Mesmo com os cinemas brasileiros oferecendo diversos filmes indicados ao Oscar nas últimas semanas e, também, com o hit espírita nacional Nosso Lar 2: Os Mensageiros em exibição, um longa-metragem de um gênero que já não era mais tão popular roubou a cena. Trata-se de Todos Menos Você, comédia romântica que veio para mostrar que ainda é possível rir e se apaixonar com os personagens na telona, algo que já foi bem comum, principalmente nos anos 1990, mas que perdeu força na década passada. Inclusive, as romcoms, como são chamadas em inglês, tiveram o seu "óbito" decretado em 2013 pela revista especializada The Hollywod Reporter.
Pois bem, parece que uma ressurreição está acontecendo nos cinemas. Dirigido por Will Gluck (Amizade Colorida), Todos Menos Você já faturou, ao redor do mundo, mais de US$ 170 milhões — valor impressionante, visto que o orçamento do título é de US$ 25 milhões, quase sete vezes menor que o faturamento. Um sucesso, mesmo que as críticas especializadas tenham sido mornas: no Rotten Tomatoes, 53% de aprovação. Porém, vale apontar que comédias românticas famosas tiveram recepções parecidas, como Uma Linda Mulher (1990) e Como Perder um Homem em 10 Dias (2003), mostrando que o que cativa o grande público não são os mesmos elementos avaliados pelos profissionais das resenhas.
— É muito interessante que as comédias românticas voltem a cartaz, independentemente de serem de gosto duvidoso ou não. Elas sempre trabalham brincando com o espectador, entre o romântico e o cético. Passa-se o filme todo pensando se aquilo vai, de alguma maneira, resultar em algo duradouro ou não. Então, acho que é muito legal de se assistir, com uma plateia cheia, um filme que está discutindo um ponto de vista, o amor, mas também o acaso e como as pessoas se relacionam — afirma o cineasta e professor do curso de Produção Audiovisual da PUCRS Fabiano de Souza.
Em 2023, Que Horas Eu te Pego?, comédia que se torna romântica da metade em diante, com Jennifer Lawrence, ajudou a ensaiar o retorno do gênero com força às telonas no pós-pandemia, fazendo barulho. Vale deixar claro que as romcoms continuavam existindo no cinema, mas muito mais tímidas que antigamente, passando praticamente batidas. O interesse dos grandes estúdios ao fazer um investimento para as salas de cinema estava restrito a produções que tivessem potencial para se tornar franquias — mesmo que com um investimento alto. Não queriam riscos depois de algumas quedas.
Na década passada, depois de sua explosão de popularidade, os filmes do gênero patinavam para conseguir lotar os cinemas. Como Você Sabe (2010), comédia romântica que, surpreendentemente, marcou a despedida de Jack Nicholson da atuação, por exemplo, foi uma aposta altíssima, com um investimento de nada menos que US$ 120 milhões. Não deu outra: fracasso. Arrecadando apenas US$ 48 milhões ao redor do mundo, o longa-metragem foi considerado um dos grandes prejuízos daquela época e mostrou que o gênero já não tinha forças, mesmo com grandes estrelas e pomposos orçamentos.
Assim, os filmes água com açúcar, como eram chamados, depois de praticamente sumirem das salas de cinema, começaram a sua jornada de redescoberta, de verdade, nos últimos anos, com os serviços de streaming passando a investir em produções de orçamento médio para enriquecer os catálogos. Porém, o movimento só ocorreu depois de validações pela base de pesquisas dos clientes e o uso de algoritmo. Foi neste cenário que as comédias românticas tiveram a chance de se proliferar — também é importante lembrar que houve um tempo para que se pudesse sentir a ausência delas.
Assim, títulos baratos, como A Barraca do Beijo e Para Todos os Garotos que Já Amei, ambos de 2018, tornaram-se grandes sucessos, ganhando sequências, ficando semanas no top 10 da Netflix, reaquecendo o gênero e atraindo também os mais jovens. Tal movimento chamou de volta as grandes estrelas para as romcoms, de Reese Witherspoon a Ashton Kutcher, que estrelaram juntos Na Sua Casa ou na Minha? (2023), da mesma plataforma. A fórmula descansou e voltou a encantar, pelo menos no digital.
Concomitantemente, o cinema dos universos compartilhados começou a se atrapalhar em seu próprio emaranhado de possibilidades. Os estúdios, então, passaram a olhar para a performance das romcoms no streaming e não demorou para que as portas fossem reabertas para o gênero — mesmo que com menos diversidade do que algumas incursões mais modernas. O casal heterossexual, branco e dentro do padrão estético é o que puxa espectadores para as salas escuras. Pelo menos, é esta formatação que ganha espaço e alguns milhões a mais.
Elogiadas tentativas da década passada no cinema, Com Amor, Simon (2018) — com tema gay — e Doentes de Amor (2017) — com protagonista não branco — não conseguiram mais de US$ 70 milhões em bilheteria mundial cada. Já Ingresso Para o Paraíso (2022), com Julia Roberts e George Clooney, mesmo que acompanhe personagens principais na casa dos 50 anos, o que já foge um pouco do lugar-comum, fez quase US$ 170 milhões. É claro que o nome das estrelas conta neste caso, mas também mostra que apostas maiores seguem o caminho mais confortável.
Inspiração em peça de Shakespeare
No caso de Todos Menos Você, a história acompanha Bea (Sydney Sweeney) e Ben (Glen Powell) que, após se esbarrarem em um café, combinam um encontro. Após uma noite quase perfeita, porém, a relação de ambos esfria até pararem de se falar. Anos depois, os dois acabam sendo coincidentemente convidados para o mesmo casamento na Austrália. Por lá, eles acabam fazendo um trato: fingir ser um casal para todos até o casório acabar. Mas a tarefa se torna complicada quando os convidados e familiares percebem a antipatia que nutrem um pelo outro.
O enredo é bem simples e tem um quê de déjà-vu. E não é para menos: o longa-metragem é baseado na peça shakespeariana Muito Barulho por Nada, de 1598. É o caso de diversos outros textos do poeta inglês, como A Megera Domada, de 1594, que inspirou 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999), e Noite de Reis, de 1602, que foi modernizada e se tornou Ela É o Cara (2006) — o que ajuda a explicar o cansaço da fórmula que ocorreu alguns anos atrás, com as histórias sendo espremidas até a última gota de criatividade.
— Pode ser uma coisa cíclica. A indústria está procurando sempre alargar a sua cartela de produtos para ofertar, mas acho que tem uma coisa interessante: talvez se tenha acreditado que os filmes de super-heróis eram mais importantes porque a pessoa teria que ver no cinema e não no streaming. E se acreditou que uma série de gêneros poderia ser vista em casa, como a comédia romântica, porque não tem explosões, por exemplo. De repente, viu-se que não era só uma questão de tamanho da tela, mas também de apreciação coletiva — reflete Fabiano de Souza.
O cineasta — também responsável por dirigir uma comédia romântica, Nós Duas Descendo a Escada (2015) — acredita que este sentimento de retornar aos cinemas foi impulsionado depois do arrefecimento da pandemia. É mais fácil ver filmes em casa? Sim. Porém, poder socializar e compartilhar uma experiência leve com amigos pode ser um fator determinante para o retorno das comédias românticas. Na era de bombardeamento de informações, discursos de ódio e guerras, algo que deixe um quentinho no coração, sem necessidade de assistir a dezenas de produções anteriores e que remeta a tempos mais simples merece ser prestigiado na maior tela possível.