The Flash estreou mundialmente há duas semanas, prometendo ser o ponto de partida para a implementação de uma nova DC Comics, "rebootando" o universo cinematográfico iniciado em 2013, com O Homem de Aço, de Zack Snyder. A partir desta aventura solo de Barry Allen, seria feita uma espécie de triagem no leque de heróis do estúdio já apresentados nas telonas, mantendo alguns e trocando outros para se encaixar na visão de James Gunn e Peter Safran, que assumiram a chefia da DC Studios no ano passado.
Assim, o título sempre foi pensado como um projeto ambicioso da Warner Bros., proprietária da DC Comics — o alto orçamento, que gira em torno de US$ 200 milhões, prova isso. Além disso, o longa seria o responsável por puxar para dentro do universo da DC nos cinemas o conceito de multiverso e tal movimento propiciaria o retorno de Michael Keaton como Batman, decisão festejada pelos fãs do Homem-Morcego. Tudo parecia encaixado para ser um sucesso. Parecia.
Após o lançamento do título, viu-se um resultado catastrófico. Em seu primeiro final de semana, a produção ficou bem abaixo do esperado em faturamento, com uma abertura nos Estados Unidos de apenas US$ 55 milhões. Depois de duas semanas, segundo o Box Office Mojo, The Flash arrecadou US$ 215 milhões mundialmente, mostrando sinais de grande desaceleração e deve terminar a trajetória nos cinemas com uma quantia que pode variar de US$ 280 milhões a US$ 310 milhões embolsados.
Não parece tão ruim, certo? Se o filme custou US$ 200 milhões, com US$ 280 milhões ele já se pagaria e ainda teria lucro, não é mesmo? Não, não é. Metade da bilheteria de cada filme fica com os exibidores, ou seja, apenas 50% vai para o estúdio. E tem outro fator que dificulta ainda mais a vida de The Flash: a Warner Bros. investiu cerca de US$ 150 milhões em marketing, o que infla os gastos com o título para algo em torno de US$ 350 milhões.
Neste cenário, para conseguir apenas empatar com os custos, The Flash precisaria arrecadar mundialmente cerca de US$ 700 milhões. A projeção mais otimista, após o lançamento catastrófico do filme, mostra que ele deve acumular US$ 310 milhões. Os números, então, estão dando uma rasteira no longa do Velocista Escarlate e mais: colocam em xeque o quanto as produções de super-heróis ainda conseguem despertar o interesse do público. Afinal, a aventura foi vendida como crucial para toda uma nova fase da DC Comics nos cinemas.
De acordo com números levantados pelo analista de bilheterias Luiz Fernando e divulgados pelo Collider, a Warner Bros. teria perdido menos dinheiro se tivesse mandado The Flash diretamente para a HBO Max ou, então, simplesmente descartado o título, visto que o estúdio não poderá sequer cobrir os custos de marketing investidos para promover a aventura. E este é o segundo fracasso retumbante da DC Comics no cinema em 2023, que já contou com o trágico Shazam! Fúria dos Deuses (US$ 133 milhões de bilheteria), sacrificado pela troca de comando do estúdio e seu "descarte" dentro da cronologia, antes mesmo do lançamento.
Opiniões
Colunista de cinema de GZH, Ticiano Osório acredita que The Flash se prejudica por estar inserido em uma "bagunça" que envolve a DC no cinema, uma vez que os filmes oriundos da editora não têm um caminho estruturado a seguir, ao contrário do que foi estabelecido com o Universo Cinematográfico Marvel, que pertence à Disney. Além de mudar de direção frequentemente — como na ida e volta de Henry Cavill como Super-Homem, por exemplo —, ainda trabalha com projetos interligados e, também, independentes, como Coringa (2019) e Batman (2022).
— E fica tudo uma grande confusão. A DC tinha de fazer filmes solos. Pode até fazer trilogias, mas trilogias solos. Dá até para fazer um filme que una os super-heróis, mas tem de fazer algo para dar uma diferenciada da Marvel. Até porque agora está tudo tão bagunçado que é melhor tentar pensar em projetos mais independentes — avalia Osório, que também é membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs).
O crítico ainda aponta que The Flash é remanescente de uma ideia de universo que deu errado e, ao trazer o conceito de multiverso para as produções da DC Comics no cinema, acaba remetendo à franquia da Marvel e, com isso, gera uma sensação de déjà vu no espectador, uma certa "mesmice". Como ponto importante, ele ainda cita o "fator Ezra Miller", já que o protagonista do título vem acumulando polêmicas, incluindo ocorrências policiais.
— Tudo que era ruim para o marketing do filme estava associado ao Ezra Miller, que praticamente não participou da divulgação de The Flash, apesar de ter feito uma aparição pública na pré-estreia do filme, em Los Angeles. Então, isso eu acho que também pesou. Deve ter gente que boicotou o filme por causa do Ezra Miller — enfatiza Osório, que também reforçou que a propaganda boca a boca do longa não foi boa, principalmente por conta dos terríveis efeitos visuais.
Bruna Haas, jornalista cultural, integrante da Accirs e editora do portal Vigília Nerd, tem opinião similar, destacando que todo o caminho até a chegada de The Flash aos cinemas não correspondeu ao que foi entregue, mesmo com o esforço do estúdio para convencer a audiência:
— The Flash chegou com sessões do filme ainda não finalizado para os fãs, pré-estreias exclusivas e muito marketing envolvido. Mas não traz um novo elemento: a surpresa. Cinema é sobre surpresa, sobre ver o novo, sobre ser surpreendido. E hoje, com os formatos que temos nesse estilo de filme, acaba sendo sempre mais do mesmo.
Do outro lado
Se a DC encontra problemas com a sua bagunça e falta de unidade, a Marvel também começa a encontrar percalços em sua estrada toda interligada. No começo deste ano, o estúdio lançou Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, que tinha a missão de abrir a Fase Cinco do MCU e ainda levar para os cinemas o grande vilão do futuro da franquia: Kang, o Conquistador. Ou seja, tinha grande importância para dentro do universo.
O resultado? Bom, não chegou a ser catastrófico como o de The Flash, mas foi muito abaixo do esperado. No total, a produção arrecadou US$ 476 milhões. O valor acabou ficando abaixo dos US$ 600 milhões necessários para que a Disney encontrasse o seu ponto de equilíbrio — o filme custou US$ 200 milhões e foram gastos outros US$ 100 milhões em marketing. Assim, é perceptível que até o universo estruturado da Marvel já venha mostrando alguns sinais de fraqueza, apesar de sucessos recentes, como Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), com quase US$ 1 bilhão de bilheteria.
— A Marvel tem como ponto positivo essa ideia de uma linha cronológica, de que um filme leva a outro, de que uma série leva à outra, com filmes e séries se interligando. Mas talvez isso já esteja cansando um pouco o público, porque tu acabas se sentindo obrigado a assistir a essas séries que, na minha opinião, não são muito interessantes, só porque vai ter uma ligação com o filme e tal. E pelo cansaço, muita gente acaba desistindo — diz Osório.
Bruna engrossa o coro:
— O universo que deveria ser expandido se torna codependente. Cria uma ansiedade no espectador. Ele sente que precisa ver tudo, prestar atenção em tudo, ficar por dentro de tudo para conseguir continuar curtindo o seu super-herói favorito. E isso é extremamente cansativo.
Mesmo em sucessos, o MCU vê este desligamento do público. Guardiões da Galáxia Vol. 3, fechamento da trilogia lançado neste ano, apesar de ter arrecadado mundialmente US$ 832 milhões, recebendo vastos elogios da crítica e do público, registrou uma bilheteria menor do que o antecessor, que fez US$ 863 milhões em 2017. Esperava-se mais.
Outro ponto que pode influenciar nesta diminuição do público nos cinemas é a rapidez com que os filmes estão chegando ao streaming — principalmente os da Disney e Warner Bros., que entregam suas produções em um curto espaço de tempo para as plataformas próprias, Disney+ e HBO Max, respectivamente. Assim, o espectador que não tem grande interesse por uma produção aguarda ela chegar nos serviços digitais ou, então, deixa de ir rever no cinema aquele filme que gostou, sabendo que em breve poderá ver em casa.
Existe, por último, a questão da fórmula: os títulos de super-heróis seguem quase sempre o mesmo caminho e, sendo entregues às pencas, são encarados pelo público como apenas mais um. Não dá tempo de sentir falta de ir conferir uma produção deste subgênero no cinema.
— Estamos desde 2010 com cerca de cinco blockbusters de super-heróis por ano. Filmes que seguem uma fórmula. Fazer cinema de super-herói é seguir uma fórmula muito marcada, que precisa se reformular de tempos em tempos. E acredito que hoje é o que precisa ser feito — avalia Bruna.
Ao analisar os maiores sucessos do ano passado — Avatar: O Caminho da Água (US$ 2,32 bilhões de bilheteria) e Top Gun: Maverick (US$ 1,5 bilhão de bilheteria) —, percebe-se que os títulos não são originais, mas, sim, sequências. Porém, houve expectativa por ambos, visto que foram anos de espera e, neste período, as notícias mostravam que os filmes estavam sendo feitos com esmero e buscando entregar algo diferente, uma experiência. E, de fato, ambos cumpriram as promessas. Já na questão de Marvel e DC, parece que ambos se acomodaram e estão fazendo filmes apenas para preencher calendário. Talvez o público queira mais do que isso.