Quando um filme dos Guardiões da Galáxia foi anunciado, no começo da década passada, pouca gente conhecia a equipe cósmica e formada por mercenários da Marvel — a não ser fãs aficionados dos quadrinhos. Porém, o longa chegou aos cinemas, a aclamação foi geral e os personagens logo se tornaram queridinhos do público, tamanho carisma e bom humor deles. Agora, quase uma década depois, chegou a hora da despedida desta formação do grupo. E ela vem com altas doses de emoção, diversão e, como sempre, uma excelente playlist.
Estreia desta semana, Guardiões da Galáxia Vol. 3, mais uma vez, conta com direção e roteiro de James Gunn — que também se despede da Marvel, uma vez que assumiu o posto de copresidente da DC Studios. O cineasta vem para a sua derradeira aventura com os personagens munido de todos os elementos que o consagraram perante os fãs. Mas, além do humor e das inventivas sequências de ação, o foco é nas relações familiares. Tal tema é recorrente nos longas anteriores, mas agora é aprofundado e definido: o amor é o que faz com que as pessoas sejam próximas umas das outras.
Assim, Gunn escreve um script que coloca o holofote deste último capítulo da trilogia em Rocket (voz de Bradley Cooper), fazendo dele o centro emocional do filme e com todos os demais membros dos Guardiões correndo contra o tempo para salvar a vida do amigo, que está em risco. É a partir desta busca que vemos como esses personagens evoluíram ao longo de suas jornadas, desde a primeira aparição, em 2014. E este é o trunfo do cineasta como contador de histórias — ele consegue manter a equipe interessante e com desenvolvimento, ao contrário das demais produções do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês).
Enquanto os títulos que vieram após Vingadores: Ultimato (2019) mostraram que as bases emocionais da franquia foram dizimadas juntamente com o estalar de dedos de Tony Stark, deixando uma extrema dificuldade de conectar o público com boa parte dos heróis remanescentes e dos novos, Gunn conseguiu salvar a essência de sua equipe. É do cineasta, provavelmente, o último sopro de criatividade e de liberdade dentro do estúdio, que vem entregando produtos com cada vez menos alma, indo para os cinemas ou para a TV apenas para preencher buracos e fazer dinheiro.
Desta forma, tendo autonomia, o diretor se permite contar a história do jeito que ele acha melhor, sem ser obrigado a fazer pontes para a continuidade do MCU. Ele utiliza as 2h30min de seu filme para dar o espaço devido para cada membro da equipe — que, além de Rocket, ainda conta com Senhor das Estrelas (Chris Pratt), Drax (Dave Bautista), Groot (voz de Vin Diesel), Nebulosa (Karen Gillan) e Mantis (Pom Klementieff), bem como a nova Gamora (Zoe Saldaña) como agregada. Esta decisão tem como custo deixar a produção apressada e com soluções um tanto quanto fáceis, exagerando nas coincidências para ir de um ponto ao outro. Mas, ainda assim, o saldo é muito positivo.
Lindo céu
Como dito antes, Rocket é o foco do longa e, por causa dele, novos e interessantes personagens surgem, como os animais companheiros de cela do guaxinim e o Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), seu criador, que se encaixa como um dos vilões mais cruéis do MCU — ele é simplesmente mau, com um plano maligno. E isto é ótimo, uma vez que os mocinhos constantemente ficam à beira da morte, aumentando o grau de urgência da produção. Já a aguardada chegada de Adam Warlock (Will Poulter) pode decepcionar, visto que ele tem pouca serventia, além de ser utilizado como deus ex machina.
Dentro de um leque imenso de personagens para dar atenção, Gunn ainda busca em suas quase infinitas referências colocar o maior número de clichês em sua narrativa, desde bichinhos fofinhos com olhos lacrimejando, passando por crianças sequestradas até sequências que rementem a contos bíblicos. Mas, claro, de maneira proposital, mostrando que a criatividade pode transformar a pieguice em algo divertido, emocionante e, até mesmo, pop — e ele embala tudo isso com hits de Beastie Boys, Florence + The Machine, Bruce Springsteen, Alice Cooper, Radiohead e mais.
Outros pontos que valem destacar na produção são os efeitos especiais e a construção de novos mundos. O filme acerta no CGI, uma das principais reclamações dos títulos recentes do MCU, bem como entrega criaturas inventivas e que estão inseridas em locais realmente criativos, dando a sensação de que alguém ainda se preocupa dentro do estúdio em demonstrar que o universo é infinito e tem muito a se explorar. Toda a obra é feita com capricho e fecha com chave de ouro a passagem de Gunn pela Casa das Ideias — inclusive, dando a volta por cima depois de sua demissão em 2018.
Se todo o marketing de Guardiões da Galáxia Vol. 3 preparou o público para uma despedida traumática e com muitas lágrimas, o desfecho pode acabar não sendo bem o esperado, mas não deixa de ser emocionante. É necessária a visita ao cinema para dar adeus — ou um até logo — para aqueles caras legais e para o diretor, que aparentava ser o último pilar de originalidade dentro do MCU. O público merece este grandioso passeio cósmico. E, como diz Rocket, em uma bonita cena do filme:
— Vamos voar para longe juntos, uma última vez, para o infinito e lindo céu.