As cores da diversidade vão preencher as páginas de duas HQs que estão em processo de financiamento coletivo. Ambas têm em comum, além de levarem a questão da representatividade para o mundo nerd, o protagonismo de heróis LGBTQIA+, que pretendem divertir e, também, provocar reflexão. As histórias em quadrinhos são Boy Magya Contra o Monstro do Armário e Kid Princesa – O Beijo Mágico e são totalmente escritas por pessoas pertencentes à comunidade queer.
A primeira delas é desenvolvida por Christian Gonzatti, doutor em comunicação e fundador do canal Diversidade Nerd, em parceria com Guilherme Smee, publicitário e roteirista de quadrinhos, e Danverdura, ilustrador. Na trama, Boy Magya é o nome do alterego do jovem sulista Mario, doutorando em arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco que ganhou superpoderes ao encontrar o cristal mágico da Deusa Íris.
Os poderes de tal artefato são ativados quando Mario está de bem com a vida. Com eles, herói pode materializar qualquer coisa que imaginar — e como uma criança "viada" que cresceu nos anos 1990 e 2000, utiliza várias referências de desenhos, animes e séries para enfrentar o seu pior inimigo: o fascismo materializado nos movimentos políticos de apoio ao ex-presidente, General Ostra.
Esta criativa sinopse vem da mente de Gonzatti, que foi esta criança que construiu a sua identidade bebendo na cultura pop em frente à televisão, consumindo de Xuxa a Power Rangers, de Digimon a Sakura Card Captors. Porém, ele conta que se sentia invisibilizado por não se enxergar representado nos programas que consumia — e isto, segundo o autor, trouxe trauma de se sentir inexistente. Por conta desta questão, surgiu a vontade de mudar esta realidade.
— É do eu fã, do eu gay e do eu pesquisador que nasce esse desejo de tentar escrever uma história que fosse representativa, que também fosse divertida e que o eu com 16, 17 anos amasse ler. E aí tem aquela coisa de que meninos queer, como eu fui, fabulam, muitas vezes, serem garotas mágicas, como a Sakura, a Saylor Moon, a Hermione. Então, por que não criar um garoto mágico? Assim, a história do Boy Magia começou a se materializar na mente — conta Gonzatti.
Já Kid Princesa – O Beijo Mágico é escrita e desenhada pelo ilustrador e quadrinista Adri A. e narra as aventuras de um adolescente que, em fantasia de princesa, enfrenta monstros e vilões, sem levar desaforo para casa. O personagem nasceu nas HQs do super-herói Cara-Unicórnio, do mesmo autor, e agora deixa de ser um sidekick — ou seja, um ajudante — para protagonizar a sua própria publicação.
Nas histórias do Cara-Unicórnio, Adri A. busca desconstruir os clichês das aventuras de super-heróis, promovendo o protagonismo LGBTQIA+ e com personagens que não seguem as imposições heteronormativas que ele enxerga como vigentes na maioria das produções culturais. Agora, com Kid Princesa – O Beijo Mágico, o autor busca fazer uma releitura heroica do conto A Princesa e o Sapo, dosando terror com humor.
— Eu sempre curti contar histórias através do desenho e, na minha evolução como artista, me dei conta de que essas histórias que queria contar teriam que ser protagonizadas por pessoas LGBTQIA+, porque faço parte dessa comunidade. É algo natural. E esse movimento é tão natural que a sociedade nem se dá conta, mas quando se rompe essa heteronormatividade, dizem que é lacração, que queremos enfiar goela abaixo. Mas por que pessoas LGBTQIA+ não podem também protagonizar essas histórias? — ressalta Adri A.
Expansão
Conforme dito acima, Kid Princesa – O Beijo Mágico é um spin-off da saga de Cara-Unicórnio, que surgiu impresso nas páginas de uma HQ em 2018, também por meio de um processo de financiamento coletivo. O personagem conquistou fãs e ganhou uma saga para chamar de sua. O seu sidekick foi apresentado em 2021, virando um queridinho do público e já saindo em carreira solo pouco tempo depois.
— O financiamento coletivo é um meio importante para viabilizar muita produção cultural que de outra forma dificilmente se realizaria. Os quadrinistas independentes nacionais encontraram ali uma forma de levar o seu trabalho para o mundo, porque não são todos que vão ser abraçados por uma editora. E anda acontecendo o caminho inverso, com campanhas bem-sucedidas depois irem para alguma editora — explica Adri A.
Boy Magya Contra o Monstro, por sua vez, começou a nascer quando Gonzatti lançou, em 2022, o livro Pode um LGBTQIA+ ser Super-herói no Brasil?, que já trabalha com o tema da representatividade nos quadrinhos e a censura da comunidade no meio. A HQ, então, é uma forma de dar continuidade a essa pauta defendida nas redes sociais do autor que tem como objetivo ajudar a mudar o cenário brasileiro.
— O Boy Magya, além de ser um super-herói LGBTQIA+, é brasileiro e produzido no Brasil, sem o apoio de uma grande editora ou da indústria cultural, além de ser criado por pessoas que são compromissadas com a ideia de um mundo menos violento e menos desigual e que não têm muito além do seu talento e da rede de apoio das pessoas — destaca Gonzatti. — O Boy Magya é diferente de muitos super-heróis estadunidenses, que não se envolvem com política explicitamente ou não modificam o status quo. Ele quer mudar as coisas no mundo para melhor.
Ambas HQs estão sendo planejadas para serem lançadas em junho. Para apoiar os projetos, basta entrar nos links da plataforma Catarse: Boy Magya Contra o Monstro do Armário e Kid Princesa – O Beijo Mágico.