Reaberto sob nova direção em 20 julho deste ano, o Cine Victoria completa os seus primeiros cem dias de funcionamento sob o selo Cult Cinemas encontrando dificuldades para lotar a sua única sala em funcionamento. O fraco movimento acende um sinal de alerta, mas ainda não significa que o espaço vai fechar as portas — se depender da sócia Cristiane Brandolt, 35 anos, o projetor vai seguir ligado por mais algum tempo.
Na noite da última quinta-feira (26), a reportagem de GZH esteve presente na sessão das 19h40min da grande estreia da semana, o terror Five Nights at Freddy's - O Pesadelo sem Fim (2023), dirigido por Emma Tammi, baseado em uma famosa franquia de games. Dos 190 lugares da sala do Cine Victoria, apenas 24 estavam ocupados. Ou seja, 12,6% da lotação.
Claro que o lançamento não tem um grande apelo popular — na sessão da mesma faixa horária de Barbie (2023), no dia em que o filme estreou e o cinema também, havia 80 espectadores no local. Ainda assim, a baixa procura vem sendo uma constante, mesmo com ingressos vendidos a preços populares — atualmente, o valor praticado para todos é o da meia-entrada, R$ 10.
Cristiane conta que desde a abertura ainda não conseguiu obter um lucro real, pois, quando fica no verde, no mês seguinte o déficit absorve qualquer excedente e ainda deixa prejuízo — apenas em setembro, o espaço fechou com mais de R$ 30 mil no vermelho. Além disso, ela ressalta que o valor da conta de luz consome alguns milhares de reais mensalmente.
Assim, para cortar gastos, o local optou por ampliar os dias sem funcionamento, que antes era apenas segunda-feira. Agora, somam-se as terças e quartas, que são de muito pouco movimento e, por isso, não compensa abrir a estrutura. Desta forma, o cinema funciona apenas de quinta a domingo — e é nos sábados que consegue um movimento melhor.
O quadro de funcionários também diminuiu. Dos quatro que estavam contratados em julho restaram apenas dois, um na bilheteria e um na bombonière. Segundo a sócia do espaço, os outros dois pediram para sair, mas as vagas não foram preenchidas novamente por questões de economia. Já a segunda sala do Cine Victoria, que tinha previsão de ser reformada e inaugurada em até seis meses, não deve receber investimento tão cedo por não haver demanda.
— Neste momento, do jeito que está, a gente não vai conseguir abrir a segunda sala. Até porque não tem necessidade. Geralmente, você abre uma segunda sala por dois motivos: ou porque está tendo muita lotação, e aí precisa para ter mais público, ou para ter mais filmes. Só que a gente está conseguindo ter uma programação muito boa, colocando todos os filmes principais em horários variados. Então, tem que ter muito movimento para eu conseguir pagar essa segunda sala — conta Cristiane.
Lei Paulo Gustavo pode garantir sobrevivência
Sem lucrar com a empreitada, Cristiane não pretende fechar as portas do Cine Victoria. Pelo menos não enquanto conseguir manter o espaço funcionando. Segundo ela, a realidade do empreendimento na Capital é bem diferente das salas que possui no Interior, em que não é incomum haver lotação. A sócia acredita que o estado de abandono do Centro Histórico é um dos responsáveis pelo baixo movimento e aguarda com ansiedade a possível revitalização do coração da cidade, mas reconhece que pode demorar.
De acordo com ela, neste momento, a sala está tendo apenas ¼ do público que frequentava o espaço na gestão anterior, que funcionou entre 2016 e 2018. Ela ainda coloca outro ingrediente para a fraca procura: as greves de Hollywood, de roteiristas e de atores, que atrasaram as estreias de grandes produções cinematográficas, como Duna: Parte 2.
Para o profissional que trabalha na bilheteria do Cine Victoria, Jonatas Duarte, 34 anos — que atuou no mesmo cargo em outras gestões do espaço — antes o movimento era, de fato, melhor. Ele acredita que o público, mesmo com a divulgação, não sabe que o espaço reabriu e salienta que o público perdeu o hábito de ir até o cinema durante a pandemia, por conta dos serviços de streaming.
— Lotar a sala, a gente não lotou ainda. Não está ruim, mas poderia melhorar muito. Com o movimento que está, fica complicado — diz Duarte.
Por enquanto, o bote salva-vidas do espaço é a Lei Paulo Gustavo, que destina verbas para pequenos exibidores conseguirem fazer a manutenção de suas salas de cinema. É com o recurso que o Cine Victoria já está habilitado a receber, que a empreendedora espera conseguir pagar as contas por cerca de mais um ano. O montante é de R$ 250 mil, mas ainda não está garantido. A resposta sairá nesta terça-feira (31), segundo Cristiane.
— Ainda bem que tem a Lei Paulo Gustavo. Se recebermos, vamos conseguir permanecer. Vamos lutar até o fim, usar o dinheiro da Paulo Gustavo para pagar aluguel, luz, funcionários, para nos mantermos o quanto conseguirmos. No ano que vem, em março, vem a alta (época de blockbusters de peso de Hollywood), aí temos esperança de melhora. Estamos tendo dificuldades, mas vamos lutar até o fim — relata a sócia do Cine Victória by Cult Cinemas.
O público
Na sessão de estreia de Five Nights at Freddy's, estavam a UX designer Clarissa Fraga, 24 anos; a sua mãe, a atriz Ceila Oliveira, 57; e o namorado, o residente Júlio Petter, 29. A jovem é frequentadora do Cine Victoria nesta reabertura — já foi quatro vezes ao espaço — e faz questão de fazer o trajeto do bairro Medianeira até o Centro Histórico para viver a experiência.
— O preço é o diferencial: pagamos R$ 10 para ver um lançamento. As salas não estão enchendo muito, então as sessões são mais tranquilas. Além disso, fica no coração do Centro Histórico, com facilidade para condução. Gosto muito daqui porque o Instagram deles é ótimo, com os horários das sessões bem certinhos — explica Clarissa.
A UX designer ainda destaca que o espaço é aconchegante, mas reclama que as poltronas não têm porta-copos, o que atrapalha um pouco a experiência dentro da sala. Ela e a família também celebram o movimento do cinema de rua, pois, segundo eles, o passeio não tem distrações com lojas de shoppings.
Sem vendas de ingressos pela internet, o Cine Victoria ainda mantém a atmosfera dos cinemas de antigamente. Por isso, é interessante o movimento de quem chega e descobre apenas na hora que ainda há lugares para ver o filme que estava querendo. Esta cena ocorreu com um grupo de oito pessoas — na maioria adolescentes — liderado por Shirlei Conter, esteticista de 40 anos.
— Descobrimos agora que ainda tinha ingressos. E essa experiência do cinema de rua é muito boa, uma pena que a população não tem costume. Moramos todos no Centro e, por isso, fica bem pertinho — destaca Shirlei, que era frequentadora do Cine Victoria de antigamente e, na quinta, fez a sua estreia nesta nova fase do espaço.