Iniciativa pioneira no Brasil, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) completa dois anos desde a publicação de sua reportagem inaugural, em 5 de dezembro de 2016. Em 24 meses de atividade, a equipe realizou 62 investigações. A partir das matérias e das repercussões, são dezenas de casos de abertura de inquéritos por autoridades, demissões de gestores públicos em cargos de chefia, instauração de processos judiciais contra os denunciados e até prisões de infratores.
A diversidade de temas abordados tem se revelado uma das principais características do GDI. Já obtiveram destaque investigações sobre o setor público e privado, além da atuação de facções criminosas e grupos organizados para lesar interesses da sociedade. Exemplos disso são matérias que trataram de excesso de resíduos de agrotóxicos em hortifrutigranjeiros vendidos no Rio Grande do Sul, o caso dos novos trens comprados pelo Trensurb e que não funcionam e a loja que vendia casas pré-fabricadas e, depois, golpeava os clientes ao não entregá-las.
Coragem em valorizar apuração própria e desafiar interesses ao expor fraudes
Neste ano, o GDI também espraiou sua atuação para o esporte. Em uma série de publicações que se estendeu de março a maio, as reportagens revelaram como dirigentes da gestão 2015/2016 desfalcaram os cofres do Sport Club Internacional ao fazer saques de altos valores em espécie na tesouraria e, posteriormente, justificar a retirada dos recursos com a apresentação de notas fiscais de obras inexistentes. A investigação do GDI foi parar no relatório da comissão especial de sindicância criada pelo Inter para apurar o caso. Como resultado, ex-dirigentes suspeitos foram proibidos pelo Conselho Deliberativo do time de participar da gestão de entidades esportivas pelos próximos 10 anos.
As iniciativas do GDI conquistaram reconhecimento regional e nacional.
– O jornalismo investigativo traz à luz temas de interesse público que nem sempre são evidentes ou estão ligados ao noticiário do cotidiano. A manutenção de uma equipe dedicada a essa modalidade de reportagem, principalmente em um momento de crise das empresas de mídia, é um investimento forte na qualidade do jornalismo e um indicador de atenção e respeito aos leitores mais exigentes. Parabéns e longa vida ao GDI – diz Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Em ano de eleição, o GDI ainda apresentou novidade: a checagem das afirmações dos candidatos ao Palácio Piratini nos debates e entrevistas realizadas no primeiro e no segundo turno.
– É importante dizer que a criação do GDI é uma iniciativa corajosa do Grupo RBS. Corajosa porque o jornalismo investigativo custa caro e mexe com interesses de quem certamente vai reagir diante da exposição de suas fraudes. Corajosa porque seria mais cômodo e, talvez, mais lucrativo apostar em matérias caça-cliques. Vejo essa decisão como uma aposta na valorização do jornalismo como instrumento capaz de assumir protagonismo nas mudanças sociais – avalia Mauri König, um dos jornalistas investigativos mais reconhecidos do país e que transformou o GDI em objeto de pesquisa do mestrado em jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná.
Principais resultados em 2018
Cinco anos depois de a RBS TV revelar que a mineração predatória de areia sem fiscalização no Rio Jacuí – um dos principais do Estado – estava causando danos ambientais, o GDI revisitou os locais e fez estudo inédito com ajuda de aparelhos da UFRGS. Revelou que o descontrole na mineração continua causando danos irreparáveis ao ambiente. A equipe navegou no rio usando equipamentos de georreferenciamento e de sondagem sísmica e comprovou que a profundidade elevada, em razão da extração ilegal de areia, segue matando o Jacuí.
A consequência
Em 2013, a apuração serviu de base para operação da Polícia Federal. Em 2018, depois da nova matéria, as regras que estavam sendo flexibilizadas voltaram a ser exigidas. Uma delas é a que determina o limite máximo do comprimento dos canos de sucção de areia no fundo do rio. Esse controle não constava mais como exigência para licenças de operação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). As revelações do GDI também foram anexadas ao processo da Justiça Federal que pede o fim da mineração no Jacuí. A juíza do processo cobrou explicações das empresas responsáveis. A reportagem venceu o 5º prêmio José Lutzenberger de jornalismo ambiental, na categoria televisão.
A avaliação
Esse tipo de matéria tem alto valor social, é muito relevante, pois apresenta um problema e desafia as autoridades a aprimorarem métodos e buscarem as melhores soluções. É um elo entre a atividade do poder público e a sociedade.
A investigação revelou os motivos pelos quais uma nova frota da Trensurb, comprada por R$ 244 milhões, nunca funcionou como deveria. Foram detalhadas as falhas mecânicas desses veículos, que vão de problemas de infiltração nos rolamentos a peças que deveriam durar 1 milhão de quilômetros, mas precisam ser trocadas após 20 mil quilômetros de uso. O trabalho trouxe à tona documentos comprovando que a Trensurb abriu mão de testes que poderiam ter identificado uma série desses problemas na época de entrega dos trens, em 2014.
A consequência
Duas sindicâncias foram abertas pela Trensurb para apurar possíveis irregularidades na compra dos 15 trens da Série 200 e na indisponibilidade da frota. O Conselho de Administração da empresa também determinou a adoção de medidas administrativas ou judiciais para as constatações apontadas nas reportagens do GDI. Informações contidas em relatório técnico divulgado na reportagem, indicando que o consórcio fabricante dos trens novos não entregou 44% das exigências ligadas ao desempenho dos veículos, foram anexadas a inquérito do Ministério Público Federal (MPF). A reportagem foi vencedora do prêmio CNT de Jornalismo, na categoria impresso.
A avaliação
Se na Justiça diz-se “o que não está nos autos, não está no mundo”, o jornalismo traz aos autos a verdade do mundo. Vários e relevantes fatos foram revelados apenas pela reportagem, até então desconhecidos do MPF.
Série revelou desfalque de R$ 18,4 milhões nos cofres do Internacional entre 2015 e 2016, durante administração do então presidente do clube Vitorio Piffero, que tinha como vice-presidentes Pedro Affatato (Finanças) e Emídio Marques Ferreira (Patrimônio). Para justificar saques de dinheiro vivo na tesouraria do clube, foram apresentadas notas fiscais de serviços de seis empresas. O GDI procurou as prestadoras e descobriu que elas não trabalharam para o Inter, não existiam ou estavam de portas fechadas. Todas eram ligadas ao mesmo escritório de contabilidade.
A consequência
Até a publicação das reportagens, o assunto despertava polêmicas e especulações, gerando dúvidas sobre o que realmente tinha acontecido. O tema era tratado por ex-dirigentes como falha nos registro contábeis e fruto de retaliação por causa do rebaixamento do Inter para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. O GDI ajudou a esclarecer os fatos e auxiliou a comissão especial do clube, aberta para investigar o caso internamente. O trabalho resultou na condenação do ex-presidente Vitorio Piffero e os ex-vices Affatato, Ferreira e Alexandre Limeira (Administração) a ficarem impedidos de ocupar cargos elegíveis em entidades esportivas por 10 anos.
A avaliação
A reportagem foi impactante pela qualidade da investigação. Depois das primeiras matérias, a pressão foi grande, de sócios, de conselheiros, perguntando quando seria concluído nosso trabalho. Encaminhamos conclusões ao MP e, lá, a investigação deve ser mais ampla.
O médico Renan dos Santos Pereira, recém-chegado a Guaíba, se tornou fenômeno político. Em 2016, aos 28 anos, foi eleito vereador com a maior votação da história do município. Em seguida, seria escolhido presidente da Câmara. Utilizando certificado de pediatria sem valor legal, atendia crianças de graça a qualquer hora do dia. Enquanto fazia campanha política em Guaíba, apresentava atestado médico falso, deixando de atender crianças doentes no Vale do Taquari, onde também atuava. Envolvido em contrato irregular de prestação de serviços médicos terceirizados, movimentou R$ 5,7 milhões em três anos e deixou de recolher impostos.
A consequência
O médico já era investigado pelo MP e, após a reportagem, foi alvo de operação e acabou afastado das funções, inclusive de médico concursado. Para escapar de cassação, renunciou ao mandato de vereador e foi demitido do município. Segue investigado pelo MP pela prática conhecida como fura-fila do SUS, que beneficiaria seus pacientes e eleitores, e virou réu em ações penais por irregularidades em licitações, associação criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e exercício ilegal da medicina.
A avaliação
A reportagem fez com que as pessoas compreendessem o que estava acontecendo em Guaíba. Despertou sentimento de revolta contra a corrupção. Deu visibilidade e credibilidade ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), levou as pessoas a entenderem a nossa atuação.
Grupo de pessoas da mesma família criou cinco empresas usando como fachada o nome Construtora Martins, em Viamão. Com promoções de casas pré-fabricadas, inclusive com anúncios no Diário Gaúcho, a construtora cobrava adiantado, mas não erguia as moradias ou, em alguns casos, deixava a obra inacabada. A reportagem desvendou o emaranhado de CNPJs, identificou seus donos e revelou dramas de dezenas de clientes lesados.
A consequência
Enxurrada de queixas contra a construtora chegou a GaúchaZH e Diário Gaúcho. Em Cachoeirinha, o sobrado de uma família desabou quando ainda estava em obra pela Martins. O Procon da Capital suspendeu temporariamente a atividade da construtora e aplicou multa de R$ 200 mil. A Delegacia de Polícia Civil do Consumidor prendeu cinco pessoas pelo golpe estimado em R$ 1,2 milhão, lesando 120 vítimas. Seis envolvidos foram indiciados por estelionato e organização criminosa. A denúncia do MP à Justiça acrescentou um sétimo. Todos viraram réus.
A avaliação
O trabalho da imprensa é sempre importante quando conjuga esforços com demais órgãos de fiscalização, no caso específico com o Procon. A operação desencadeada desde seu início com a Polícia Civil foi muito importante para devolver valores a alguns consumidores que estavam sendo lesados e para alertar os demais que ainda contratavam com a empresa na época.
Porto Alegre foi surpreendida, em setembro de 2017, pela notícia de que uma sofisticada casa de jogos de azar, atividade proibida no país, abriria as portas às claras, com investimento milionário na Zona Sul. Após quatro meses de investigação que passou por América do Sul e Europa, o GDI descobriu que os verdadeiros donos da Winfil, dois irmãos franceses, já haviam se envolvido com ato de terrorismo na França, acusação de conluio com a máfia italiana para lavar dinheiro do tráfico de cocaína e uma série de irregularidades e crimes na Bolívia, desde sonegação de impostos até corrupção e uma acusação de homicídio.
A consequência
Após a publicação da reportagem, em março deste ano, a casa de jogos foi fechada por mais de uma vez, os irmãos franceses se retiraram da sociedade e autoridades abriram investigações formais sobre o empreendimento milionário e a atuação dos seus proprietários.
Avaliação
O GDI veio em boa hora. Imprensa livre e independente pode ter esse papel. A matéria trouxe informações importantes e respeitou o tempo da investigação oficial. A questão referente a negócios dos suspeitos no Exterior foi inovadora. Trazer a pauta dos jogos ao debate público e mostrar que eles podem ser mais graves do que a mera contravenção penal também foi importante.