Ambição é o que não falta a Christopher Nolan, diretor inglês que nesta quinta-feira (20) lança mundialmente seu 12º filme, Oppenheimer (2023). Trata-se de um épico com três horas de duração (a maior em sua carreira), orçamento de US$ 100 milhões e mais de 70 atores no elenco que reconstitui a turbulenta trajetória do físico estadunidense considerado o pai da bomba atômica: J. Robert Oppenheimer (1906-1967), brilhantemente interpretado pelo irlandês Cillian Murphy, em sua sexta colaboração com o cineasta, depois da trilogia do Batman (2005-2012), de A Origem (2010) e de Dunkirk (2017).
Outros números ajudam a traduzir a ambição de transformar seus longas-metragens em um evento, tanto cinematográfico — explorando todos os recursos audiovisuais em nome de uma experiência imersiva — quanto midiático. Oppenheimer foi filmado com câmeras IMAX e película de 65mm (quase o dobro da bitola padrão, 35mm), porque "a nitidez, a clareza e a profundidade de imagem são incomparáveis", justificou Nolan. Apenas 30 cinemas no mundo, nenhum deles no Brasil, vão rodar os rolos originais, que têm 18 quilômetros de comprimento e pesam 272 quilos. E, em seu primeiro filme pela Universal, após encerrar sua longa parceria com a Warner, o cineasta pediu controle criativo total, 20% da bilheteria e um período de seis semanas em que o estúdio não pode lançar outro título (como forma de diminuir a concorrência e concentrar o marketing).
Ambição também não falta ao personagem escolhido por Christopher Nolan para, de modo inédito na filmografia, escrever um roteiro na primeira pessoa. O cineasta queria mergulhar no íntimo do físico biografado por Kai Bird e Martin J. Sherwin no livro premiado com o Pulitzer Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano (2005, agora lançado no Brasil pela editora Intrínseca, com tradução de George Schlesinger), um homem que queria deixar de fazer um trabalho tão abstrato e tão distante ("o que acontece com as estrelas quando morrem?") para efetivamente causar impacto na vida das pessoas e no planeta. Quando terminou o script, Nolan enviou o seguinte pedido ao supervisor de efeitos visuais Andrew Jackson: "Temos de encontrar uma maneira de entrar na cabeça desse cara. Temos de ver o mundo como ele o vê, temos de ver os átomos se movendo, temos de ver como ele imagina as ondas de energia, o mundo quântico. E então temos de ver como isso se traduz no teste Trinity (o pioneiro experimento com arma nuclear da história, realizado pelos Estados Unidos em 16 de julho de 1945, no deserto de Los Alamos, no Novo México). Temos de sentir o perigo, sentir a ameaça. Vamos fazer todas essas coisas, mas sem nada de computação gráfica" — como de costume em sua carreira, mas sem, obviamente, detonar uma bomba de verdade.
Também como de hábito nas obras de Nolan, o filme não segue uma estrutura linear. Temos, basicamente, três tempos narrativos. Dois deles são retratados com cores pelo diretor de fotografia holandês Hoyte Van Hoytema, parceiro do diretor desde Interestelar (2014): é a história contada pela perspectiva de Oppenheimer, o que inclui momentos de imaginação do protagonista e de inventividade visual do diretor. Como quando, durante um discurso ufanista para militares e cidadãos estadunidenses após a explosão atômica em Hiroshima, ocorrida em 6 de agosto de 1945, o personagem vislumbra as consequências devastadoras e duradouras do chamado Projeto Manhattan, programa do governo estadunidense que, durante a Segunda Guerra Mundial, buscava montar uma bomba nuclear antes dos nazistas — missão que envolveu US$ 2 bilhões, três anos de trabalho e 4 mil pessoas.
Um dos períodos vistos pelo olhar de Oppenheimer é 1954. Enquanto é interrogado pela Comissão de Energia Atômica estadunidense, que ameaça revogar o acesso do físico a informações confidenciais e despojá-lo de sua influência política direta, por causa de suas manifestações contra o desenvolvimento de um arsenal nuclear e de suas relações com pessoas ligadas ao Partido Comunista (eram os tempos da Guerra Fria entre EUA e URSS), ele rememora sua juventude, seus anseios, seus estudos, seus amores e os passos que levaram ao bombardeio do Japão.
Acompanhamos os encontros com físicos como Albert Einstein (Tom Conti) e Niels Bohr (Kenneth Branagh); os relacionamentos com mulheres como a psiquiatra Jean Tatlock (Florence Pugh, subaproveitada) e a bióloga Katherine Puening, a Kitty (Emily Blunt); a formação da equipe do Projeto Manhattan, sob a liderança do tenente-general Leslie Groves (Matt Damon, com uma ironia canastrona que casou bem com o papel); e a célebre, curta e malfadada reunião com o presidente Harry S. Truman (Gary Oldman, desfrutando cada segundo em cena), já depois da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial.
O terceiro tempo narrativo tem imagens em preto e branco para evidenciar, nas palavras do cineasta, que as cenas são objetivas. O personagem central é o empresário e almirante Lewis Strauss, encarnado por Robert Downey Jr. com um misto de sobriedade e malícia que poderá valer uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante. Figura chave no programa nuclear, ele passa por uma sabatina no Senado, em 1959, para confirmar sua nomeação como secretário de Comércio dos EUA. Na pauta, estão suas relações com Oppenheimer e a corrida armamentista contra os soviéticos.
Apesar de ser uma cinebiografia ambientada no passado, Oppenheimer tem a ambição de falar da humanidade como um todo e de dilemas muito contemporâneos. Por um lado, seu protagonista nos lembra como somos complexos e contraditórios: Oppenheimer é egocêntrico, mas também é atormentado por dúvidas e inseguranças (será que a bomba vai trazer a paz — mesmo que pelo medo — que ele imagina?); é um cientista, mas também é um sujeito passional (o que vai render a primeira cena de sexo em um filme de Christopher Nolan); é um gênio, mas também é ingênuo ("Como esse homem que viu tanta coisa pôde ser tão cego?", afirma Strauss).
Por outro lado, Nolan disse esperar que seu filme sirva de alerta para as empresas de tecnologia. "Quando falo com os principais pesquisadores no campo da inteligência artificial (IA), eles dizem que estão em seu momento Oppenheimer", declarou o diretor em um recente painel. "Eles estão olhando para a história para tentar responder: 'Quais são as responsabilidades dos cientistas que desenvolvem novas tecnologias que podem ter consequências não intencionais?'."
Outra ambição de Nolan, a de tentar tornar acessíveis ao grande público conceitos complexos — vide Interestelar, que trata de teoria da relatividade, buraco de minhoca (uma deformação do espaço-tempo que permitiria viagens intergalácticas) e quinta dimensão —, acaba jogando contra em Oppenheimer. Se no início o excesso de personagens, linhas narrativas e termos da física quântica e a montagem fragmentada da editora estadunidense Jennifer Lame são um desafio para o espectador, logo surge o pendor do cineasta para ser explicativo e reiterativo. Por exemplo, a citação dos créditos de abertura, que compara J. Robert Oppenheimer a Prometeu (o deus da mitologia grega condenado à tortura eterna por ter roubado o fogo e dado aos mortais), será retomada mais adiante por Niels Bohr. O mesmo acontece com os versos de um poema épico indiano lido por Oppenheimer para Jean Tatlock, "E agora me tornei a Morte / Destruidor de mundos", repetido pelo protagonista à luz da bomba atômica. É como se o diretor não confiasse na capacidade do público de prestar atenção, reter informações, entender analogias, metáforas, simbolismos. Essa desconfiança se reflete na trilha sonora composta pelo sueco Ludwig Göransson, que é ora empolgante, ora perturbadora, mas também é onipresente e intrusiva no seu papel de guia emocional.
Por fim, como Oppenheimer é um filme de Christopher Nolan, não poderia faltar a ambição de surpreender o espectador. Mesmo sendo baseada em fatos históricos e documentados, a trama conta com pelo menos uma reviravolta.