Lançado em 2018, Homem-Aranha no Aranhaverso alterou totalmente a base das animações e ainda apresentou para o público que não era consumidor de quadrinhos uma nova personificação de um dos heróis mais populares de todos os tempos — saiu de cena o protagonismo de Peter Parker e os holofotes foram voltados para Miles Morales. Um personagem complexo, interessante e, principalmente, necessário.
Agora, o filme ganha a sua esperada sequência, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, que está em exibição nos cinemas nacionais. Com ela, também chega a confirmação de que este universo — ou multiverso — foi uma das melhores novidades que o já saturado cinema de super-heróis pôde experimentar nos últimos tempos. Todo este êxito, vale lembrar, vem da liberdade dada às mentes por trás do projeto da Sony Animation em parceria com a Marvel.
Os produtores Phil Lord e Chris Miller puderam se desprender, ainda em 2018, das amarras pré-estabelecidas pelo que já vinha sendo feito e ousaram apostar em uma colagem de estilos, que não foi utilizada apenas para fins estéticos — mesmo que o filme seja visualmente deslumbrante —, mas, também, por ser essencial ao storytelling. É aí que está a genialidade do projeto, que venceu o Oscar em 2019 e, com esta nova aventura, já vem com superforça na corrida por outra estatueta na próxima edição do prêmio.
Em Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, a dupla, que também roteiriza o projeto ao lado de Dave Callaham, dobra a aposta e, ao invés de levar pedaços do multiverso para Miles Morales, puxa o protagonista para viajar pelas mais diferentes e irreverentes realidades. É uma jornada psicodélica, na qual o público se diverte conhecendo outras variações do Amigão da Vizinhança e seus mundos, mas, como dito anteriormente, nada disso é gratuito. Ou feito apenas para encher os olhos.
A produção tem o trabalho e o cuidado de entender como cada um daqueles personagens que preenchem uma infinita teia de realidades funciona, desde um universo de LEGO com todas as suas montagens e desmontagens, passando por um Homem-Aranha da animação dos anos 1960, com movimentos limitados pela tecnologia da época, e chegando a encontros com mundos em live-action. Essas interações, de maneira impressionante, acontecem com naturalidade, mesmo que respeitando cada particularidade. Fica evidente na tela que o tempo de produção do filme foi utilizado para colocar cada traço em seu devido lugar.
Tudo se encaixa na trama, que mostra Miles precisando lidar com o peculiar vilão Mancha, que busca vingança após ter sido afetado pelas ações do Aranha no passado. Para isso, ele pretende "tirar tudo" do herói, com a intenção de imprimir em seu inimigo todo o sofrimento que lhe foi causado — mesmo que esta não tenha sido a intenção do atirador de teias. A situação fica ainda mais complexa quando o malvado consegue utilizar os seus poderes para viajar através do multiverso. Por isso, os outros seres-aranha voltam à cena, em número muito maior do que no filme antecessor.
Busca por si
Enquanto Miles precisa lidar com o vilão da vez, ele tem de enfrentar a própria jornada de amadurecimento, tentando equilibrar a expectativa de seus pais, os próprios sonhos e a responsabilidade de ser um super-herói — tudo isso dentro da mente de um adolescente de 15 anos. A história, então, coloca o garoto em busca de sua própria identidade, entendendo o seu papel no mundo e mostrando a sua visão sobre ser herói, não aceitando, por exemplo, deixar de salvar alguém, independentemente do motivo para isso.
Para dar mais possibilidades nesta jornada, o longa apresenta a Sociedade Aranha, um espaço em que os heróis das mais distintas realidades se encontram para trabalharem juntos no equilíbrio do multiverso, contendo as anomalias e preservando os eventos canônicos, que fazem parte da jornada de todos os seres-aranha. Este grande exército é liderado por Miguel O'Hara, o Homem-Aranha 2099, que tem uma visão mais racional sobre o papel de um herói e, depois de uma experiência dolorosa, abraçou a frieza e compreendeu o sofrimento como parte da trajetória.
Ajudando a montar este mosaico com outras visões sobre heroísmo, o longa ainda mostra um Homem-Aranha indiano, o roqueiro Hobie e a motociclista estilosa Jessica Drew. Todos com os seus momentos de brilhar — e que não foram desperdiçados. Porém, o grande destaque, fora Miles, é Gwen Stacy. A personagem tem o seu arco desenvolvido com extrema competência, conseguindo fazer um contraponto com o do protagonista, mostrando que ser alguém que foi picado por uma aranha radioativa e ganhou poderes é estar sob constantes sacrifícios e segredos, o que vai minando a sua vida pessoal.
Mesmo com a carga dramática, o filme ainda consegue entregar grandes doses de piadas — afinal, é uma animação que tem liberdade para explorar desde um universo de LEGO até os live-actions do Aranha —, ao mesmo tempo em que equilibra o desenvolvimento de seus personagens, formando uma história de meio. A trama da sequência se fecha nela mesma, mas cumpre um papel fundamental nesta anunciada trilogia e eleva ainda mais o sarrafo em nível técnico para as animações de outros estúdios — que já estão bebendo da água da franquia, vide Gato de Botas 2 e o novo As Tartarugas Ninja — e, principalmente, para as produções de super-heróis.
Enquanto Miles Morales aprende o peso de ser um super-herói, tendo as suas virtudes e fraquezas exploradas — por exemplo, o vilão se engrandece após ser menosprezado pela arrogância juvenil do guri —, o personagem vai se conectando cada vez mais com o público. Com uma história interessante e um visual impressionante, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma aula de como a criatividade e um protagonista que traga humanidade para a aventura são um grande trunfo, emocionando e divertindo na mesma medida. E tudo isso em uma animação.