Há 20 anos, as atenções se voltavam ao continente asiático, onde um tsunami atingiu diferentes países e causou a morte de 220 mil pessoas. Geradas por um terremoto de magnitude 9,1 no Oceano Índico, ondas gigantes avançaram sobre comunidades costeiras na manhã de 26 de dezembro de 2004, dando origem a uma das maiores catástrofes da história recente. Conforme especialistas, embora não seja possível prever quando e quais os impactos, é provável que evento semelhante volte a ocorrer.
Os terremotos são fenômenos naturais que ocorrem o tempo inteiro em todo o mundo, inclusive no Brasil, aponta Augusto Nobre, docente do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O problema é que, os continentes que ficam ao redor do Oceano Pacífico estão se aproximando e esse movimento das placas tectônicas causa tremores diariamente.
Professor titular do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rualdo Menegat explica que a região da Indonésia — onde 160 mil pessoas morreram na época — está localizada perto do chamado Círculo de Fogo, área com intensa atividade de choque entre as placas. Ele acrescenta que o terremoto gera um tsunami quando seu epicentro ocorre no assoalho oceânico.
— Naquela ocasião, houve um avanço da placa do Oceano Índico e da Austrália, mergulhando para baixo da placa da Eurasia, ocasionando uma ruptura, que chamamos de falha. Essa ruptura chegou a uma extensão de 1.200 quilômetros, como se fosse de Porto Alegre ao Rio de Janeiro, e ocasionou um degrau de 20 metros, no fundo do oceano, gerando um deslocamento de água na superfície: o tsunami — esclarece Menegat.
De acordo com o professor da UFRGS, esse deslocamento de água equivaleu a 30 vezes o volume do Guaíba e gerou ondas de 38 metros de altura, que devastaram a ilha de Sumatra, na Indonésia. Trata-se do pior tsunami já registrado na história, afirma Menegat:
— Esse degrau permanece, ficará para sempre desse jeito e, ali, vão ocorrer novos terremotos no futuro, porque é uma zona de grande perigo sísmico, já que ali estão os limites das placas tectônicas. Então, é muito provável que aconteçam novos eventos como aquele.
Nobre comenta que diariamente há terremotos minúsculos, que as pessoas não conseguem perceber, mas ressalta que o evento de 2004 teve magnitude superior a 9 pontos na escala Richter — o que é considerado muito incomum. Apesar de haver outros registros de grandes terremotos, o docente da UFSM explica que eles são um pouco mais raros, porque é necessária muita energia para aliviar a pressão de blocos de rocha que estão tão grandes e tão pressurizados.
— E, para acumular essa grande quantidade de energia, leva mais tempo. Por isso que as periodicidades desses grandes terremotos acabam sendo menores. Mas há vários pontos no planeta Terra onde isso pode acontecer, especialmente no Círculo de Fogo. Então, eu diria que a probabilidade de ocorrer novamente é de 100%. É inevitável que volte a ocorrer, mas talvez o próximo desse tipo nem seja lá — ressalta Nobre.
No entanto, os especialistas destacam que não existe uma tecnologia que permita prever quando esses eventos vão ocorrer. Em função disso, locais que têm grande propensão a esse tipo de terremoto são preparados com construções civis, barragens e diques de proteção.
A resposta aos eventos e os avanços na prevenção
A possibilidade de um evento do mesmo porte voltar a ocorrer não significa que os impactos registrados serão os mesmos. Isso, segundo Nobre, vai depender das respostas de políticas públicas que aconteceram no Sudeste Asiático nos últimos 20 anos. Para explicar, o professor da UFSM faz uma analogia com a recente catástrofe climática vivida no RS:
— Quando você pega o evento pela primeira vez, normalmente sim, é uma surpresa. Como também foram uma surpresa as inundações no Rio Grande do Sul esse ano. Nós não tínhamos parâmetro de segurança, nós não conhecíamos um padrão de segurança que nos permitia prever algo dessa magnitude para termos mecanismos de segurança para essa magnitude.
Apesar da magnitude ser grande, a resposta nossa também tende a ser cada vez mais adaptada ao risco
AUGUSTO NOBRE
Docente do Departamento de Geociências da UFSM
No território asiático, foram tomadas medidas ao longo dos anos. "Apesar da magnitude ser grande, a resposta nossa também tende a ser cada vez mais adaptada ao risco", detalha Nobre.
O professor Menegat lembra que no caso de terremotos, a sequência de abalos muitas vezes permite, mesmo que em um tempo relativamente curto, salvar vidas. Há casos em que o tremor principal compromete a edificação, mas ela não cai. E o secundário, mesmo que numa intensidade menor, acaba de derrubar a edificação.
Em 2004 não tinha um sistema de alerta de tsunami no Pacífico e no Índico muito bom. Então, quando aconteceu o terremoto de Sumatra, não foi efetivo o alarme
RUALDO MENEGAT
Professor titular do Instituto de Geociências da UFRGS
— Esse é um momento muito crítico de gestão do risco do terremoto. Em 2004 não tinha um sistema de alerta de tsunami no Pacífico e no Índico muito bom. Então, quando aconteceu o terremoto de Sumatra (ilha no oeste da Indonésia), mesmo a onda, demorando mais de 20 minutos para chegar até a costa, o que seria um tempo em que daria para salvar muitas pessoas, não foi efetivo o alarme — explica o professor titular do Instituto de Geociências da UFRGS.
Mudança no eixo de rotação da Terra
A Terra é um planeta ativo e dinâmico, explica o docente do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria. Eventos da proporção do que ocorreu em 2004 têm potencial de transformação.
— O tsunami de 2004 causou uma mudança no eixo de rotação da Terra, uma mudança muito pequena para nós sentirmos diferença. Foi da ordem de milímetros — diz Nobre.
O planeta tem condições de sustentar a vida na superfície, como conhecemos, mas que também possui sua dinâmica natural, a qual as pessoas, hoje, não têm capacidade de evitar.
As próprias placas tectônicas, cujo movimento causa tremores, não podem ser encaradas como algo exclusivamente ruim.
— É graças a essa tectônica, por exemplo, que nós temos como resposta o campo eletromagnético da Terra que nos protege dos ventos solares. Ela é um passo fundamental para, por exemplo, a proteção contra a radiação solar. Se não tivéssemos a tectônica, a Terra não seria um planeta habitável — completa Nobre.