Quem foi criança ou adolescente nos anos 1990 dificilmente não foi contaminado pelo anime Os Cavaleiros do Zodíaco, que chegou ao Brasil pela extinta TV Manchete e virou um dos maiores fenômenos naquela década. A popularidade da produção perdura até os dias de hoje — tanto é que uma versão em live-action sempre foi um desejo dos fãs da saga. Ela finalmente saiu e está nos cinemas. Porém, pode não ser aquela dos sonhos dos nostálgicos.
Para adaptar o mangá de Masami Kurumada — que originou o saudoso anime —, grandes mudanças foram feitas. Como o próprio título já aponta, Os Cavaleiros do Zodíaco: Saint Seiya - O Começo é focado no início da jornada do herói que aparece no nome do filme e é vivido por Mackenyu. Ou seja, não espere encontrar os outros cavaleiros de Atena na produção — a não ser Ikki de Fênix (Diego Tinoco), que surge como antagonista.
Na história escrita pelos roteiristas Josh Campbell, Matt Stuecken e Kiel Murray, Seiya (Mackenyu) é um jovem órfão que faz dinheiro no submundo das lutas clandestinas enquanto procura por sua irmã sequestrada. Eis que em uma briga no ringue, o seu Cosmo desperta. O herói, então, acaba sendo levado por Alman Kido (Sean Bean) para uma realidade antes desconhecida por ele, com guerreiros mitológicos e com uma reencarnação da deusa Atena — Saori (Madison Iseman) — precisando de sua proteção.
Seiya, então, começa a fazer o passo a passo da jornada do herói, mas sem a emoção da famosa Saga do Santuário. É claro que a adaptação de uma obra vasta — seja no mangá ou no anime — para um filme de menos de duas horas é um trabalho dificílimo e requer alterações, mas o longa-metragem dirigido por Tomasz Baginski escorrega para uma sucessão de clichês, que são disparados como uma chuva de meteoros — mas não com a mesma energia do Meteoro de Pégaso.
A obra, apesar de manter alguns dos elementos do material original — a essência está ali, perdida no meio de um maremoto de decisões ruins — decide apostar no formato dos filmes de super-heróis, mas não os de agora. O live-action encontra os seus pilares, seja de ritmo, desenvolvimento ou efeitos especiais, nos sofríveis títulos dos anos 2000, que envelheceram mal.
Inclusive, um dos principais arcos do longa é puxado de X-Men 3: O Confronto Final (2006), que tem a Fênix Negra como principal ameaça — a intérprete da personagem, Famke Janssen, inclusive, está em Os Cavaleiros do Zodíaco, como Guraad. Ela busca matar Saori, pois a sua energia de deusa, caso esteja descontrolada, pode destruir a humanidade. Uma reedição do filme da Marvel, inclusive com um clímax muito (mas muito) parecido.
Começo ou fim?
Com um orçamento de apenas US$ 60 milhões — um longa de origem do MCU custa, em média, US$ 150 milhões —, não era de se esperar uma obra com a mesma pompa dos grandes blockbusters de Hollywood. Porém, quando o dinheiro é pouco, os realizadores buscam como saída a criatividade. Porém, Os Cavaleiros do Zodíaco não trabalha com este elemento.
Desde a criação de universo até os diálogos, o título não consegue sair do lugar comum, mesmo com uma mitologia imensa a ser explorada — é o mal de ter a adaptação feita no Ocidente para uma obra que é oriental. As saídas são sempre as mais fáceis e com explosões feitas em um CGI ruim — o final do segundo arco é uma das soluções mais estúpidas que foram apresentadas recentemente para o grande público, por exemplo.
Mas nem tudo é desastroso no live-action. Mackenyu, que já tem experiência em adaptações de mangás, de Samurai X a Fullmetal Alchemist, tem o carisma necessário para segurar o protagonismo, mas os diálogos entregues ao astro complicam o seu trabalho, principalmente nas interações com Saori. Já as sequências de ação são bem coreografadas e ágeis, com coordenação do veterano Andy Cheng, que trabalhou recentemente em Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021). E a armadura de Seiya, mais "realista", não incomoda.
Porém, os pontos positivos não são suficientes para tirar o filme do seu limbo temporal, que possivelmente não agradará aos nostálgicos e nem é atrativo o bastante para um novo público. Assim, Os Cavaleiros do Zodíaco: Saint Seiya - O Começo é um live-action de 2023, com estética e linguagem dos longas de super-heróis dos anos 2000, inspirado no anime que fez sucesso no Brasil nos anos 1990 e que era uma adaptação de um mangá lançado nos anos 1980. Será que é o suficiente para que o longa ganhe um novo episódio? Difícil imaginar.