Aos 45 minutos do segundo tempo, a Câmara dos Deputados deu uma despiorada no texto da principal regulamentação da reforma tributária sobre o consumo. O modelo que sai é muito diferente do que entrou, cheio de exceções ao que deveria ser uma alíquota única e com várias outras excrescências.
Ainda assim, é um passo do Brasil na direção das melhores práticas: a maior parte do mundo desenvolvido usa Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre o consumo. Os objetivos da reforma eram, basicamente, simplificar o "manicômio tributário" brasileiro e obter maior justiça na cobrança de impostos – quem ganha mais, paga mais, quem ganha menos, paga menos.
Ambos foram parcialmente atingidos, com mais avanço no primeiro do que no segundo ponto. A aplicação das novas regras começa gradualmente em 2026 e se estende até 2032. A partir de 2033, o Brasil passa a cobrar apenas o chamado IVA dual, com uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal – substituindo IPI, PIS e Cofins – e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) dividido entre Estados e municípios, no lugar de ICMS e ISS.
Como quase tudo que entra no Congresso, o resultado foi condicionado pelo lobby de setores interessados – tanto os produtivos quando o de grupos políticos. É por isso que armas terão menor alíquota do que carro elétrico, refrigerante e cerveja, por que ficaram fora do "imposto do pecado". As bebidas açucaradas, por sua vez, terão alíquota acima da padrão.
Também é por isso que as carnes ficaram na cesta básica restrita. Como o preço é alto para aumentar o consumo nas faixas de menor renda, é um agrado para os mais ricos. No capítulo dos lobbies, profissionais liberais terão direito a alíquota interior à padrão. Nesse caso, é um efeito regressivo, de quem ganha mais, paga menos.
Entre os avanços na maior justiça tributária, está a confirmação do cashback de inspiração gaúcha: responsáveis por famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) com renda familiar mensal declarada de até meio salário mínimo por pessoa vão receber de volta o dinheiro pago nos impostos embutidos nas compras.
Será de 100% da CBS e 20% do IBS na compra de botijão de gás de 13 kg ou gás canalizado, além das contas de água, energia elétrica e comunicações. Em outras faturas, como na de internet, será de 20% da CBS e 20% na de IBS. No caso da parte federal, começa já em 2027. Na estadual/municipal, em 2029.
Mas a mais explícita distorção das regras tributárias veio com a inclusão de uma refinaria de petróleo isenta de impostos na Zona Franca de Manaus, ainda inexistente. Como isso significará combustíveis mais baratos, a Câmara "consertou": não poderá vender nem distribuir fora da região.
As aspas são necessárias porque vai agravar o desequilíbrio já existente na produção na região. Sem contar o absurdo ambiental de uma refinaria de petróleo em plena Floresta Amazônica. Vai ser bonito "mostrar para as visitas" da COP30 em Belém. Só que não.