
"Seja a mudança que você quer ver no mundo" (Mahatma Gandhi)
Um eminente professor, que vamos chamá-lo de José para preservar-lhe a confidencialidade, fazia regularmente exames de imagem no hospital onde trabalhou durante décadas. O atendimento prioritário e sempre carinhoso induziu-lhe à tola convicção de que aquela era uma encantadora rotina institucional. Por sobrecarga de demanda no seu hospital, foi direcionado para outro serviço dentro do mesmo complexo.
A falta inicial de sorrisos não foi valorizada, provavelmente porque naquele dia ele também não estava muito a fim. Mas logo provou o amargo da impessoalidade e da indiferença. Deixado só, numa sala muito fria, resolveu espichar as pernas no corredor, onde foi encontrado pela atendente que o tinha conduzido até ali. "Seu José, vejo que o senhor não entendeu o que lhe disse: por favor, sente-se ali e espere o chamado".
Não respondeu. Verdade que ele tinha contrariado uma ordem, mas uma advertência aos quase 80 anos!? Com a dor voltando a incomodar, se recolheu em silêncio e ficou ruminando: "Pô, cara, qual é teu problema de se comportar?".
Precisava se conformar, afinal tinha envelhecido e devia se condicionar à solidão, mas não estava preparado para a indiferença. De qualquer maneira, e em qualquer circunstância, nada machuca mais a autoestima do que a impessoalidade, que multiplica por mil se a vítima estiver emocionalmente vulnerável.
Envelhecido, estava preparado para a solidão, mas não para a indiferença
Golpe do Destino (1991) está invariavelmente no topo da lista dos filmes que devem ser assistidos por estudantes de Medicina. Numa das melhores interpretações de William Hurt, narra a história de Jack McKee, um cirurgião cardíaco bem-sucedido, rico e aparentemente sem nenhum problema, até o momento em que é diagnosticado com um câncer de laringe.
E então, subitamente, aquele personagem arrogante e debochado, que se sentia dono de território no bloco cirúrgico, passou para o outro lado do balcão. Agora, como um paciente comum, descobriu que as prioridades e gentilezas tinham sido substituídas por tempo médio de espera e normas burocráticas.
Depois de duas tentativas frustradas de "Você sabe quem eu sou?", desistiu. Ele era só um paciente com câncer, segurando uma ficha numerada.
A peregrinação que se seguiu em busca da definição do melhor tratamento expôs a rotina do atendimento ambulatorial de um grande hospital público onde imperavam a objetividade e a pressa, dois ingredientes festejados na atividade empresarial, mas abominados no convívio humano com a fragilidade.
Meses depois, tendo sobrevivido a um longo martírio, e recuperado seu posto de chefia, decidiu que aquela vivência sofrida não podia ser desperdiçada e determinou que seus subalternos deviam se internar durante alguns dias, para realização dos mesmos exames que solicitavam rotineiramente. Estava convencido de que a melhor via de absorção das lições nascidas de experiências desagradáveis é através da própria pele. Concorda, seu José?