Consumidores adiam compras, empresas retardam projetos - na melhor das hipóteses -, mas investidores estrangeiros fazem a festa com o chamado "diferencial de juros", porque o Brasil está pagando muito acima da média dos emergentes para quem investe aqui.
É um país complicado, onde até o passado é incerto, mas cheio de oportunidades. Tem o maior juro real do mundo - a taxa nominal, descontada a inflação - mas certamente não é o que oferece mais riscos em todo o planeta.
O mais complicado é que, em uma das fórmulas de cálculo possíveis, o Brasil tem o maior preço do dinheiro também em relação a si mesmo em quase duas décadas - 17 anos. Antes de prosseguir, a coluna explica que já duas maneiras de apurar o juro real, sempre considerando a taxa Selic nominal e a inflação:
- Ex-post, em que é levada em conta a inflação acumulada nos 12 meses anteriores ao mês de referência
- Ex-ante, quando o juro anual é confrontado com as projeções de inflação acumulada nos próximos 12 meses.
Depois de ouvir o especialista - o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, que fez os dois cálculos do juro real -, a coluna preferiu usar o primeiro método não apenas por ser mais simples de entender, mas também por representar menor margem de erro. Afinal, quem sabe qual será a inflação daqui a 12 meses? Até as do Boletim Focus estão sempre mudando - agora para baixo, ainda bem.
A intenção é dar mais corpo ao debate do juro no Brasil. Em primeiro lugar, vem a constatação: o país não é o mais arriscado do mundo, portanto não deveria ter o maior "preço do dinheiro" do planeta. Em segundo, esse não é o momento de maior crise - embora seja um período crítico - que a economia brasileira já atravessou nos últimos 17 anos. Então por que, afinal, a taxa é tão alta mesmo descontando a inflação?
O Brasil usa o "regime de metas de inflação", pelo qual o Conselho Monetário Nacional (CMN) define uma meta e o Banco Central (BC) deve cumpri-la. Para este ano, essa meta é de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto acima e outro 1,5 ponto abaixo. O valor percentual é o famoso "centro da meta". Os acrescidos da variação, por sua vez, são o "piso" (tolerância para menos, ou 1,75% neste ano) e o "teto" (tolerância para mais, ou 4,75% neste ano).
Além desses limites numéricos, prevê que o balizador para alcançar ou não esses números é a inflação "cheia" - o cálculo completo - do IPCA, indicador calculado pelo IBGE para famílias com renda de até 40 salários mínimos (polpudos R$ 52 mil). Neste momento, a inflação acumulada em 12 meses está em 4,18% - abaixo, portanto do teto do regime de metas adotado pelo Brasil. E o que disse o presidente do BC na véspera, para justificar que é preciso ter cuidado com a calibragem do maior juro do mundo e das duas últimas décadas?
Que a média dos núcleos de inflação está em 7,5%, "um número bastante alto, muito acima da meta". Detalhe: sua missão é balizada pela inflação cheia, não núcleos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva erra, politica, econômica e institucionalmente, quando ataca o presidente do BC e o responsabilidade pelo juro alto. Mas o presidente do BC precisa ser mais técnico ao justificar a Selic estratosférica. Ou, em algum momento, admitir que chegou a hora de baixá-la.