O movimento por uma indicação de Lupicínio Rodrigues ao Oscar vem ganhando força. Agora, além do barulho feito pela família, outros integrantes de peso estão se somando na peleia pelo reconhecimento do artista junto à Academia: os técnicos do Ministério da Cultura e do Ministério das Relações Exteriores, por meio do Instituto Guimarães Rosa, que é a unidade do Itamaraty responsável pela diplomacia cultural brasileira.
Além deles, o advogado norte-americano Miles Cooley, que atua com grandes nomes do entretenimento como Rihanna e Jay-Z, também se uniu à causa, representando judicialmente a família de Lupicínio junto à Academia. Ele atuará pro bono, ou seja, sem remuneração, em busca do reconhecimento do gaúcho no maior prêmio do cinema.
A música de Lupi, Se Acaso Você Chegasse, aparece de maneira instrumental no filme norte-americano Dançarina Loura (1944), de Frank Woodruff, que foi indicado ao prêmio de melhor trilha sonora de musical (best scoring of a musical picture) no ano seguinte. Além do gaúcho não ter sido creditado no longa-metragem, o nome dele não aparece no reconhecimento do principal prêmio do cinema. O nomeado foi Edward J. Kay, responsável pelas composições originais.
É esse o ponto que gera controvérsia sobre a viabilidade de uma nomeação de Lupicínio. A sua música não foi feita pensando no filme — a composição é de 1938 e o filme foi lançado seis anos depois. Na 17ª edição do Oscar, Dançarina Loura teve duas indicações ao prêmio de 1945, melhor canção original, para Silver Shadows and Golden Dreams, de Lew Pollack e Charles Newman, além da lembrança para o prêmio de melhor trilha sonora. Não venceu nenhuma das categorias.
— O problema é que a categoria que o filme foi indicado na época, melhor trilha sonora de musical (best scoring of a musical picture), levava em conta o seguinte: uso de composições originais, neste caso do Edward J. Kay, com a flexibilidade de usar ainda outras canções já previamente publicadas. A canção do Lupicínio, por exemplo, não foi feita especificamente para este filme e não se enquadra como conteúdo original pensado para o cinema — explica o historiador, crítico de cinema e autor do livro Histórias do Oscar: Os Anos Iniciais (2019), Waldemar Dalenogare.
A música, porém, segundo o diretor do documentário Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor (2023), Alfredo Manevy, é utilizada por cerca de um minuto e meio, em um arranjo diferente, mas é a composição do gaúcho — comprovado, segundo o cineasta, por um laudo técnico inédito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). De acordo com o cineasta, Edward J. Kay fez a versão de Se Acaso Você Chegasse como se fosse um trabalho próprio, ignorando Lupi. Ele reforça que tal questão tem tanta relevância e embasamento que Miles Cooley assistiu ao documentário e se interessou pelo assunto.
— Ele é um dos maiores advogados da indústria e sabe como ela funciona. Ele sensibilizou-se com a história e viu que não era brincadeira o caso. O pleito é justo. E Miles Cooley não entraria nele se não tivesse embasamento. Caso se confirme, Lupicínio seria, com Ary Barroso, o primeiro indicado do Brasil ao Oscar, já que os dois seriam da mesma edição — salienta Manevy. — Mas o Lupicínio morreu sem o reconhecimento do Oscar e, enquanto a música dele tocava em um filme de Hollywood, ele era porteiro da UFRGS para poder pagar as contas.
Dalenogare também puxa o caso de Ary Barroso, que foi indicado pela canção Rio de Janeiro, do longa-metragem Brasil (1944), de Joseph Santley, para explicar o motivo que a argumentação pelo reconhecimento de Se Acaso Você Chegasse não se sustenta:
— Nessa mesma categoria de melhor trilha sonora de musical, o compositor Walter Scharf, de Brasil, foi indicado pelas suas composições originais para o filme. No entanto, o longa contou com várias músicas, entre já publicadas e originais. Neste caso, a canção Rio de Janeiro, de Ary Barroso, acabou sendo indicada para melhor canção. E não é por isso que o Ary Barroso deveria ter crédito também na trilha sonora.
Manevy rebate o crítico, dizendo que as regras da Academia, na época, eram diferentes:
— As regras mudaram muito ao longo do tempo. Foi mais recentemente que surgiu essa ideia de que a trilha original é só feita de composições necessariamente originais, mas, naquela época, as regras não eram essas. Esse é um ponto. E o próprio advogado, que estudou o assunto antes, tem muita propriedade para falar dessas questões de direitos e das interpretações musicais, que estabelecem certos precedentes ou não nessa questão da originalidade.
O cineasta insiste que a música aparece no filme com uma versão inteiramente nova. Não é o Lupicínio cantando — e nem Ciro Monteiro ou Francisco Alves, principais intérpretes da canção na época do filme —, mas, sim, uma versão "abolerada" da melodia do compositor gaúcho.
— Essa questão de ser uma obra que já existia, que já tinha sido registrada no Brasil, não descaracteriza o fato de que a música foi transformada em uma trilha incidental do filme. Ou seja, foi produzida uma trilha sonora a partir de uma canção original — salienta Manevy.
Dalenogare compreende que houve um grave erro ao não creditarem Lupicínio no filme e que isso deveria ser corrigido pelo estúdio que detém os direitos da obra em um possível relançamento da mesma. Mesmo assim, para reconhecimento por parte da Academia, o historiador não acredita que algo possa ser feito, já que a própria instituição afirma que todas as indicações são definitivas.
— O que pode acontecer é uma desclassificação. Indicação póstuma pelo motivo citado seria inédito. E a sustentação desse caso é extremamente frágil. Caso essa lógica fosse aplicada, qualquer compositor de uma canção automaticamente deveria ter também crédito na trilha sonora original, o que é inviável e sem sentido do ponto de vista técnico. Um possível reconhecimento da Academia abriria brecha para a revisão de praticamente todas as indicações da categoria de best scoring of a musical picture no período em que esteve ativa. Quem é indicado é o profissional que pensou na estruturação da trilha sonora.
Do RS até Hollywood
Mas, afinal, de que forma a música de Lupicínio deixou as fronteiras do Rio Grande do Sul e chegou em Hollywood?
Manevy explica que, na década de 1940, existia uma política de boa vizinhança dos Estados Unidos do presidente Franklin D. Roosevelt com a América Latina, em um movimento de aproximação. Assim, em 1941, diversos sambas brasileiros — incluindo Se Acaso Você Chegasse — foram enviados para solo norte-americano.
E como Miles Cooley chegou ao caso? Bom, o advogado cultural é casado com a cineasta brasileira Claudia Costa, curadora do Los Angeles Brazilian Film Festival. Assistindo ao filme sobre Lupi em sua casa, para avaliar se entraria ou não na mostra, acabou compartilhando a experiência com o marido, que ficou perplexo com o caso.
Segundo a própria família de Lupicínio, eles não esperam indenização, apenas reconhecimento ao gênio gaúcho. O advogado já se reuniu com a Academia e, agora, resta esperar pela resposta.