Levar Duna, a aclamada obra de Frank Herbert (1920-1986) de 1965, para os cinemas não é tarefa fácil. Longe disso. Denso, o universo criado pelo escritor norte-americano mescla uma narrativa política com uma forte análise sobre religiosidade. O livro ainda tem como característica o fato de ser um épico espacial, que exige uma adaptação com altíssimo investimento tecnológico e financeiro para conseguir transpor, pelo menos em partes, os elementos abordados minuciosamente nas 620 páginas da publicação original.
Um dos mais célebres cineastas de sua geração, David Lynch fracassou ao levar a obra aos cinemas em 1984. Antes disso, ainda na década de 1970, o aclamado cineasta chileno Alejandro Jodorowsky tentou fazer a sua versão, mas ela sequer saiu do papel. Muito se especulou sobre quando a adaptação definitiva de Duna conseguiria chegar aos cinemas como, de fato, a obra merecia. E, para muitos fãs, isso ocorreu, finalmente, em 2021, pelas mãos do talentoso Denis Villeneuve (Blade Runner 2049, A Chegada).
Quase dois anos e meio depois, chega às telonas a segunda parte da aventura, para dar conta do primeiro livro de Herbert e, também, entregar o fechamento para aquele final aberto e anticlimático deixado pelo seu antecessor. E, bem, quem for ao cinema buscando conclusões pode se decepcionar. Duna: Parte 2 também se encerra deixando um enorme gancho para uma nova parte, sendo outro filme-ponte — e o próprio Villeneuve já deixou claro que pretende fazer um terceiro longa, adaptando Messias de Duna (1969).
Na trama de Parte 2, que começa imediatamente após os eventos do filme de 2021, Paul Atreides (Timothée Chalamet) se une a Fremen em busca de vingança contra os conspiradores que mataram seu pai e tomaram o trono de Arrakis. Porém, em sua jornada, ele começa a se tornar uma lenda entre o povo originário do planeta desértico e, devido a seu dom premonitório, passa a enxergar que o seu futuro é liderar aquelas pessoas em uma guerra santa, que deixará uma legião de mortos — destino este que o herói tenta evitar.
Grandeza e religião
Se comete um erro semelhante ao de seu antecessor ao entregar um final que não finaliza nada, Duna: Parte 2 tenta arrumar algumas questões que foram questionadas na primeira aventura comandada por Villeneuve. A principal delas é a falta de ação do filme de 2021. Agora, o cineasta investe em mais sequências de porradaria e bombardeios, inserindo momentos que sequer estão na obra original para dar mais dinâmica e agradar aos fãs de blockbusters. O resultado é efetivo: pouco se sente as duas horas e 46 minutos de projeção.
Ao mesmo tempo, o diretor, que também escreve a adaptação ao lado de Jon Spaihts, consegue inserir elementos que fogem do tradicional dos filmes de grande orçamento de Hollywood — Parte 2 custou US$ 190 milhões —, debatendo temas importantes para os tempos atuais. Um deles é a questão do poder da religião para manipular massas, questionando falsos profetas e como a fé cega faz com que sociedades inteiras parem no tempo à espera de um messias. O debate consegue ser simples, mas efetivo. Uma atualização necessária do texto original.
Mas simplificar, talvez, seja o verbo que define este novo capítulo da franquia. Villeneuve e Spaihts — ambos também assinaram o primeiro Duna, acompanhados de Eric Roth — buscam deixar a história de Herbert mais mastigável para o grande público, cortando pontos mais cinzentos e apostando no maniqueísmo. Os personagens, então, são transformados para se encaixar neste formato, com Paul e Jessica Atreides (Rebecca Ferguson), filho e mãe, sendo os principais exemplos: enquanto o jovem se torna mais aprazível, ela vira uma figura mais maquiavélica. O que não condiz com as personalidades de ambos.
Entregue ao romance com Chani (Zendaya), ainda, Paul — também conhecido como Muad'Dib — tem a sua construção como o escolhido afetada para que o personagem possa ser mais humanizado na trama. Esta decisão não seria um grande problema se não influenciasse na verossimilhança, tornando difícil de acreditar que milhões de pessoas venerem uma figura que entrega poucos indícios da grandeza de sua lenda. Eis que é necessário alterar a essência de Jessica para suprir esta lacuna, sendo ela a responsável, de maneira cínica, por inflar a importância do filho. Uma solução que é fácil, mas que enfraquece um universo que é bem mais complexo do que isso.
Mesmo com ressalvas, Duna: Parte 2 é um espetáculo visual caprichado, totalmente filmado em um mais do que justificado formato IMAX e com um design de produção de um perfeccionismo impressionante. Mas o que supera todos os problemas, de fato, é ouvir a trilha sonora épica de Hans Zimmer em uma sala de cinema com um bom áudio. Se a história fica um pouco aquém do mundo imaginado por Herbert, a experiência cinematográfica, pelo menos, serve para enxergar como é Arrakis em toda a sua grandiosidade. E isso já vale o ingresso.