O universo Homem-Aranha da Sony é um caso peculiar. Além de não ter o próprio personagem que é citado no título — já que o herói, mesmo pertencendo ao estúdio, está emprestado para o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês), da Disney —, a franquia é unânime: nenhum dos quatro filmes já lançados até aqui conseguiu justificar a produção, tornando-se chacotas audiovisuais. E isto inclui o mais recente deles, Madame Teia, que está em cartaz nos cinemas nacionais.
A produção, que tem Dakota Johnson (Cinquenta Tons de Cinza) como protagonista, conta a história de Cassandra Webb, uma paramédica de Nova York que descobre ter a habilidade de prever o futuro. Uma de suas visões acaba levando-a até as adolescentes Julia Cornwall (Sydney Sweeney), Anya Corazon (Isabela Merced) e Mattie Franklin (Celeste O'Connor), que correm perigo. Unidas pelo destino, as quatro precisam enfrentar um vilão, Ezekiel Sims (Tahar Rahim), que nada mais é do que uma espécie de Homem-Aranha do mal. E mais genérico impossível.
Contando uma história de origem, Madame Teia leva o espectador de volta a 2003 — recheando o filme de referências da época, como Toxic, de Britney Spears, que tem destaque na produção. O intuito da viagem ao passado é fazer conexões com Peter Parker, mesmo que o nome do personagem sequer seja citado no longa-metragem. A Sony quer instigar o espectador a procurar ligações com o popular super-herói, mesmo que seja da maneira mais rasteira possível. É uma espera pelo futuro, com migalhas para quem se sujeita a encarar o Sonyverso.
O roteiro, escrito por cinco profissionais, incluindo dois (Burk Sharpless e Matt Sazama) responsáveis pelo fiasco de Morbius (2022), por exemplo, chama para a trama o famoso tio Ben Parker (Adam Scott) e Mary Parker (Emma Roberts), mãe de Peter. Porém, qual será o Homem-Aranha daquela realidade? O vivido por Tom Holland, já que a idade é a que mais faz sentido? Ou um outro, de uma realidade paralela? Possivelmente, a intenção era conectar com o MCU, mas o resultado final é tão constrangedor que isso não acontece. E a teoria ganha força com a ausência de uma cena pós-créditos, que deveria trazer a revelação, mas pode ter sido cortada para preservar o herói.
Emaranhado de erros
Mas vamos aos problemas de Madame Teia: para começar, a imersão no começo dos anos 2000 parece ter sido total até para os roteiristas e a diretora, S.J. Clarkson (Os Defensores). O filme traz diversos elementos ruins dos títulos de super-heróis da época, cometendo erros narrativos que já foram colocados à prova — e não funcionaram. Os principais são as decisões injustificadas dos personagens, daquelas que já não convenciam há 20 anos. Em determinado momento, por exemplo, Cassandra simplesmente deixa as três adolescentes que estão sob sua responsabilidade e são caçadas por um assassino aos cuidados de Ben Parker para viajar ao Peru e conhecer melhor o seu passado. Do nada.
A decisão não tem uma construção, é simplesmente jogada na tela, pois a personagem precisa ir de um ponto a outro, independentemente do caminho. Ok, mas como é um filme de super-herói, pelo menos, a ação deve compensar, certo? Errado. Muito errado. Madame Teia é fraquíssimo na questão de combates, uma vez que as protagonistas não têm poderes físicos. Assim, a pancadaria fica restrita a visões de um futuro que sequer está dentro do arco do longa-metragem — ou seja, as cenas das adolescentes vestidas como heroínas são basicamente as mesmas presentes nos trailers e são flashforwards.
Visivelmente barato em relação aos blockbusters do gênero — estima-se que não custou mais do que U$S 80 milhões —, Madame Teia se arrasta para preencher 1h54min de duração. A narrativa é lenta e, nos poucos momentos de ação, a diretora até que tenta dar um dinamismo maior, fazendo movimentos de câmera mais elaborados, girando-a em 360°, mas tal esforço é para maquiar momentos vazios e sem qualquer emoção. Por sinal, não existe nenhum sentimento envolvendo o filme, a não ser a vergonha alheia — é de se contorcer na poltrona e torcer para acabar logo, principalmente nos minutos finais.
Um dos motivos de tamanho desconforto são os diálogos, recheados de frases de efeito e nada naturais. Os artistas envolvidos, todos com carreiras consolidadas — ou se consolidando — por conta de seu talento, são subaproveitados e inseridos em uma história que não precisava ser contada. O estrago foi tanto que Dakota Johnson, após se dar conta da cilada em que havia se metido, trocou de agência de talentos: ela achava que ia fazer parte do MCU, mas acabou ficando relegada à piada que é o Sonyverso. E, além dos dois Venom, Morbius e, agora, Madame Teia já lançados de 2018 para cá, 2024 ainda terá Kraven: O Caçador e Venom 3.
Fica evidente que, mesmo errando com intensidade em todas as suas apostas, o universo cinematográfico da Sony segue devolvendo para o estúdio conteúdos cada vez mais fracos e que parecem ser feitos feitos para viralizar como piada. Resta torcer para que, tal qual a toxina que o péssimo vilão de Madame Teia solta em seus inimigos, este formato cruel de fazer dinheiro vá ficando doente e acabe morrendo. Até lá, o público assiste a esta franquia agonizando.