Para explicar por que a inflação estourou o teto da meta outra vez, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, apresentou a carta dirigida ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na terça-feira (10) depois do fechamento do mercado (leia a íntegra clicando aqui).
Economistas que tentam ler as entrelinhas do documento chamaram atenção para o tom de alerta fiscal não ter subido além da última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), escrita já sob o impacto das primeiras negociações da PEC da Transição.
O que mudou? A PEC foi enxugada da "vida toda" para um ano, "perdeu" R$ 30 bilhões mas "encontrou" outros R$ 23 bilhões. Ou seja, o que diminuiu, mesmo, foi o prazo. Além disso, houve relatos de conversas muito produtivas entre Campos Neto e Haddad, que teriam passado pela combinação de que a política fiscal - decidida pelo ministro - não vai jogar contra a monetária - definida pelo BC.
Esse, inclusive, foi um dos destaques de Campos Neto. Já no primeiro tópico, infiltrou um autoelogio: "(...) ressalta-se o papel do aperto da política monetária para a contenção da inflação". Entre os motivos do estouro, citou cinco: inércia da inflação do ano anterior, alta nos preços de commodities - em especial o petróleo -, desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos e gargalos nas cadeias produtivas globais, choques em preços de alimentação, resultantes de questões climáticas e retomada na demanda de serviços e no emprego.
Chamou atenção, também, que no capítulo mais esperado - "providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos" -, Campos Neto só fale sobre o que já foi feito, sem avançar em relação ao aviso de que o BC pode "retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado".
Apesar de repetir os alertas do Copom sobre o risco fiscal, Campos Neto não agrega advertências. Repete, apenas, que "a política fiscal pode afetar a inflação não só por meio dos efeitos diretos na demanda agregada, como também via preços de ativos, grau de incerteza na economia, expectativas de inflação e taxa de juros neutra".
Projeta, ainda, que a "estimativa implícita na pesquisa Focus de 06/01/2023" é de que o juro real (Selic, descontada a inflação) "fique em 7,8% no primeiro trimestre de 2023 e então inicia trajetória declinante, atingindo 6,9% ao final de 2023".
Embora crie expectativa, não quer dizer, necessariamente, que o BC vá cortar o juro básico ao fim do primeiro trimestre - no mercado, os mais otimistas projetam redução em meados do ano. O juro real também diminui se a inflação subir. Mas a perspectiva de Campos Neto é de que "inflação acumulada em quatro trimestres prossiga a trajetória de queda ao longo de 2023". É uma combinação intrigante.