Adicionado há algumas semanas ao catálogo da Netflix, O Informante (The Informer, 2019) é uma obra que prende o espectador — literalmente.
É verdade que o roteiro tem seus clichês e seus furos e que os personagens não são bem desenvolvidos, mas a trama consegue envolver, o elenco trabalha bem e a direção é competente em criar uma tensão desgraçada.
Trata-se de um thriller estadunidense assinado pelo italiano Andrea Di Stefano, o mesmo de Escobar: Paraíso Perdido (2014), e protagonizado pelo sueco Joel Kinnaman, das séries The Killing, House of Cards e Altered Carbon e da franquia Esquadrão Suicida, tendo como coadjuvantes a cubana Ana de Armas, os ingleses Clive Owen e Rosamund Pike e o polonês Mateusz Kosciukiewicz, além do rapper Common. Kinnaman interpreta Peter Koslow, um informante da polícia que, após se meter em uma enrascada, precisa infiltrar-se como prisioneiro numa penitenciária de alta segurança para obter informações sobre um criminoso da Polônia que lidera uma perigosa gangue de Nova York.
Embora não fique a maior parte do tempo concentrado nesse cenário, O Informante se insere na tradição dos filmes de prisão (e aqui vamos deixar de lado os documentários, senão a lista seria interminável — veja, ao final, em quais plataformas de streaming assistir aos títulos citados). Tal tradição tem alguns elementos típicos: carcereiros sádicos, grades intransponíveis, rebeliões violentas, o cotidiano no corredor da morte e presos espertos bolando um engenhoso plano de fuga.
Papillon e Alcatraz
Esse subgênero cinematográfico abriga várias versões de O Conde de Monte Cristo — romance publicado em 1846 por Alexandre Dumas (pai) sobre o homem que escapole da masmorra para se vingar de quem o traiu — e outras obras clássicas. É o caso de Papillon (1973), baseado no livro supostamente autobiográfico de Henri Charrière, dirigido por Franklin J. Schaffner e estrelado por Steve McQueen e Dustin Hoffman. O filme se passa na Ilha do Diabo, degradante depósito de criminosos perdido na Guiana Francesa. Ganhou uma refilmagem em 2017, pelas mãos de Michael Noer, com Charlie Hunnam e Rami Malek nos papéis principais.
Outra filial do inferno na Terra é o presídio turco por onde vai parar, devido a posse de haxixe, o estudante estadunidense (Brad Davis) de O Expresso da Meia-Noite (1978), título de Alan Parker que conquistou os Oscar de roteiro adaptado (escrito pelo futuro cineasta Oliver Stone) e trilha sonora (composta por Giorgio Moroder) e concorreu a melhor filme, diretor, ator coadjuvante (John Hurt) e edição.
Alcatraz: Fuga Impossível (1979), parceria do diretor Don Siegel com o ator Clint Eastwood, retrata a façanha dos únicos prisioneiros que deram o pinote do até então invencível cárcere da ilha na baía de São Francisco. Mais recentemente, Rota de Fuga (2013), de Mikael Håfström, juntou Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e o rapper 50 Cent em uma penitenciária altíssima segfurança.
Da liberdade ao milagre
Uma das mais criativas escapadas do xilindró já filmadas, pela artimanha e pela persistência, está em Um Sonho de Liberdade (1994), número 1 entre os usuários do site IMDb. Todo o culto em torno desta adaptação de Frank Darabont para um conto de Stephen King é justificado. A história do banqueiro (Tim Robbins) condenado pelo assassinato de sua esposa e do amante dela concorreu a sete Oscar, incluindo melhor filme e ator coadjuvante (Morgan Freeman, que a partir daí passou a ser costumeiramente escalado também como narrador).
Na mesma linha redentora, vale destacar dois filmes europeus. No francês O Profeta (2009), de Jacques Audiard, um jovem delinquente muçulmano (Tahar Rahim) tenta sobreviver em uma prisão, onde vira o protegido de um chefão da máfia e passa a realizar missões para o criminoso. No turco Milagre na Cela 7 (2019) —, que, na verdade, é a versão de uma obra da Coreia do Sul —, Mehmet Ada Öztekin tem como protagonista um pai com atraso mental que é condenado à forca sob a acusação de matar a filha de um poderoso militar.
Redford e Babenco
Um dos bons títulos em que o foco não está em pular fora do calabouço é Brubaker (1980), de Stuart Rosenberg, em que Robert Redford encarna um diretor de presídio que enfrenta a corrupção e a violência contra os detentos. O roteiro original foi indicado ao Oscar. Redford voltou a se rebelar contra o sistema prisional em A Última Fortaleza (2001), agora atrás das grades. No filme de Rod Lurie, o ator encarna um militar condenado por crime de desobediência. James Gandolfini faz o violento diretor da Prisão Estadual do Tennessee, onde também estão confinados os personagens de Delroy Lindo e Mark Ruffalo.
No futurista Fuga de Nova York (1981), a cidade foi transformada em um campo de segurança máxima onde o presidente dos EUA vai parar após um acidente aéreo. John Carpenter dirige, e o anti-herói vivido por Kurt Russell, Snake Plissken, voltaria em Fuga de Los Angeles (1996). Outra distopia digna de lembrança é a do espanhol O Poço (2019), de Galder Gaztelu-Urrutia, em que um presídio vertical representa a lógica da sobrevivência egoísta e da desigualdade social: quem está no topo nem dá bola para quem está embaixo.
Falando nisso, o Brasil também está representado. Nelson Pereira dos Santos adaptou em 1984 Memórias do Cárcere, livro de Graciliano Ramos sobre a época em que o escritor alagoano (vivido por Carlos Vereza) esteve detido por ordens do Estado Novo, na segunda metade da década de 1930. Héctor Babenco filmou Carandiru (2003), superprodução baseada em livro do médico Drauzio Varella (interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos). As histórias de detentos vividos por atores como Rodrigo Santoro, Lázaro Ramos, Wagner Moura e Gero Camilo culmina com o massacre de 1992 no presídio de São Paulo, então o maior da América Latina.
No corredor da morte
O corredor da morte, nome dado à ala onde estão prisioneiros condenados à execução, constitui um filão à parte. Em Suplício de uma Alma (1956), de Fritz Lang, um dono de jornal contrário à pena capital convence seu futuro genro a deixar-se incriminar em um caso de assassinato. O objetivo da arriscada manobra é mostrar que um julgamento baseado apenas em provas circunstanciais pode levar à execução de um inocente.
Por Eu Quero Viver (1958), de Robert Wise, Susan Hayward ganhou o Oscar de melhor atriz no papel de uma mulher condenada à câmara de gás pelo espancamento até a morte de uma senhora viúva. A certa altura, ela passa a gritar sua inocência.
Em Justa Causa (1995), de Arne Glimcher, Sean Connery interpreta um professor de Direito que, 25 anos depois de abandonar os tribunais, tenta provar a inocência de um jovem negro sentenciado por estuprar e matar uma garota branca.
Os Últimos Passos de um Homem (1995), de Tim Robbins, valeu a Susan Sarandon o Oscar de atriz. Ela encarna a freira Helen Prejean (uma personagem real), que se torna guia espiritual e, por fim, procura salvar um homem (Sean Penn) da pena capital. Robbins e Penn disputaram a estatueta dourada, assim como a canção título, Dead Man Walking, de Bruce Springsteen.
No auge da fama (no mesmo ano, concorreu ao Oscar por Cassino), Sharon Stone estrelou A Última Chance (1996), de Bruce Beresford, sobre uma mulher condenada por duplo homicídio.
Depois do sucesso de Um Sonho de Liberdade, o diretor Frank Darabont voltou a adaptar uma história de Stephen King ambientada em um presídio. Foi À Espera de um Milagre (1999), drama sobrenatural que narra o cotidiano de um agente penitenciário (Tom Hanks) durante a Grande Depressão, nos anos 1930. Disputou quatro Oscar, incluindo melhor filme e ator coadjuvante (Michael Clarke Duncan).
Clint Eastwood dirige e protagoniza Crime Verdadeiro (1999), na pele de um jornalista escalado para entrevistar um presidiário negro (Isaiah Washington) no dia de sua execução. Mas será que ele é mesmo culpado? Há tempo para trazer à tona a verdade?
Último filme de Alan Parker — e bastante criticado —, A Vida de David Gale (2003) conta com Kevin Spacey no papel de um professor de Filosofia, ativista da abolição da pena capital no Texas, que vai parar no corredor da morte, acusado e julgado por estuprar e assassinar sua colega de causa e melhor amiga (Laura Linney). Uma repórter (Kate Winslet) investiga o caso.
Em Luta por Justiça (2019), de Destin Daniel Cretton, Michael B. Jordan interpreta Bryan Stevenson, advogado estadunidense que, no Alabama do final dos anos 1980, brigou para libertar um homem negro, Walter McMillian (vivido por Jamie Foxx), injustamente condenado à morte.
17 filmes para ver no streaming
- O Conde de Monte Cristo (1975): em cartaz no Looke
- O Expresso da Meia-Noite (1978): Google Play e YouTube
- Alcatraz: Fuga Impossível (1979): Amazon Prime Video
- Memórias do Cárcere (1984): Globoplay
- Um Sonho de Liberdade (1994): Apple TV, Now, Google Play e YouTube
- Os Últimos Passos de um Homem (1995): Amazon Prime Video
- À Espera de um Milagre (1999): Apple TV, Google Play e YouTube
- Crime Verdadeiro (1999): YouTube
- A Última Fortaleza (2001): Telecine
- Carandiru (2003): Globoplay
- O Profeta (2009): Apple TV e HBO Go
- Rota de Fuga (2013): (Amazon Prime Video, Netflix, Telecine, Google Play e YouTube)
- Papillon (2017): Telecine e YouTube
- Luta por Justiça (2019): YouTube
- Milagre na Cela 7 (2019): Netflix, Google Play e YouTube
- O Informante (2019): Netflix
- O Poço (2019): Netflix
6 séries ambientadas em prisões
- Oz (1997-2003): a série completa foi lançada em DVD pela Paramount
- Prison Break (2005-2009/2017): Amazon Prime Video e Globoplay
- Orange Is the New Black (2013-2019): Netflix
- Vis a Vis (2015-2019): Netflix
- Carcereiros (desde 2017): Globoplay
- Manual do Presidiário (2017-2018): Netflix