Alan Parker, que morreu nesta sexta-feira (31), aos 76 anos, foi um dos grandes cineastas britânicos das décadas de 1970, 1980 e 1990. Concorreu ao Oscar por Expresso da Meia-Noite (1978) e Mississipi em Chamas (1988), ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes por Asas da Liberdade (1984), assinou o cultuado suspense Coração Satânico (1987) e realizou um punhado de musicais — de Quando as Metralhadoras Cospem (1976), com uma Jodie Foster adolescente, a Evita (1996), protagonizado por Madonna, passando por Fama (1980), Pink Floyd — The Wall (1982) e The Commitments (1991).
Quis o destino que seu último filme, lançado há quase 20 anos — Parker enfrentava uma "longa doença", segundo um comunicado —, fosse A Vida de David Gale (2003), uma obra que não faz jus a sua carreira.
O filme é estrelado por Kevin Spacey — à época, ainda um nome de ponta em Hollywood, depois de ganhar o Oscar de melhor ator por Beleza Americana (1999) e estrelar obras como Los Angeles Confidencial (1997) e Os Suspeitos (1995), pelo qual concorreu à estatueta de coadjuvante.
Ele interpreta o professor de Filosofia David Gale, um impetuoso defensor da abolição da pena de morte no Texas, o Estado americano onde, então, havia o maior número de execuções.
Ironicamente, o ativista vai parar no Corredor da Morte, acusado e julgado por estuprar e assassinar, de modo extremamente brutal, sua colega de causa e melhor amiga, Constance (a talentosa Laura Linney).
Tudo é muito improvável no roteiro escrito por Charles Randolph, que depois venceria o Oscar de melhor script adaptado por A Grande Aposta (2015). As coisas ficam ainda mais esquisitas quando a atrevida repórter encarnada por Kate Winslet, Bitsey Bloom, começa a investigar o caso, após sua revista pagar US$ 500 mil por três entrevistas com Gale, faltando quatro dias para a execução.
Enquanto ela e um estagiário são vigiados por um caubói misterioso — um clichê ambulante —, flashbacks mostram a decadência do protagonista: por ambição, sai derrotado de um debate na TV com o governador texano, entusiasta da pena de morte; é acusado falsamente de estupro por uma ex-aluna; e cai de vez no alcoolismo.
Na discussão sobre a sentença capital, A Vida de David Gale nada acrescentou a títulos mais ou menos contemporâneos, como Os Últimos Passos de um Homem, de Tim Robbins, e Crime Verdadeiro, de Clint Eastwood. E Alan Parker, que afirmava ser contra a pena de morte, acabou retratando como patéticos quem estava do lado dele. Para piorar, a solução do crime recorre a uma surpresinha final bastante inverossímil.
Ou seja: uma despedida em baixa de um cineasta que lançou filmes marcantes.
Em tempos de caso George Floyd, por exemplo, vale revisitar Mississipi em Chamas. As animações de The Wall, por sua vez, tornaram-se icônicas. E a descida ao inferno do protagonista de Coração Satânico é um passeio sensual e soturno que ninguém esquece.