Seis meses depois do assalto no Aeroporto Hugo Cantergiani, de Caxias do Sul, o processo contra os suspeitos de envolvimento está em andamento na Justiça Federal. Ainda em setembro, 19 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF) por crimes como latrocínio e organização criminosa com uso de arma de fogo. Na noite da ocorrência, em 19 de junho, o 2º Sargento da Brigada Militar (BM) na cidade, Fabiano Oliveira, foi morto aos 47 anos. Os assaltantes levaram também R$ 14,4 milhões de R$ 30 milhões de um banco que chegavam ao terminal caxiense e seriam transportados por carro-forte.
Atuam na denúncia e no processo os membros do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e mais o procurador natural do caso, com base na investigação da Polícia Federal (PF). A projeção do procurador da República, Celso Antônio Tres, que faz parte do Gaeco, é que o julgamento possa ocorrer no primeiro semestre do ano que vem.
Em resposta à reportagem, a Justiça Federal não dá uma previsão por conta da "complexidade do caso".
O procurador da República, enquanto isso, explica que por serem muitas pessoas indiciadas, a denúncia precisou ser recebida pela Justiça em duas partes. A partir disso, os acusados realizaram uma defesa prévia e depois são realizadas as audiências de instrução da ação penal. Pela estruturação da Justiça Federal, o processo está em andamento em Passo Fundo, uma vez que o juiz de garantia desse caso, aquele que atua antes do processo iniciar — para medidas como de busca e apreensão — foi o de Caxias.
Ainda não há uma data definida para as audiências, mas Tres acredita que elas devem ocorrer no início de 2025 e durar "vários dias" pela quantidade de testemunhas que foram vítimas do crime. Todas devem participar dessa etapa. Além do sargento morto, 13 funcionários de empresas de segurança e outros oito policiais militares foram alvos dos disparos dos criminosos.
— Temos dezenas e dezenas de testemunhas de vítimas do Ministério Público. Nós denunciamos esse pessoal com uma certa inovação em termos de acusação. Normalmente, quando o sujeito dá tiro na polícia e não acerta, fica por isso mesmo. Então, nós colocamos o seguinte: cada um dos policiais e dos agentes da companhia de segurança que estiveram no fronte, que foram alvos de tiros, colocamos uma tentativa de latrocínio para cada um (dos denunciados), além da consumada, em que infelizmente morreu o policial — explica.
A soma de todas as acusações pode passar dos cem anos de prisão, calcula o procurador. Além disso, como adianta Tres, uma nova denúncia deve ser formalizada com foco no crime de lavagem de dinheiro:
— A lavagem de dinheiro é uma coisa complexa. Você tem que demonstrar, enfim, onde transitou, embora rápido, porque o dinheiro foi recuperado, mas houve ali um trânsito de dinheiro sujo e essas pessoas estão envolvidas em uma série de outros delitos. Por isso que a lavagem de dinheiro demora um pouco mais, porque na medida que a polícia vai quebrando sigilos, vai achando dinheiro, digamos assim, de outras fontes ilícitas. Por isso que separamos. Vai ser um processo posterior.
Os denunciados
Como divulgado ainda em setembro, a denúncia do MPF lista crimes como latrocínio, falsificação de símbolo, explosão, falsificação de identidade, adulteração veicular, usurpação de função pública, posse de arma de uso restrito, lavagem de dinheiro, organização criminosa com arma de fogo e embaraço à investigação de organização criminosa.
Dos 19 denunciados, 13 estão em prisão preventiva. Entre os denunciados, estão ou suspeitos de terem planejado o assalto, ou atuado na organização, preparação e fuga, ou aqueles que executaram o crime no aeroporto de Caxias. Há ainda outros dois identificados, mas que estão mortos — um na noite do crime e outro em confronto com a Polícia Civil de São Paulo.
Atuação conjunta entre PCC e Bala na Cara
Conforme a denúncia do MPF, integrantes de duas facções criminosas, o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Bala na Cara, do Rio Grande do Sul, atuaram em conjunto para executar o assalto. O plano dos criminosos "consistia em adentrar o aeroporto com veículos disfarçados de viaturas da Polícia Federal e, mediante uso de armas de fogo de padrão militar, forçar o rendimento da equipe de segurança antes que os valores fossem alocados no carro-forte".
O MPF informou que integrantes do PCC e do Bala na Cara começaram a organizar o assalto pelo menos 10 dias antes do crime. Os membros das duas facções deslocaram pessoas e equipamentos para a região da Serra, adquiriram bens e escolheram locais que foram usados como esconderijo.
A denúncia aponta ainda que cinco imóveis foram disponibilizados para os criminosos, onde cada um foi cuidadosamente escolhido e preparado pelo grupo para desempenhar um papel específico na operação. A intenção era evitar que os denunciados ficassem por longos períodos no mesmo local.
Além disso, o grupo utilizou diversos veículos, que tiveram as placas trocadas durante os trajetos percorridos. Tanto os imóveis, quanto os veículos, estavam em nomes de pessoas laranjas, para dificultar ainda mais o rastreamento das atividades cometidas.
Relembre o caso
O ataque no aeroporto de Caxias aconteceu por volta das 19h30min do dia 19 de junho. O assalto pretendia roubar cerca de R$ 30 milhões de um banco privado. O carro-forte era abastecido por malotes de dinheiro trazidos de Curitiba em uma aeronave de pequeno porte. Um grupo, de oito a 10 pessoas, atacou funcionários da empresa de transporte de valores, em uma ação que surpreendeu pela audácia dos criminosos.
Com armamento de guerra, incluindo um fuzil Barrett M82 calibre .50, e fardamento falso, os assaltantes usaram veículos com adesivos da Polícia Federal (PF) para acessar o hangar do aeroporto. O portão 2 foi aberto por funcionários que atuam no aeroporto justamente por acharem que se tratava da PF.
O primeiro confronto se deu entre os seguranças do carro-forte e a quadrilha. Na sequência, guarnições da BM se deslocaram ao local. Na primeira a chegar no Hugo Cantergiani estava o 2º sargento Fabiano Oliveira, 47 anos. Os policiais foram recebidos com disparos de arma de fogo. Um dos tiros de fuzil atingiu o 2º sargento no tórax e atravessou o colete de proteção balística. Mesmo socorrido e levado ao hospital, o brigadiano não resistiu.
No confronto, após a chegada da Brigada Militar, o assaltante Sílvio Wilton da Costa foi morto. Ele fugia em uma camionete Frontier, falsamente identificada como sendo da PF. Com ele foram recuperados cerca de R$ 15 milhões, metade do total que estava sendo transportado.
A suspeita é de que após o roubo os criminosos seguiram até uma propriedade rural na Serra e depois dividiram o dinheiro roubado. Cada um fugiu com a sua parte em uma direção, para dificultar a perseguição.