICMS, é dever do Piratini dar mais transparência a esses tipo de mecanismo.
É o que a coluna vem fazendo nas últimas semanas, desde que o governador Eduardo Leite avisou publicamente que cortaria até 50% desses benefícios. A primeira verdade que precisa ser lembrada é que quem sustenta benefícios fiscais não são as empresas nem o governo, mas os contribuintes - ou seja, nesse caso, todos os gaúchos que fazem ao menos uma compra na vida.
É por esse motivo que tem crescido, entre os economistas dedicados a cobrar de governos maior equilíbrio fiscal, o questionamento à validade desse tipo de mecanismo - como a coluna já detalhou. É importante observar que não são economistas heterodoxos, ao contrário: são os mais identificados com as teses dominantes de Estado enxuto, livre mercado e livre concorrência.
Esses economistas consideram incentivos como "custo tributário", ou seja, para permitir sua existência, os que não recebem têm de pagar mais. Essa é outra verdade: embora os governos tentem manter critérios uniformes para a concessão - até para evitar que cada nova bondade gere outra fila de pedidos -, não há um padrão conhecido para enquadrar os pedidos. Isso acaba permitindo que setores com, digamos, maior poder de persuasão sejam melhor contemplados.
Outra verdade, sustentada inclusive por entidades empresariais, é que, sem benefícios fiscais, alguns segmentos da economia gaúcha não sobreviveriam. Um dos argumentos tem base na realidade geográfica: o Rio Grande do Sul fica no extremo do país, a longa distância de centros produtores de matérias-primas usadas na produção. Empresas geram empregos, que geram renda, que alimenta a arrecadação.
Entre os poucos mitos ligados ao tema, está o de que os incentivos são concedidos apenas a grandes empresas. Embora não seja possível ter acesso a informações detalhadas por CNPJ, já não mais protegidos por lei de sigilo fiscal, mas ainda liberados apenas para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), os dados gerais mostram concentração em dois segmentos para os quais o Estado é vocacionado: leite e carne. Outro mito é o de que faria bem às contas públicas acabar com todos os benefícios fiscais da noite para o dia: o resultado provavelmente seria perda de ainda mais arrecadação no curto prazo.
Menos por ser complexo - de fato é, mas sempre pode ser entendido se for bem explicado -, e mais por ser financiado por toda a população, é que o tema precisa ganhar transparência para ser debatido mais à luz das verdades e do que à sombra dos mitos.
Fatos & dados
Em 2020, o pacote total de incentivos de ICMS somou R$ 11,87 bilhões. Isso significa que o Estado, em vez de arrecadar todo o seu potencial - valor que seria alcançado sem benefícios - de R$ 55,12 bilhões, teve "apenas" R$ 43,25 bilhões para arcar com as despesas públicas.
O principal instrumento aplicado pelo Rio Grande do Sul é o crédito presumido, que representa quase a metade do total (45,3%, veja o gráfico lá em cima). Como a coluna já explicou, o "presumido" significa que o Estado "supõe" um crédito que, na verdade, não existe - por isso é preciso presumir (no dicionário, é "tirar conclusão antecipada, baseada em indícios e suposições, e não em fatos comprovados").
De 2014 a 2022, a concessão de crédito presumido a empresas gaúchas duplicou. Somava R$ 2,65 bilhões há 10 anos e alcançou R$ 5,38 bilhões no ano passado. Neste ano, está em R$ 4,25 bilhões só até outubro.
Entre os demais tipos de incentivos de ICMS, que está no centro das preocupações do Piratini, são isenções desse imposto - quando simplesmente não se cobra - ou a base de cálculo reduzida, outro tipo de "ficção" usada para ajudar a dar competitividade a empresas, além de regimes especiais como o microempreendedor individual (MEI) e o Simples, para pequenas e microempresas.
OUTROS TIPOS DE INCENTIVOS
Ainda existem desonerações em outros dois impostos, o conhecido IPVA, pago todos os anos por proprietários de veículos, algumas vezes com descontos, e o menos usual ITCD, que incide sobre heranças e doações. Com isso, o total geral de de benefícios chegou a R$ 13,74 bilhões no ano passado.