Shazam! Fúria dos Deuses (Shazam! Fury of the Gods, 2023) prova que um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar. Em cartaz a partir desta quinta-feira (16) nos cinemas, o novo filme da DC — veja o ranking aqui — é tão bom quanto o primeiro do personagem e já se candidata para ser uma das melhores aventuras de super-herói deste ano. No mínimo, a mais engraçada (a propósito: aqui, a chave é nitidamente a do humor, sem aquele desequilíbrio entre gravidade e galhofa que caracteriza alguns títulos da Marvel).
Lançado em 2019, o primeiro Shazam! fez uma azeitada mistura de Superman (1978) e Quero Ser Grande (1988) para levar às telas o personagem dos quadrinhos criado em 1940 pelo roteirista Bill Parker e pelo desenhista C.C. Beck, cujo nome é um acrônimo de seres da Bíblia e da mitologia grega: Salomão (sabedoria), Hércules (força física), Atlas (resistência), Zeus (poderes mágicos), Aquiles (coragem) e Mercúrio (velocidade e voo). O filme não chegou a ser um arrasa-quarteirão, mas a soma dos US$ 365,9 milhões arrecadados nas bilheterias com a boa receptividade da crítica — tem 90% de avaliações positivas no Rotten Tomatoes — garantiu esta sequência (e motivou a produção do fiasco Adão Negro, mas essa é uma outra história).
Repetem-se os nomes de boa parte da equipe técnica e do elenco. Henry Gayden, que coescreveu Shazam! com Darren Lemke, agora assina o roteiro de Fúria dos Deuses com Chris Morgan, egresso da franquia Velozes & Furiosos — citada em uma das divertidas referências, que também faz graça sobre a saga O Senhor dos Anéis, a série Game of Thrones e até ao principal supergrupo da rival da DC, a Marvel. O diretor continua sendo o sueco David F. Sandberg, que, embora invista mais na aventura, na comédia e na fantasia, aqui e ali relembra seu passado de terror (ele realizou Quando as Luzes se Apagam, em 2013, e Annabelle 2: A Criação do Mal, em 2017). Habitual colaboradora de Sandberg, a nova-iorquina Michel Aller segue na edição, mas o belga Maxime Alexandre deu lugar ao húngaro Gyula Pados, de Jumanji: Bem-vindo à Selva (2017) e Jumanji: Próxima Fase (2019), na direção de fotografia.
Asher Angel volta a interpretar o garoto Billy Batson, um órfão da Filadélfia acolhido pela família de Victor e Rosa Vasquez, que já tinha cinco filhos adotivos: Mary, Pedro, Eugene, Darla e Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer, o Eddie do díptico de horror It). Ao dizer a palavra mágica "Shazam!", todos se transformam em versões super-heroicas, com corpo de adulto, mas cabeça e emoções de adolescente (ou até criança). Billy, por exemplo, ganha os músculos, as caretas e o carisma de Zachary Levi, ator das séries cômicas Less Than Perfect (2002-2006) e Chuck (2007-2012). O Freddy com superpoderes é encarnado por Adam Brody, o Seth Cohen do seriado The O.C. (2003-2007). Só Mary, que já completou 18 anos, não muda: as duas personagens são vividas por Grace Caroline Currey, do terror nas alturas A Queda (2022).
Na verdade, todos já cresceram em relação a Shazam!, ou seja, Fúria dos Deuses atualiza os dilemas e os conflitos da turma. Traumatizado pelo abandono e pelas sucessivas tentativas frustradas de encontrar um lar, Billy sente-se pressionado pela proximidade dos 18 anos, quando os pais deixarão de receber apoio financeiro do Estado. Pedro (Jovan Armand) está lidando com a descoberta de sua sexualidade — ou melhor: escondendo-a da família. Freddy ainda sofre bullying na escola, mas isso não o impede de paquerar uma estudante recém chegada, Anne (Rachel Zegler, do musical indicado ao Oscar Amor, Sublime Amor).
Aí está a mágica de Shazam! Fúria dos Deuses.
Sim, com a ajuda do mago interpretado por Djimon Hounsou (ator nascido no Benim, na África, e concorrente ao Oscar de coadjuvante por Terra dos Sonhos e Diamante de Sangue), os super-heróis terão de enfrentar novos supervilões — no caso, as milenares irmãs gregas Héspera (a inglesa Helen Mirren, oscarizada por A Rainha) e Calipso (a estadunidense de ascendência chinesa Lucy Liu, de Kill Bill e da série Elementary), dispostas a recuperar um cajado místico e restaurar o seu mundo, mesmo que isso possa significar a destruição da Terra.
Mas o que realmente nos engaja, nos comove e, sobretudo, nos faz rir são os dramas, as conquistas e as patetices da adolescência, ora envolvida com as relações familiares, ora com os interesses românticos, ora com os desejos de amadurecimento e pertencimento. Além das já mencionadas citações, vale destacar as atuações de Levi e Grazer, a escolha da trilha sonora (como Holding Out for a Hero, sucesso gravado em 1984 por Bonnie Tyler para o filme Footloose) e todas as referências ligadas a outro nome importantíssimo do panteão de heróis da DC — que inclusive faz uma engraçadíssima participação especial (ou duas, se a gente considerar a cena do... evitarei spoilers!).
O único pecado mais grave de Fúria dos Deuses é seguir a tendência do gênero quanto à duração. Dava para cortar um pouco dos seus 130 minutos, que contam com duas cenas pós-créditos. A segunda (novamente, não se preocupe, não vou estragar a surpresa), que ao mesmo tempo faz uma ligação com o Shazam! de 2019 e aponta para o futuro, chega a ser dispensável. Mas a primeira arrancou gargalhadas da plateia que assistiu ao filme em uma sessão de pré-estreia na noite de terça-feira, no GNC Iguatemi. Aliás, nossa filha mais velha, a Helena, riu quase o tempo todo. Pudera: com 13 anos, se identificou bastante com os perrengues, os sonhos e os micos dos personagens.