Por me dedicar mais aos filmes, não tenho tanto tempo para acompanhar as séries (no caso, as ficcionais, porque para as documentais, que costumam ser curtinhas, dou jeito). Por isso, fiz questão de frisar, no título desta coluna, que a lista abaixo traz apenas aquelas, entre as lançadas no Brasil em 2022, que consegui ver.
Ainda estou me devendo a segunda temporada de Hacks (HBO Max), uma das minhas preferidas do ano passado, e The Offer (Paramount+), a minissérie sobre os bastidores de O Poderoso Chefão (1972) — assisti ao primeiro capítulo, achei caricaturizada e apressada, mas me disseram que melhora do segundo em diante (vou retomar em breve). Uma campeã de engajamento dos fãs e de produção de factoides, Stranger Things 4 (Netflix) quase entrou, mas os dois últimos episódios foram enrolados e covardes. Também bateram na trave, por pura falta de espaço, Tokyo Vice (HBO Max) e Reacher (Amazon Prime Video).
Entre as 10 que considero as melhores, estão nomes bem cotados para figurarem, na próxima terça-feira (12), nas indicações ao principal troféu da TV nos Estados Unidos, o Emmy — a cerimônia de premiação está marcada para o dia 12 de setembro. Nas séries de drama, Ruptura (Apple TV+) pode-se considerar garantida (vale o mesmo para a terceira temporada de Succession, na HBO Max, que é de 2021, e o fenômeno sul-coreano da Netflix Round 6). Nas minisséries, além de The White Lotus (HBO Max), uma das mais fascinantes do ano passado, e as elogiadas Dopesick (Star+) e Maid (Netflix), ambas também de 2021, aposto em A Escada (HBO Max) e The Dropout (Star+). No mínimo, Colin Firth, Toni Collette e Amanda Seyfried vão concorrer nas categorias de atuação, assim como Lily James, de Pam & Tommy (Star+).
A Cidade É Nossa (2022)
Não chega a ser uma continuação de The Wire (2002-2008), ou A Escuta, recentemente eleita a melhor série do século 21 segundo 206 críticos, acadêmicos e profissionais de TV ouvidos pela BBC. Mas esta minissérie em seis episódios também foi criada pelo ex-repórter policial David Simon (aqui, na companhia do escritor George Pelecanos); também se passa em Baltimore, cidade no Estado de Maryland que é, estatisticamente, uma das mais violentas no mundo; e também retrata a atuação da polícia local. Enquanto alguns tentam fazer alguma coisa contra o narcotráfico e o crime organizado, mesmo sabendo que suas chances estão entre mínimas e nenhuma, outros apostam na truculência e/ou enveredam para a corrupção. Dirigida por Reinaldo Marcus Green, do filme King Richard (2021), A Cidade É Nossa (We Own this City) tem uma estrutura narrativa que requer atenção, com vários núcleos de personagens e alternâncias não muito claras entre o passado e o presente. Mas a recompensa é alta para quem curte histórias sobre os meandros policiais. O elenco é uma atração à parte: Jon Bernthal interpreta o sujo sargento Wayne Jenkins, figura central no força-tarefa do combate às armas. Wunmi Mosaku é Nicole Steele, uma advogada designada pela Justiça federal para apurar casos de desrespeito aos direitos civis. Jamie Hector faz Sean Suiter, um detetive de Homicídios que acaba se envolvendo com Jenkins. Josh Charles encarna Daniel Hersl, sobre o qual pesam várias denúncias de maus-tratos. E Dagmara Dominczyk está no papel de Erika Jensen, uma agente do FBI que investiga as ações de Jenkins e companhia. (HBO Max)
The Dropout (2022)
A minissérie em oito episódios conta a história de Elizabeth Holmes (brilhantemente interpretada por Amanda Seyfried), fundadora do laboratório Theranos, que prometia revolucionar a indústria dos exames de sangue, mas acabou se revelando uma fraude bilionária. Criada por Elizabeth Meriwether, a mesma da série cômica New Girl (2011-2018), The Dropout enceta uma comparação inevitável com a recente Inventando Anna (Netflix): as duas minisséries são mais ou menos contemporâneas; as duas protagonistas são mulheres brancas com autoconfiança, energia e talento para a mentira, trinômio que abriu portas no mundo dos negócios e na alta sociedade; ambas cultivam excentricidades (a jovem golpista Anna Sorokin tem um sotaque indetectável, Elizabeth emprega uma voz grave e baixa quando quer proferir uma frase de efeito); e as duas obras mostram como seus castelos de areia desmoronaram. Mas Inventando Anna é longa e enrolada demais, parecendo mais interessada na lenda do que na pessoa. The Dropout, embora recorra a flashbacks, vai direto ao ponto. O foco está na pressa de Elizabeth Holmes para conquistar algo, no seu narcisismo, no seu desconforto para o convívio social, na sua mistura desequilibrada de faro, desespero, garra juvenil e falta de escrúpulos. Uma personagem muito mais humana do que aquela de Inventando Anna e que há de levar Amanda Seyfried a sua primeira indicação no Emmy. (Star+)
A Escada (2022)
Dirigida pelo nova-iorquino Antonio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes e realizador do filme O Diabo de Cada Dia (2020), esta minissérie em oito episódios é a versão ficcional de um rumoroso caso policial dos Estados Unidos. No dia 9 de dezembro de 2001, o escritor Michael Peterson (interpretado por Colin Firth) liga para a emergência. Sua esposa, Kathleen (papel de Toni Collette), está morrendo, deitada sobre uma poça de sangue aos pés da escada da mansão do casal na Carolina do Norte. Foi um acidente, segundo o marido, que terá de contratar um advogado caríssimo, David Rudolf (Michael Stuhlbarg), já que os promotores Jim Hardin (Cullen Moss) e Freda Black (Parker Posey) estão dispostos a provar que foi um assassinato. A família se divide: os filhos de Michael acreditam (ou fingem para si mesmos que acreditam) na inocência do pai, a filha de Kathleen se junta às tias no lado da acusação.
A trama de A Escada (The Staircase no original) — narrada com idas e vindas no tempo —, as chocantes revelações sobre o passado e a vida dupla de Peterson e as discussões sobre os bastidores de um julgamento nos EUA (em que, por exemplo, a tese de defesa é como um produto comercial, sujeito a modificações conforme o gosto do mercado) podem não ser novidades para quem já assistiu à série documental The Staircase (também conhecida no Brasil como Morte na Escadaria e disponível na Netflix), do diretor francês Jean-Xavier de Lestrade, ele próprio um personagem na adaptação comandada por Campos. Mesmo assim, A Escada é uma das atrações mais fascinantes no momento, graças às atuações de Firth, Collette, Stuhlbarg, Posey e Odessa Young, que se destaca interpretando Martha, uma das filhas de Michael. (HBO Max)
Heartstopper (2022)
A minissérie em oito episódios de 30 minutos combina três características comuns na produção atual: é baseada em uma história em quadrinhos (a homônima Heartstopper, escrita e desenhada por Alice Oseman); tem adolescentes como personagens principais e a escola como um cenário importante; e lida com a temática LGBT+. O diretor Euros Lyn acompanha a aproximação entre Charlie (o estreante Joe Locke), que já se assumiu como homossexual — o que o torna vítima eventual da angústia e do bullying —, e um colega de aula um ano mais velho, Nick (Kit Connor), que parece ser o mais hétero dos heterossexuais (para começo de conversa, é o craque do time de rúgbi). Por conta da sua doçura, de seu cuidado para instruir sobre a diversidade sexual sem perder a fluidez dramatúrgica e de seu otimismo contagiante, este é um romance gay capaz de desarmar os preconceituosos. Fez tanto sucesso, que ganhará mais duas temporadas. (Netflix)
Lakers: Hora de Vencer (2022)
Inspirada no livro Showtime, do jornalista Jeff Pearlman, foi criada por Max Borenstein — um dos roteiristas dos filmes com Godzilla e coautor da série The Terror (2018-2019) — e Jim Hecht. Lakers: Hora de Vencer reconstrói a história do Los Angeles Lakers a partir de sua aquisição, em 1979, por Jerry Buss (interpretado por John C. Reilly), um excêntrico homem de negócios que quer transformar o basquete em um espetáculo tanto dentro como fora das quadras. O elenco de personagens inclui os jogadores Earvin "Magic" Johnson (encarnado por Quincy Isaiah), Kareem Abdul-Jabbar (Solomon Hughes) e Norm Nixon (DeVaughn Nixon, filho do ex-atleta) e os treinadores Jerry West (Jason Clarke) e Pat Riley (Adrien Brody). Com 10 episódios, a primeira temporada começa pelo que parece ser o fim da jornada: a descoberta, em 1991, de que Magic Johnson era soropositivo, o que provocou o interrompimento de sua carreira, após cinco títulos conquistados em nove finais da NBA, a liga norte-americana de basquete. O primeiro episódio tem direção do cineasta Adam McKay (e o segundo, do ator Jonah Hill), que imprime seu estilo. Os atores quebram a quarta parede, falando diretamente com o público (apesar de já ser bem conhecido, o recurso ainda pode ser desconcertante e fascinante), textos se sobrepõem às imagens, e há aquela característica mistura de comédia ácida, drama e comentário sócio-político-econômico — na estreia, um tema forte foi o racismo (como visto também no documentário Briga na NBA, da Netflix). (HBO Max)
Landscapers (2021)
Estrelada por Olivia Colman e David Thewlis, a minissérie policial em quatro episódios tem início com dois avisos ao espectador. O primeiro é textual: "Em 2014, Susan e Christopher Edwards foram condenados por homicídio e sentenciados a um mínimo de 25 anos de prisão. Até hoje, eles mantêm sua inocência. Esta é uma história verídica". Entrementes, enquanto a música composta por Arthur Sharpe vai criando um clima tão idílico quanto lúgubre, a câmera desce até o nível de uma praça, onde pessoas que estavam paradas começam a se movimentar. Alguém grita "Rodando!" e, na sequência, "Ação! Chuva!". Sob a chuva artificial, um homem (que mais adiante se apresentará ao telefone como um advogado da defensoria pública) aguarda a instrução para fazer o seu deslocamento, que ocorre concomitantemente à passagem de um ônibus do tipo minhocão em primeiro plano — quando a cena, até então em preto e branco, ganha cor. Esse segundo aviso, o audiovisual, se complementa com uma pequena, mas significativa alteração na última frase — em inglês, "This is a true story" — sobreposta às imagens: a palavra true (verdadeira) desparece. Fica apenas: "Esta é uma história". O recado duplo é fundamental para entendermos que, a seguir, um célebre e chocante caso policial da Inglaterra — o assassinato, em 1998, dos pais de Susan, William e Patricia Wycherley, desvendado a partir do descobrimento dos corpos no jardim de uma casa no subúrbio de Mansfield — será livremente recriado. Se os fatos dramatizados são chocantes, do ponto de vista narrativo Landscapers é absolutamente fascinante. Como a abertura aponta, o roteirista Ed Sinclair e o diretor Will Sharpe vão enfatizar os aspectos fantasiosos — ou seriam delirantes? Ou seriam mentirosos? — da vida do casal Susan e Edward, duas pessoas atrapalhadas e machucadas que compartilham o gosto por filmes antigos de Hollywood e astros do cinema como Gary Cooper e Gérard Depardieu, e que procuram construir um mundo no qual possam sobreviver. (HBO Max)
Nossa Bandeira É a Morte (2022)
Com 10 episódios na primeira temporada, a série faz uma abordagem do universo dos bucaneiros e dos corsários muito mais cômica (ainda que tenha momentos dramáticos e algum derramamento de sangue) do que aquela vista na franquia cinematográfica Piratas do Caribe (2003-2017). Os responsáveis por Nossa Bandeira É a Morte têm experiência em cruzar a comédia com outros gêneros. David Jenkins, o criador, é o mesmo do seriado People of Earth (2016-2017), sobre um grupo de apoio a pessoas que foram abduzidas por alienígenas. Taika Waititi, que dirige o piloto, é produtor executivo e interpreta o Barba Negra, traz no currículo O que Fazemos nas Sombras (2014), um falso documentário sobre o mundo dos vampiros, Thor: Ragnarok (2017), uma versão mais humorística do Deus do Trovão, e Jojo Rabbit (2019), que, sem esquecer dos horrores do nazismo, satiriza Hitler. A obra é inspirada em um personagem real, Stede Bonnet (vivido por Rhys Darby), um aristocrata de Barbados, no Caribe, que abandonou seus privilégios, sua esposa e seus filhos para viver uma vida de pirata. Sem traquejo para a truculência — ele se autointitula Pirata Cavalheiro e chega a ler histórias para seus subordinados dormirem —, Stede precisa provar sua capacidade para o cargo. Em pelo menos um episódio, o quinto, sua bagagem cultural fará toda a diferença. (HBO Max)
Pam & Tommy (2022)
A minissérie em oito capítulos criada por Robert Siegel reconstitui um dos primeiros e mais célebres vazamentos de vídeo íntimo de celebridades, ocorrido entre 1995 e 1997. No caso, uma transa entre a atriz e modelo Pamela Anderson, estrela do seriado Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), e o roqueiro Tommy Lee, baterista da banda glam metal Mötley Crüe. Na era das redes sociais, da fama instantânea e do compartilhamento de tudo — inclusive do chamado revenge porn (pornografia de vingança) e de seu oposto, a publicação supostamente acidental com intuito marqueteiro —, pode ser difícil medir o impacto da divulgação daquelas cenas de sexo. Mas Pam & Tommy é muito eficiente em contextualizar o espectador e retratar como, em um ambiente machista e moralista, a invasão de privacidade transformou Pamela de queridinha a pária e alvo do deboche. Pamela é interpretada por uma atriz insuspeita para o papel: a inglesa Lily James, protagonista de Cinderela (2015) e coadjuvante de Yesterday (2019). O extraordinário trabalho de caracterização inclui maquiagem, peruca, bronzeamento artificial e seios falsos, treinamento vocal para encontrar o timbre certo e uma mescla de sensualidade e doçura, ímpeto e resignação. Tommy é encarnado pelo romeno-estadunidense Sebastian Stan, o Soldado Invernal do Universo Cinematográfico Marvel. A metamorfose física — o ator escureceu os cabelos, os olhos (com lentes de contato), os cílios e as sobrancelhas, além de cobrir o corpo com tatuagens temporárias e colocar piercings em mamilos protéticos — contribui para o lado sentimental, realçando o romantismo sui generis do músico, sua imprevisibilidade e seu pendor para a intimidação e a babaquice. (Star+)
Ruptura (2022)
Com nove episódios na primeira temporada — uma segunda já foi anunciada e será muito aguardada por você, pode apostar —, é uma espécie de cruza entre The Office (2005-2013), Black Mirror (2011-2019) e Homecoming (2018-). A porção comédia de escritório puxa mais para o humor absurdo ou mesmo para o riso nervoso; a ficção científica espelha inquietações reais, com novas tecnologias potencializando anseios, crises e vícios da sociedade contemporânea; e há drama e suspense por conta de algum tipo de lavagem cerebral. Criada pelo estreante Dan Erickson e dirigida por Ben Stiller, Ruptura gira em torno de uma empresa, a Lumon, que descobriu uma maneira de separar, cirurgicamente, a vida profissional da pessoal. À primeira vista, parece uma relação ganha-ganha: ninguém leva para o escritório os problemas domésticos, ninguém volta para casa com o estresse do trabalho. Mas é claro que há implicações éticas, dilemas morais e consequências psicológicas na divisão entre os innies (as personas que só vivenciam sua própria existência dentro da Lumon) e os outies (as personas externas, que não têm lembrança das rotinas internas). O personagem principal é Mark Scout (Adam Scott), que topou participar do programa de ruptura entre as memórias pessoais e as memórias profissionais para não deixar que o luto pela morte da esposa dominasse o seu dia inteiro. Ele acaba de ser promovido após o repentino e misterioso desligamento de um amigo, que em breve começa a revelar podres da Lumon. Uma das primeiras tarefas de Mark no cargo é recepcionar uma nova empregada do seu setor, o de "refinamento de macrodados" — nem ele nem seus subordinados sabem exatamente o que fazem. A nova contratada é Helly (Britt Lower), que tentará lutar contra o sistema, mas vai esbarrar em uma esmerada burocracia e em um dedicado supervisor dos innies. (Apple TV+)
Slow Horses (2022)
Na primeira vez que vemos Gary Oldman na série baseada nos livros do escritor Mick Herron, seu personagem, o agente secreto britânico Jackson Lamb, está deitado em um sofá. Suas duas meias estão furadas, e em uma mesinha de centro repousam uma garrafa de uísque quase vazia e restos de comida em embalagens de alumínio. Ele está dormindo em seu escritório, um pardieiro acarpetado de cores tristes e com pastas e arquivos espalhados por todos os cantos. De repente, Lamb acorda: foi despertado pelo barulho do próprio peido. A flatulência do protagonista é recorrente em Slow Horses, cuja primeira temporada, com seis episódios, já foi encerrada (e a segunda já está gravada). Mas antes de conhecermos Lamb, seremos apresentados a um outro agente secreto britânico, River Cartwright (Jack Lowden, ator do ótimo filme Calibre), neto de um aposentado astro da mesma profissão. Nos 10 eletrizantes minutos da sequência de abertura, River está envolvido na identificação e na caça de um suposto terrorista no Aeroporto de Stansted, em Londres. Não é spoiler dizer que esse espião vai entrar numa fria. Mais precisamente, numa geladeira: Slough House, um departamento para onde são escanteados os funcionários do serviço de inteligência que cometem uma, ora, cagada. (Apple TV+)