Em cartaz nos cinemas, Assassinos da Lua das Flores (2023), o mais novo longa-metragem de Martin Scorsese, de fato, é um longa. Afinal, a produção, que é estrelada por Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, tem duração de 3h26min. O tempo de projeção, claro, gerou repercussão nas redes sociais, com parte do público assustada com a extensa minutagem, enquanto os fãs do cineasta vibraram com a oportunidade de ter uma experiência de cinemão.
O filme de Scorsese, que conta a tragédia do povo Osage, não está isolado neste patamar de filmes recentes de longa duração. Um dos sucessos do cinema de 2023, Oppenheimer também bate na casa das três horas de projeção. Esse movimento é o reflexo de uma mudança que vem ocorrendo na indústria como um todo: os longas-metragens, realmente, estão ficando maiores.
Um levantamento da The Economist analisou 100 mil filmes lançados nos últimos 92 anos e chegou à conclusão de que a duração dos longas tem aumentado consideravelmente. Para tal, a revista britânica utilizou a base de dados do IMDb. Assim, foi constatado que, nos anos 1930, início da era de ouro de Hollywood, os filmes tinham uma média de 1h21min. Já em 2022, esse número deu um salto para 1h47min. Ou seja, um aumento que gira em torno de 32%.
Se levado em consideração apenas os 10 filmes mais populares do IMDb, o aumento é ainda mais expressivo: chega na casa dos 50%. No ano passado, a média dos blockbusters foi de 2h30min — o arrasa-quarteirão de James Cameron Avatar: O Caminho da Água (2022), por exemplo, tem duração de 3h12min, puxando a média para cima.
A The Economist até relembra que os filmes de longa duração não são novidade, mas eram feitos com mais intensidade cinco décadas atrás, como Cleópatra (1963), que originalmente passou das 4h, mas foi posteriormente cortado. Naquela época, entretanto, o público desfrutava de um intervalo enquanto o projecionista preparava os rolos para o próximo ato.
Nas décadas seguintes, a duração dos filmes comerciais diminuiu, mas voltou a subir em 2018. O que explica esse crescimento? É interessante contextualizar a mudança dentro do atual momento da sociedade, em que o tempo das pessoas está cada vez mais fragmentado e há dificuldade para focar em apenas uma atividade — como ficar sem mexer nas redes sociais por mais de três horas. Esse é, provavelmente, o grande desafio.
Por quê?
O montador de cinema, professor e pesquisador Milton do Prado está, justamente, pesquisando sobre os filmes longuíssimos para o seu doutorado — o qual deve concluir em 2024. Ele vinha observando essa mudança na minutagem dos longas há algum tempo, mas a confirmação ocorreu agora, com a pesquisa da The Economist.
Segundo ele, as produções mais comerciais estão respondendo à tendência gerada pelo streaming, que é a de maratonar séries:
— É quase como se essas produções dissessem: "Eu vou te oferecer essa oportunidade de ficar muito tempo aqui". Por exemplo, os filmes da Marvel. Isoladamente, são muito longos, e ainda tem as continuações e o tal de Universo Marvel. Tudo é feito, não vamos nos iludir, para que você fique preso neste universo e não usufrua mais de outras variedades que o cinema pode oferecer. E eu não estou fazendo um juízo de valor.
Prado, porém, explica que nem todo o filme longo está respondendo da mesma maneira à tendência. O próprio Assassinos da Lua das Flores, segundo o pesquisador, foi uma decisão de Scorsese, que acreditava que aquela história, de fato, precisava de 3h26min para ser contada. E, no final, diz o professor, tudo converge para entregar o formato que mais está dando dinheiro para a indústria.
— Mas, assim, hoje em dia, os filmes que chamam mais atenção estão com mais de duas horas de duração — crava o pesquisador. — E ainda oferece algo que as séries não têm, que é essa continuidade, sem divisão episódica e sem interrupção.
Para o colunista de cinema do Grupo RBS, Ticiano Osório, esse movimento tem relação com o objetivo dos estúdios e dos cineastas de fazer valer a ida ao cinema, oferecendo um conteúdo que difere daquele que pode ser facilmente encontrado nas plataformas de streaming. Para isso, então, ele aponta até a questão da preparação para ver o longa, passando pela expectativa de encarar uma grande experiência no espaço.
— É uma tentativa de intensificar a experiência cinematográfica, diferenciando ao máximo do simples hábito de assistir a filmes, que hoje está literalmente à palma da mão com a abundância das plataformas de streaming. Ir ao cinema volta a ser um evento, como nos tempos da era de ouro de Hollywood, e não apenas um mero passatempo — afirma Osório, ressaltando que a maior duração ainda contribui para que os diretores possam desenvolver melhor as tramas e os personagens.
Dificuldades
Osório detalha que a experiência cinematográfica de longa duração pode ser mais imersiva, porém reforça que isso só é possível para quem conseguir se desligar do mundo do lado de fora da sessão. Ou seja, sem mexer no celular por algumas horas. Para Prado, o celular, de fato, é um fator que causa dispersão e é facilmente acionado quando a pessoa está entediada — por isso, é importante o ritmo do longa não deixar que o espectador perceba a longa duração. Mas ainda há o fator que joga contra.
— Os exibidores acabam obrigados a diminuir o número de sessões diárias, o que pode significar menos ingressos vendidos — aponta o colunista do Grupo RBS, que traz o problema, mas vê com um certo "charme" esses filmes longos.
A questão do número reduzido de sessões é uma realidade: afinal, se um exibidor pode vender duas sessões de um filme de 1h30min, por que ocupar os dois horários com apenas um longa-metragem de mais de três horas? Por isso, alguns cinemas menores sequer cogitam pegar produções com minutagem muito extensa, a não ser que sejam sucessos anunciados, como o já citado Avatar: O Caminho da Água, que fez mais de US$ 2 bilhões nas bilheterias.
— Eu entendo perfeitamente os exibidores, porque acabamos de sair da pandemia e os caras ainda estão correndo atrás do prejuízo. Imagina você ser dono de sala de cinema e passar por 2020 e 2021 praticamente com as portas fechadas. Aí tem um filme de 3h30min. Quantas sessões você consegue fazer desse filme por dia? É difícil, ele toma duas sessões e o espectador não paga mais por isso. E é muito caro manter um cinema — finaliza Milton do Prado.
Para mergulhar nos filmes longos
Você sabia que os filmes mais premiados da história do Oscar passam das três horas de duração? Vencedores de 11 estatuetas cada, Ben-Hur (1959) tem 3h32min de duração, enquanto Titanic (1997) soma 3h14min de exibição e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003) conta com 3h30min.
Esses exemplos mostram que a extensa minutagem não é de hoje, apesar de ter se intensificado nos últimos anos. Para quem quiser mergulhar em obras longas, segue uma lista com mais alguns títulos, além dos citados na matéria, de diversas épocas, que podem ser facilmente encontrados no streaming:
- Assassinos da Lua das Flores (2023) - 3h26min - Nos cinemas
- Avatar: O Caminho da Água (2022) - 3h12min - Disney+
- RRR: Revolta, Rebelião, Revolução (2022) - 3h07m – Netflix
- Vingadores: Ultimato (2019) - 3h02min – Disney+
- O Irlandês (2019) - 3h29min – Netflix
- O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003) - 3h30min - HBO Max e no Amazon Prime Video
- Titanic (1997) - 3h14min - Star+
- A Lista de Schindler (1993) - 3h15m – Telecine e Amazon Prime Video
- Era uma Vez na América (1984) - 4h11m – HBO Max, Star+ e Amazon Prime Video
- O Poderoso Chefão II (1974) - 3h22m – Star+, Telecine e Amazon Prime Video
- Cleópatra (1963) - 3h12min - Star+
- Ben-Hur (1959) - 3h32min - HBO Max e no Amazon Prime Video
- ...E o Vento Levou (1939) - 3h58min – HBO Max e Amazon Prime Video
Errata: O aumento na duração média dos filmes dos anos 1930 a 2022 foi de 32%, e não 24%, conforme corrigido pela The Economist no dia 7/11/2023. Este texto também foi corrigido.