Completados os primeiros cinco meses de 2024, resolvi atualizar a lista dos melhores filmes do ano até agora.
Por enquanto, continuamos com um problema: poucos dos títulos que de fato são de 2024 me conquistaram a ponto de garantir vaga neste ranking afetivo. Ficou de fora, por exemplo, o elogiado Duna: Parte 2, atual campeão de bilheteria — para o meu gosto, embora traga uma discussão muito pertinente sobre messianismo, a sequência do épico de ficção científica perdeu o encanto do novo e cedeu demais a convenções hollywoodianas, o que inclui diálogos bastante expositivos e um vilão caricatural (Austin Butler).
Então, a seleção dos melhores "do ano" ainda tem muitos representantes de 2023 (ou até de 2022) que só nesta temporada estrearam comercialmente no Brasil. Friso o "comercialmente" para justificar a presença de obras que já haviam sido exibidas em festivais no ano passado.
A ordem é puramente alfabética. Clique nos links se quiser saber mais.
1) Meu Amigo Robô (2023)
De Pablo Berger. O diretor espanhol competiu no Oscar dos longas de animação com este filme ambientado na Nova York dos anos 1980, onde um cachorro compra um robô pra fazer companhia a ele. É uma história linda e sem diálogos sobre solidão, amizade e lealdade. (Ainda sem data de estreia no streaming)
2) Anatomia de uma Queda (2023)
De Justine Triet. Interpretando em francês e em inglês, a atriz alemã Sandra Hüller tem um dos desempenhos mais elogiados dos últimos tempos na pele de uma escritora suspeita de matar o marido. A investigação traz à tona as fissuras do casamento e permite ao roteiro — premiado no Oscar — discutir o que é verdade, a ilusão das palavras e o poder das narrativas. (Amazon Prime Video)
3) As Bestas (2022)
De Rodrigo Sorogoyen. Vencedor de nove prêmios Goya e exibido no ano passado no Fantaspoa e no Festival Varilux, o filmaço espanhol está ambientado em uma aldeia no interior da Galícia, onde o diretor acompanha as desavenças de um casal francês — que cultiva vegetais e reabilita casas abandonadas — com os vizinhos, que querem vender as terras para a implementação de um parque eólico. (Ainda sem data de estreia no streaming)
4) Os Colonos (2023)
De Felipe Gálvez. O primeiro longa-metragem do diretor chileno tem forte parentesco com o mais recente do veterano Martin Scorsese, Assassinos da Lua das Flores (2023). É outro faroeste revisionista, agora ambientado na fronteira do Chile com a Argentina, no inóspito arquipélago da Terra do Fogo, que retrata o massacre das populações nativas pelos homens brancos, por motivos que vão da ganância ao racismo, do ego masculino a um suposto progresso. Novamente, é pelo ponto de vista de um personagem indígena que testemunhamos a perfídia e a crueldade. E em Os Colonos também há um salto no tempo no epílogo, que, com ironia, critica a institucionalização da violência e a hipocrisia sociopolítica. (MUBI)
5) Dias Perfeitos (2023)
De Wim Wenders. Sob direção do cineasta alemão e com canções de Nina Simone, Lou Reed, Van Morrison e Patti Smith na trilha sonora, representou o Japão no Oscar internacional. Acompanhamos o dia a dia de um faxineiro (Koji Yakusho, prêmio de melhor ator no Festival de Cannes) dos banheiros públicos de Tóquio. Solitário e quase calado, ele vai nos ensinar a arte do komorebi, a beleza da rotina e o prazer das coisas simples da vida. (MUBI)
6) Furiosa: Uma Saga Mad Max (2024)
De George Miller. Em um intervalo de três dias, fui duas vezes ao cinema para assistir às duas horas e meia do filme de origem da personagem de Mad Max: Estrada da Fúria (2015). A primeira foi só para me deixar impactar. A segunda, para tentar o impossível: enxergar como Miller e sua equipe produziram, de novo, as mais incríveis cenas de ação dos últimos tempos. Só um making of detalhadíssimo pode explicar a forja da ilusão: o espectador é levado a acreditar que estão realmente acontecendo os duelos corpo a corpo ou motorizados e as perseguições de carro, de moto, de caminhão, a cavalo ou até via aérea no vasto deserto de uma Austrália pós-apocalíptica.
E isso ocorre porque George Miller, aos 79 anos, volta a oferecer uma tremenda lição a cineastas mais jovens que apresentam sequências sujas e confusas como sinônimo da urgência e do caos de um combate. Na companhia do diretor de fotografia Simon Duggan, da dupla de editores Margaret Sixel (sua esposa) e Eliot Knapman e do coordenador de dublês Guy Norris (creditado como "action designer"), coloca a ação sempre no centro da cena. Que é limpa, digamos, apesar de não raro respingar sangue de mentirinha na lente da câmera. Nada que prejudique o olhar do público, concentrado no meio da tela, seguindo o deslocamento dos personagens, dos veículos, das lanças, das bombas e de outras peças de um arsenal entre o arcaico e o engenhoso. A monocromia e a amplidão dos cenários são aliados de peso em Furiosa, indicando profundidade e destacando no que devemos prestar atenção. (Em cartaz nos cinemas)
7) The G (2023)
De Karl R. Hearne. O diretor e roteirista canadense faz uma abordagem neo-noir para um candente tema social, o dos idosos ludibriados pelos guardiões legais. A trama é protagonizada por Dale Dickey, coadjuvante em títulos como A Promessa (2001), Inverno da Alma (2010), A Qualquer Custo (2016) e Palm Springs (2020). Aqui, ela interpreta uma vovó durona - daí o G do título, uma abreviação da substantivo inglês grandmother. Na trama, depois que um tutor corrupto coloca um casal em um lar de idosos para tomar posse de sua propriedade, Ann (papel de Dickey) sai em busca de vingança com a ajuda de sua neta Emma (Romane Denis). A personagem da atriz sexagenária remete àqueles tipos que Liam Neeson começou a encarnar quando já estava perto dos 60 anos, em filmes como Busca Implacável (2008) e Vingança a Sangue Frio (2019), sujeitos com um passado algo obscuro que precisam voltar à ativa e tomar medidas extremas quando sua família corre perigo. Ann não chega a ser atlética no combate corpo a corpo, mas se vira bem com armas de fogo e sabe os atalhos para machucar os vilões. Com sua voz rouca, profere algumas frases antológicas, como esta: "Minha mãe dizia que soltar a raiva fazia viver mais. Ela morreu com 102 anos". (Foi exibido no Fantaspoa e ainda não tem previsão de estreia)
8) O Homem dos Sonhos (2023)
De Kristoffer Borgli. Nicolas Cage interpreta um professor universitário que leva uma vida absolutamente comum ao lado da esposa e das duas filhas, mas que acaba ganhando fama global ao aparecer nas fantasias noturnas de quase todo mundo. Não raro, em situações de perigo ou terror — ou ainda eróticas. O enredo incita o cineasta norueguês a criar cenas que embaralham o real e o imaginado e a abordar os fenômenos midiáticos, a fabricação da fama, o narcisismo patológico e a cultura do cancelamento. (Disponível para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
9) O Mal que nos Habita (2023)
De Demián Rugna. Neste filme argentino de terror, os moradores de uma pacata cidade do interior recebem uma notícia alarmante: um homem infectado pelo diabo está prestes a dar à luz um demônio real. Desesperados, os habitantes tentam escapar do local. Tem a cena mais chocante dos últimos tempos. (Estreia na Netflix no dia 14/6)
10) Planeta dos Macacos: O Reinado (2024)
De Wes Ball. Ambientado 300 anos depois da morte de César, o líder da rebelião e da evolução dos macacos, o quarto título da revitalização da franquia tem uma cena capaz de perturbar o público gaúcho. Ao mesmo tempo, como é característico da saga, O Reinado faz comentários políticos e convida a refletir sobre a arrogância humana em relação à natureza e às outras formas de vida na Terra. (Em cartaz nos cinemas)
11) Pobres Criaturas (2023)
De Yorgos Lanthimos. Ganhadora do Oscar nas categorias de melhor atriz (Emma Stone), design de produção, figurinos e maquiagem e cabelos, esta mistura de Frankenstein, socialismo e muito sexo talvez seja o filme mais polêmico da temporada. Para algumas pessoas é uma obra-prima feminista; para outras, uma ofensiva fantasia sexual masculina. (Star+)
12) A Primeira Profecia (2024)
De Arkasha Stevenson. Eu confesso que quase deixei passar, cansado de tantas apostas de Hollywood na nostalgia e do excesso de títulos de terror protagonizados por freiras. Mas o prelúdio do clássico A Profecia (1976) chega a ser diabolicamente divino. Tudo começa com uma ótima ideia: contar a história da mãe de Damien, o Anticristo, mulher que não havia recebido atenção nos cinco filmes e no seriado anteriores. (Foi exibido nos cinemas e deve estrear em breve no streaming)
13) Rivais (2024)
De Luca Guadagnino. A história começa durante a final de um torneio de tênis segunda categoria. De um lado, está Art Donaldson (Mike Faist), que já foi campeão de quase tudo, mas agora vive uma má fase e vem pensado bastante em se aposentar, para desgosto de sua esposa, treinadora e empresária, Tashi Duncan (Zendaya), uma ex-estrela do esporte. Do outro, está Patrick Zweig (Josh O'Connor), número 270 e poucos do ranking mundial e sem dinheiro pra pagar o hotel: ele acaba dormindo no carro. Os flashbacks vão contar que os dois tenistas já foram melhores amigos, ou quem sabe mais do que isso, até que a personagem da Zendaya entrou na vida deles. É um filme cheio de tênis e de tesão, com uma trilha sonora que traduz tanto a tensão dos jogos quanto a urgência sexual. (Foi exibido nos cinemas e deve estrear em breve no streaming)
14) A Sala dos Professores (2023)
De Ilker Çatak. Foi o filme da Alemanha no Oscar internacional. Na trama, uma professora idealista (Leonie Benesch) resolve investigar uma série de furtos na escola. Um aluno dela, filho de imigrantes, é o principal suspeito. A cada passo, a protagonista afunda numa espécie de areia movediça do campo da ética. (Disponível para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
15) Segredos de um Escândalo (2023)
De Todd Haynes. Em sua quinta parceria com o diretor, Julianne Moore interpreta Gracie, personagem inspirada em uma história real de pedofilia: a da professora de 36 anos que acabou tendo dois filhos com um aluno de 13 anos. Natalie Portman encarna a atriz de Hollywood que vai fazer um filme sobre o casal, abrindo a porta para este filmaço reexaminar a relação dos dois e retratar o tema da duplicidade. (Amazon Prime Video)
16) Todos Nós Desconhecidos (2023)
De Andrew Haigh. Indicado a categorias do Bafta e do Globo de Ouro, foi um dos grandes esnobados no Oscar.
Na trama que se passa em Londres, Andrew Scott interpreta Adam, um roteirista que leva uma vida pacata e monótona em seu apartamento. Durante um teste de alarme no condomínio, ele acaba conhecendo um vizinho, Harry (Paul Mescal). À medida que o romance entre os dois avança, Adam regride no tempo: começa a visitar a casa de sua infância e conversar com os pais (personagens de Jamie Bell e Claire Foy). Não é spoiler o que vem a seguir: os dois morreram muito tempo atrás. A direção de fotografia, a edição e a trilha sonora dão uma aparência etérea, onírica e algo fantasmagórica a este filme bonito sobre solidão, luto e traumas ligados à sexualidade, à relação com os pais e ao bullying na escola. (Star+)
17) Vidas Passadas (2023)
De Celine Song. Jamais é manipulativo ou maniqueísta no retrato de um triângulo amoroso que tem como vértice uma escritora (Greta Lee) que emigrou da Coreia do Sul para os Estados Unidos. Concorreu ao Oscar de melhor filme e ao troféu de roteiro original ao perguntar: se aquela paixão do passado reaparecer, o que a gente faz? (Canal Telecine do Amazon Prime Video e do Globoplay)
18) Zona de Interesse (2023)
De Jonathan Glazer. Vencedor do Oscar internacional, perturba ao mostrar o cotidiano familiar do nazista comandante de Auschwitz, onde pelo menos 1,1 milhão de judeus foram exterminados. Ganhou também a estatueta de som, graças a um trabalho assombroso: existe o filme que a gente vê e o filme que a gente ouve. (Amazon Prime Video)