Enquanto a queda de árvores, o desmoronamento de margens e até o desaparecimento de partes de ilhas expõem a ineficiência do Estado em proteger o Rio Jacuí dos danos provocados pela extração de areia irregular, um prejuízo ainda mais grave se esconde embaixo dá água.
Sem o limite de 10 metros de profundidade para o trabalho das dragas, eliminado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), a mineração chegou ao fundo do rio, em ação cujas consequências ambientais tendem a ser desastrosas.
A pedido do Grupo de Investigação da RBS (GDI), o Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (Ceco) da UFRGS realizou estudo no Jacuí. Com a leitura de ondas acústicas emitidas por um sonar, o Ceco mapeou o solo no curso de água.
O teste, espécie de ecografia da área submersa, permite analisar o que não é visto ao nível das margens e indicou uma série de estragos.
A coleta das informações foi feita em 13 pontos, no percurso de 55 quilômetros de navegação entre Porto Alegre e São Jerônimo, na Região Carbonífera. É possível ter ideia dos impactos da retirada de areia ao comparar os registros de cada local. A primeira medição foi realizada entre a Capital e o município de Eldorado do Sul, perto de uma área de preservação do Delta do Jacuí, onde é proibido minerar. O resultado é o fundo do rio praticamente liso, sem danos.
As imagens são diferentes nos levantamentos feitos em áreas onde a extração de areia é permitida. Entre os municípios de Charqueadas e Triunfo, também na Região Carbonífera, o fundo do rio está repleto de cicatrizes e buracos, segundo os técnicos da UFRGS, provavelmente ocasionados por canos de dragas. O quadro é parecido em ao menos outras três áreas. Além disso, há quatro pontos no trajeto percorrido para o levantamento que indicam o rebaixamento de margens e a queda de vegetações que foram parar embaixo da água.
O fundo do Jacuí é formado por um arenito (areia que se consolidou e virou pedra) conhecido como botucatu. A fragilidade do material, que se desfaz facilmente, evidencia a necessidade de evitar o contato com os canos das embarcações extratoras. Mas a Fepam alterou, em fevereiro, a portaria reguladora da atividade e extinguiu o controle do comprimento das lanças de sucção.
Pela nova norma, a extração pode ocorrer desde que se mantenha, no mínimo, um metro de areia acima da superfície rochosa, conhecida como bedrock. A dificuldade em fiscalizar se o critério está sendo respeitado abriu brecha para os estragos apontados no estudo da UFRGS.
Um marinheiro afirmou ao GDI que, em alguns pontos do rio, mineradores inclusive furam propositalmente a rocha do fundo em busca de mais areia:
– Tinha barco que usava maraca (espécie de broca na ponta dos canos) para furar. Não tinha mais areia, só laje. Tentavam furar para ver se tinha areia embaixo.
Para o biólogo Jackson Müller, doutor em ecologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), "é extremamente grave" que a mineração de areia tenha chegado ao fundo do Jacuí.
– Causa abalo na estabilidade das margens. Mata ciliar e corredor ecológico desaparecem, caem (para dentro do rio) com a falta de sustentação. São impactos graves e de grande relevância. Outra situação com a qual o órgão ambiental deveria estar preocupado é com a alteração do ambiente da fauna que vive nesses locais.
Presidente do sindicato e da associação dos produtores e da indústria de brita, areia e saibro (Sindibritas e Agabritas), Pedro Antônio Reginato, discorda. Ele diz desconhecer irregularidades na atividade no Jacuí. Garante que os mineradores fazem tudo dentro da lei e não vê problema na extração em grandes profundidades. A secretária estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini, diz que o governo também não tem relatos sobre danos no leito rochoso do Jacuí e garante que a Fepam tem como verificar possíveis degradações e cobrar responsabilidades.
Leia nesta quarta-feira
Como o sistema de rastreamento por GPS é burlado e a morosidade de um processo na Justiça Federal, que pede o fim da mineração no Rio Jacuí há mais de 10 anos.