Dois levantamentos exclusivos obtidos pelo Grupo de Investigação da RBS revelam uma contradição: enquanto faltam vacinas em 40% das cidades do Rio Grande do Sul, o Estado descartou só neste ano R$ 7,8 milhões em imunizantes com validade vencida. Em três anos e nove meses, R$ 32 milhões em vacinas foram para o lixo.
Obtida pelo GDI, pesquisa feita pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostra que faltam vacinas em 156 dos 390 municípios pesquisados no Rio Grande do Sul. Em 101 cidades, os estoques de imunizantes contra covid para crianças estão zerados; em 85 municípios, não tem vacina contra a doença para adultos. Já o imunizante contra a varicela está em falta em 55 localidades. Outras 45 cidades enfrentam falta de vacina DTP, contra tétano, difteria e coqueluche.
— Nós não estamos aqui interessados em jogar uma culpa de um para o outro. Nós temos que saber se o município está aplicando bem ou não e, eventualmente, se não está também. Mas, nesse momento, o que nós constatamos é que há falta de vacina. Eu estou falando em nível mais geral. Isso é importante que a população tome conhecimento, isso é o princípio da transparência — diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
Enquanto faltam vacinas nos postos, o governo do Estado joga fora imunizantes com validade vencida. Levantamento obtido pela reportagem com base na Lei de Acesso à Informação aponta um descarte que soma R$ 32 milhões em vacinas vencidas entre janeiro de 2021 e setembro deste ano. Tudo isso representa quase um 1,5 milhão de doses. Só neste ano foram descartadas quase 220 mil doses de vacina contra a covid, um prejuízo de mais de R$ 7,3 milhões.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) aponta como causas o envio de doses pelo Ministério da Saúde com validade próxima de vencer e ainda o descarte de imunizantes por estarem desatualizados em função do surgimento de novas cepas da doença. E tem ainda a desinformação.
— Infelizmente, eu acho que informações falsas sobre vacinas são algo que dificulta bastante. A gente percebia que antes as pessoas tinham mais segurança em vir procurar as vacinas, né? Porque a gente tem um insumo, tem um trabalhador qualificado e infelizmente, em virtude de algumas informações que não são verdades, que não são aliadas à questão da ciência, as pessoas começaram a ficar mais inseguras — afirma Tatiana Castilhos, responsável técnica pela Central de Armazenamento e Distribuição dos Imunobiológicos da SES.
A baixa procura por vacinas é confirmada em postos de saúde de Porto Alegre, que já percebem aumento de casos de doenças como a coqueluche. No Rio Grande do Sul, são 125 registros neste ano, contra 21 casos em 2023.
— A gente tem observado em algumas vacinas uma diminuição da procura. Dentre elas, a gente tem, por exemplo, a DTP, que previne contra difteria, tétano, coqueluche. O que acontece com a DTP? Ela está em 78% (quando o recomendável é 95% de cobertura). Ela está aquém do que a gente precisa e a gente já está sofrendo as consequências. Teve um estudo que apontou aumento de 600% nos casos de internação por coqueluche, é muito alto — alerta Eveline Rodrigues, diretora adjunta da Atenção Primária de Porto Alegre.